O jornalista Bruno Molinero publicou em seu blog de literatura infantojuvenil, da Folha, uma lista com 10 indicações de livros para presentear as crianças no Natal.
A seleção conta com literatura brasileira, autores internacionais, obras que acabaram de sair do forno, escritores e ilustradores premiados e diferentes narrativas que podem ser lidas pelos mais novos e também os mais crescidos. Confira:
1 – Enquanto Não Lembro
É verdade que livros são feitos de palavras e imagens. Mas alguns vão além. “Enquanto Não Lembro”, de Gabriela Romeu e Elisa Carareto, é escrito também com lembranças, memórias, saudade e “um lugar com cheiro de café coado bem cedinho”. A obra conta a história de Maria, uma tia meio avoada, que adorava passar café, delirava em latim, esperava a volta do pai e às vezes era levada para longe, muito longe. Assim como a personagem foge do que é considerado normal, Romeu também escapa do que é mais comum na literatura infantojuvenil, optando por um texto cheio de estranhezas e delicadezas. Enquanto isso, Carareto dá vida à narrativa com imagens feitas com caneta e lápis de cor, mostrando que nosso dia a dia tem muito mais potência criativa do que costumamos imaginar. Acho que tia Maria sabia disso.
2 – Continentes
Neste outro lançamento, Gabriela Romeu se junta à ilustradora Anita Prades para retornar a um terreno bem conhecido em sua obra: a geografia das infâncias. Mas, ao contrário de livros como “Terra de Cabinha”, por exemplo, no qual a autora usa o jornalismo para contar como vivem e do que brincam as crianças do Cariri, no Ceará, “Continentes” opta pelo caminho da ficção. O texto terroso, cheio de ocos e tocas, vai narrando brincadeiras no chão de terra, onde buracos se formam, insetos aparecem e escavações revelam “carcaças de civilizações antigas”. Essa mistura de infância, quintal, terra, imaginação e Brasil desabrocha nas ilustrações de Prades, nas quais centopeias de guarda-chuva e cafeteiras parecidas com vulcões explodem pelas páginas.
3 – Gambiarra
Como resumir o Brasil em uma palavra? O ilustrador Bruno de Almeida faz mais ou menos isso no seu livro de estreia, “Gambiarra”, que usa a bicicleta para mostrar visualmente essa ideia. Nas páginas, ilustrações coloridas apresentam bikes que equilibram vassouras, camas, peixes, galinhas, varais, cabras, televisões. Tudo é improvisado. As coisas ganham novos significados. E é exatamente aí que mora a beleza da obra. Isso porque a ideia de gambiarra não aparece de maneira negativa, muito menos como sinônimo de jeitinho malandro. É o inverso. Ela é sinal de criatividade e homenagem à potência da imaginação brasileira, que não sucumbe a nada, nem mesmo aos poucos recursos. Almeida, aliás, é o ilustrador responsável pela identidade visual da próxima Feira do Livro Infantil de Bolonha, o principal evento mundial da literatura para esse público, que vai ocorrer na Itália em março e abril do ano que vem.
4 – Tudo que Existe É Palavra
É cada vez mais comum na literatura brasileira contemporânea que autores se arrisquem em livros para crianças depois de fazer sucesso entre os adultos. São vários os exemplos. Mas não foi assim com Socorro Acioli. Autora de romances como “Cabeça de Santo” e “Oração para Desaparecer”, ela tem há anos uma consistente trajetória na literatura infantojuvenil. Agora, a escritora volta aos livros para esse público em “Tudo que Existe É Palavra”. O título reúne seis crônicas curtas, ilustradas por Helô Barbi, cujos personagens principais são bem definidos: a palavra e a língua. Tudo começa com o próprio nome da autora, Socorro, e o bullying que ela sofria por ser um pedido de ajuda. Mas há ainda homens que inventam palavras, meninos caçadores de palíndromos e toda uma festa ao redor da fala e da escrita.
5 – Giraflor e Outros Jequitinhonhas
Logo de cara, “Giraflor e Outros Jequitinhonhas” tira o leitor do eixo e inverte o que costumamos ver nos livros. A página de rosto afirma que a obra é do artista visual Gildásio Jardim, cujas pinturas são ilustradas por textos de Heloisa Pires Lima. As telas do pintor foram o ponto de partida para que a autora escrevesse dez contos inspirados em cada uma. As cores e as estampas bem brasileiras criadas por Jardim se transformam numa prosa delicada, costurada com os fios da poesia e da cultura popular. “A mulher que todo dia arruma o mundo é invisível. Ninguém vê, mas ela está lá”, escreve Pires Lima num dos textos. É assim também com a relação entre palavra e imagem. Muitas vezes, o leitor ignora essa conexão. Só que ela está lá. Invisível. Mas sempre está lá.
