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Escalada de preços distancia brasileiro do sonho de possuir um carro
18/04/2022 / 12:42
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Dos dez carros zero-quilômetro mais vendidos no primeiro trimestre, cinco estão na faixa de preços que começa acima dos R$ 100 mil e vai muito além disso, dependendo da versão. Os dois campeões de vendas – HB20, da Hyundai, e Onix, da General Motors – têm preços que começam em R$ 70 mil a R$ 73 mil. Mas as versões que trazem os conjuntos de acessórios, motorização e pintura mais desejados passam fácil dos R$ 100 mil. Ou encostam nesse valor. A valorização dos modelos usados também continua elevada. Com a escalada de preços, alcançar esse sonho de consumo tem exigido malabarismos no orçamento de muita gente.

Cálculos de empresas e consultores que acompanham o mercado indicam que no ano passado, modelos novos e seminovos subiram entre 14% e 21%. Em 2021, o preço do chamado carro “ano modelo” 2022 (que costuma ser lançado antes da virada do ano) subiu, em média, 18,39%, segundo a KBB, empresa especializada no acompanhamento de variações de preços no mercado.

Um levantamento da consultoria Bright Consulting indica que de 2020 para 2021 o preço médio de carros e comerciais leves teve aumento de 17% já descontada a inflação, de 10,06% (IPCA). Isso significa que um carro que custava R$ 105,8 mil foi para R$ 123,9 mil (preços deflacionados). Os preços desse mesmo veículo estavam em torno de R$ 96 mil a R$ 97 mil entre 2017 e 2019, também descontando a inflação. No início de 2022, um novo reajuste real, de 3,6%, elevou o preço do mesmo veículo para R$ 137 mil.

Arte: Reprodução

“Parece que voltamos à década de 1990, quando a cada dez dias as montadoras soltavam uma nova lista de preços”, afirma Cássio Pagliarini, diretor de estratégia da Bright Consulting. Com experiência de mais de 40 anos nessa indústria antes de se tornar consultor, Pagliarini afirma que a falta de componentes, principalmente semicondutores, uma queixa constante no setor, “é uma ótima desculpa” para a escalada de preços.

Ao mesmo tempo em que os carros estão mais sofisticados e têm sido reajustados com frequência, outros, conhecidos no passado como “populares”, sumiram do mercado. A indústria automobilística tirou de cena o chamado “pé de boi”. Uma das razões é que o consumidor não estaria mais interessado em modelos que não trazem o mínimo de conforto, como direção hidráulica, ar-condicionado e travas elétricas. Outra razão é a pressão que as subsidiárias das montadoras, no Brasil e em todo o mundo, sofrem das matrizes para alcançar rentabilidade. “As empresas preferem vender pouco e ganhar mais”, destaca Pagliarini.

Na lista dos modelos novos mais vendidos no primeiro trimestre, elaborada pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos (Fenabrave), os mais baratos são Kwid, da Renault, e Mobi, da Fiat, com preços a partir de R$ 61 mil. O Gol, da Volkswagen, um ícone que deixará de ser fabricado no fim do ano, custa em torno de R$ 68 mil.

Para os especialistas, os preços dos carros têm subido tanto que o consumidor, muitas vezes, prefere pagar um pouco mais e levar um modelo mais à altura do que ele pode chamar de “carro caro”. Isso inclui os veículos da moda. Os chamados “Suvs”, na sigla em inglês para utilitários esportivos, já representam 48% das vendas de automóveis no Brasil, seguidos, de longe, pelos hatchs pequenos (21%), que já foram os carros mais vendidos no Brasil. O chamado “carro de entrada”, novo nome para o antigo popular, representa, hoje, apenas 10,5% das vendas.

Ter algum dos últimos lançamentos na garagem às vezes requer muito malabarismo para encaixar a prestação do financiamento no orçamento. Mas o consumidor sempre contou – e conta ainda mais hoje – com a “mãozinha” das montadoras e concessionários, que esbanjam criatividade quando se trata de atrair o cliente.

Existem várias modalidades de financiamento. A Volkswagen, por exemplo, oferece, para determinados modelos, um plano em que o cliente dá 40% de entrada, financia 20% e os 40% restantes ficam para quando for quitada a última prestação, que pode ser de 36 meses.

Seria motivo de dúvida pensar em ter que desembolsar 40% do valor do bem ao final de um financiamento. Mas aí entra a habilidade do vendedor, que propõe, quando esse dia chegar, que o cliente coloque o então carro usado como entrada para comprar um novo modelo, com refinanciamento da dívida. Se a compra fosse de algum outro produto a ideia poderia não ser tão convincente. Mas tratando-se de um automóvel, a proposta, para muitos, é sedutora.

Para Marcos Leite, gerente de vendas da Amazon, concessionária de São Paulo, a ideia pareceu tão boa que ele mesmo aderiu a esse plano para comprar um T-Cross. Segundo Leite, nos planos existentes hoje, bancados, na maioria, pelos bancos das próprias montadoras, “o céu é o limite”. Segundo ele, quando o consumidor faz as contas acaba levando o modelo mais confortável, com acabamento mais refinado e mais opcionais.

Mas o consumidor não tem levado susto com os preços? Para Leite, os preços mais elevados podem até assustar, principalmente aquele que durante a pandemia esticou a decisão da troca de carro. Mas, ao mesmo tempo, diz, muitos não se deram conta, durante esse tempo, do quanto o seu carro usado valorizou, valendo mais na troca por um novo.

A escassez de componentes na indústria, que ainda provoca falta de alguns modelos novos, faz o preço do usado subir ainda mais. Num mercado normal, um automóvel desvaloriza assim que sai da loja, zero-quilômetro. A Mobiauto, uma plataforma de compra e venda de veículos, fez uma pesquisa para apurar a variação de preços de modelos da Fiat novos no primeiro trimestre de 2021 e no mesmo período de 2022, na condição de seminovos. Encontrou aumentos acima de 25%. Ou seja, muitos compraram veículos há um ano e ganharam dinheiro ao vendê-los agora.

Esse tipo de negociação favorece locadoras e outros frotistas, que compram diretamente das montadoras a preços mais baixos. Os abatimentos chegam a mais de 30%. Em contrapartida, as locadoras são clientes garantidos para a indústria. Dados da Fenabrave indicam que no primeiro trimestre, a venda direta absorveu 39,3% do mercado de automóveis e comerciais leves novos.

No início de março, o governo federal diminuiu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de diversos produtos, incluindo carros. Houve redução de preços imediata. Mas os últimos reajustes já eliminaram o benefício. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) aponta os aumentos de custos, de insumos como aço, resinas e borrachas, como principais motivos dos ajustes.

A falta de alguns modelos de carros novos, provocada pela escassez de componentes, atrapalha os fabricantes na análise do quanto o mercado encolhe por falta de demanda. No primeiro trimestre, a retração nas vendas de veículos leves alcançou 24,7% na comparação com os primeiros três meses de 2021. O aumento no nível dos estoques em março já deu um sinal de que a demanda não estará tão aquecida daqui para a frente.

Para Pagliarini, “não há espaço para mais aumentos de preços e o mercado será limitado pela falta de demanda”. Apesar de vários outros fatores, como inflação, desemprego e perda de renda, pesarem na decisão de compra de produtos de alto valor, como carros, para o consultor, aumentos de preços “são de longe o principal motivo” de queda nas vendas. Por isso, ele prevê que em breve o mercado voltará a viver ondas de promoções. Se isso acontecer, sorte do consumidor que hoje se vê cada vez mais ameaçado a deixar de trocar o carro.

Do Valor Econômico