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Bactérias e emoções: uma forte relação
21/05/2022 / 11:02
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Ninguém esperaria que as bactérias que hospedamos em nossas vísceras conseguissem influenciar as emoções. Mas cada vez mais se confirma a relação íntima desses seres mínimos que convivem conosco desde sempre, com as máximas habilidades humanas – as emoções.

Fato é que os trabalhos científicos têm se acumulado comprovando que a microbiota residente dentro das nossas vísceras interage com uma rede de neurônios e outras células situadas nas paredes do estômago e do intestino, gerando um fluxo de informações locais que modulam a digestão. A coisa não para aí. A informação processada pelo sistema nervoso entérico é conduzida corpo acima por um conjunto de fibras nervosas que compõem um nervo chamado “vago”, até penetrar no cérebro. Tudo converge então para uma rede que controla as emoções: o sistema límbico.

O sistema límbico, por sua vez, utiliza uma substância presente nos pontos de comunicação entre os neurônios, chamada serotonina. Simplificando, pode-se dizer que a serotonina veicula emoções, e que, no limite, as bactérias lá embaixo acabam influindo no fluxo de serotonina que o cérebro usa cá em cima. Já se verificou que os estados depressivos são influenciados pela carência de serotonina na comunicação dos neurônios. Não é por acaso que os médicos receitam medicamentos chamados “inibidores da recaptação de serotonina”, um termo que descreve bem sua ação: impedem que a serotonina liberada seja capturada para dentro das células, permanecendo ativa na gerência de nossas emoções.

O que os trabalhos mais recentes apontam é que esse circuito todo — das bactérias às emoções via nervo vago — pode ser modulado para o bem utilizando terapias menos perigosas que os medicamentos. Uma abordagem que está em alta, para esse fim, é a estimulação elétrica dos ramos do nervo vago que ativam o circuito límbico nas regiões cerebrais. Muitas vezes eles passam bem por baixo da pele, ao alcance de correntes elétricas produzidas artificialmente.

Trabalhos recentes de uma dupla de pesquisadoras holandesas, recentemente publicados, mostram que uma suave estimulação elétrica do nervo vago feita sobre a pele da orelha, influencia as emoções das pessoas, deprimidas ou não. As duas pesquisadoras estudaram o efeito dessa estimulação elétrica sobre a atenção seletiva que sem querer prestamos, à vista de faces que traduzem emoções. Olhamos mais para quem sofre e para quem ri, do que para quem mostra uma face neutra. As duas neurocientistas usaram fotos do rosto de atores e atrizes mostrando-se tristes, alegres, zangados, amedrontados ou neutros. Voluntários sadios eram solicitados, em condições controladas, a clicar rapidamente a tecla de um computador, quando as fotos lhes passavam emoções fortes.

Esse tempo de reação era medido, indicando maior ou menor sensibilidade emocional. Menor o tempo de reação, maior o viés emocional. A seguir, o experimento era repetido sob estimulação transcutânea do nervo vago. Resultava um aumento do tempo de reação aos estímulos emocionais. A reação ficava mais lenta, menor sensibilidade emocional. O efeito era robusto para duas das emoções básicas, a tristeza e a alegria, menos intenso para as outras, e inexistente para as faces neutras. Era como se a mensagem das bactérias às redes emocionais fosse algo como: acalme-se, a emoção da foto não é tão forte assim…

Os resultados experimentais podem ter duas consequências benéficas. Primeiro, aprofundam o conhecimento básico sobre o chamado eixo microbiota-cérebro, elemento fundamental do processamento das emoções humanas. Segundo, aumentam a viabilidade de substituir a estimulação do nervo vago para o tratamento da depressão maior severa, que hoje é cirúrgica, por uma modalidade menos invasiva, transcutânea. Essa relação entre a ciência básica e a ciência aplicada não é nada vaga. É tão direta e convincente quanto a relação entre as bactérias e as emoções.

Por O Globo