6 – Alguma Coisa, Algum Dia
Quando Amanda Gorman declamou sua poesia durante a posse de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, em 2021, a escritora americana se tornou a mais jovem a participar de uma cerimônia presidencial no país. Ela tinha 22 anos na época. Agora, quatro anos mais tarde, quando Donald Trump está prestes a voltar à Casa Branca, a editora Intrínseca publica por aqui o infantil “Alguma Coisa, Algum Dia”. Nele, Gorman prossegue com seus versos de alta voltagem social, mas cheios de pedagogia e didatismo exagerados, nos quais abundam leituras sobre o momento político atual dos Estados Unidos e de outras partes do mundo. “Dizem para você/ Que tudo isso/ É muito, muito triste./ Mas você não fica apenas triste./ Você fica com medo./ E também sem rumo./ Você fica com raiva.”
7 – Haja Paciência
Este é daqueles livros para quem gosta de livros. O português Gonçalo Viana inventa um narrador que está consciente de seu lugar dentro de uma obra de ficção. Com óculos grandes e bigodes curvados à Salvador Dalí, ele conversa com o leitor a todo instante. Nesse papo, conta que já foi Pinóquio e Cinderela, sonhou em morar tranquilamente dentro de um dicionário, foi atormentado pela implicante moral da história e já teve até uma vizinha bruxa. Assim, brincando com os elementos que dão forma aos livros para crianças e adultos, o autor desenvolve uma narrativa engenhosa a partir de um personagem ao mesmo tempo ranzinza e simpático. Porque pode até parecer fácil, mas são muitos os desafios de morar dentro de um livro. É preciso ter uma paciência de Jó.
8 – Antes Disso
Num mundo que treme com guerras, desentendimentos e crises cada vez mais graves, o escritor e ilustrador Oliver Jeffers tenta ser otimista. Pode parecer ingênuo, mas esse é o projeto literário do autor, que nasceu na Austrália e cresceu na Irlanda do Norte durante os conflitos religiosos no país. Em “Antes Disso”, obra que acaba de chegar ao Brasil, Jeffers parte de duas perguntas que inquietam a humanidade desde sempre: de onde viemos e para onde vamos? O passado é fácil de responder. Fizemos o fogo, criamos ferramentas com nossas mãos e delimitamos as fronteiras com nossos passos. As coisas ficam um pouco mais complicadas quando pensamos no futuro. Como diz o livro, atualmente estamos correndo “atrás do mais fácil, do mais rápido, do mais novo, do mais barato”. Mas será que deveríamos mesmo fazer isso? Como é a linha de chegada se continuarmos assim?
9 – Verão
Para ler este livro, é bom escolher um lugar confortável, deixar a pressa dentro da gaveta e mergulhar com calma pelas páginas. A obra da sul-coreana Suzy Lee é uma das narrativas visuais mais instigantes lançadas nos últimos tempos. Nela, a escritora e ilustradora, que venceu o prêmio Hans Christian Andersen em 2022, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil, se inspira na música “As Quatro Estações”, um dos maiores clássicos de Antonio Vivaldi. Ao transformar o verão do compositor em desenhos e imagens, ela faz aparecer pelas páginas bexigas cheias de água, mangueiras, arco-íris, brincadeiras ao ar livre e pingos de chuva que se misturam com músicos e partituras. Mas é bom preparar o bolso. Com edição cuidadosa, que vem com pôster, capa dura e tipos de papel diferentes, o título tem o preço mais salgado desta lista de Natal: R$ 134,90.
10 – Os Planos Mirabolantes de Horrendo, o Monstro
Qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência. Nesta obra, Rosana Rios e Irena Freitas contam a história de um lugar onde todos os livros apresentam princesas bonitinhas e finais felizes. Ninguém quer saber de aventuras com monstros, muito menos com coisas horripilantes, nojentas e assustadoras. Irritado, o monstro Horrendo tenta mudar esse cenário e conta com a ajuda da amiga Mocrélia. Rios e Freitas recheiam as páginas com elementos dos contos de fadas, numa espécie de sátira desse gênero. Só que toda ficção tem muito de realidade. Atualmente, neste nosso mundo real, só cresce o movimento de pais, políticos e adultos que querem extinguir e censurar personagens assustadores e temas difíceis da literatura infantojuvenil. Na visão dessas pessoas, tudo precisa ser cor-de-rosa e fofinho. O jeito vai ser chamar o Horrendo para nos ajudar.