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17 filmes e séries para sentir tudo neste inverno
20/06/2025 / 15:20 / Matheus Melo
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Cena de ‘Paris Is Burning’ (1990), documentário dirigido por Jennie Livingston que eternizou a beleza, resistência e orgulho da cena ballroom queer nova-iorquina nos anos 1980 – Youtube/Reprodução

O inverno começa oficialmente nesta sexta-feira (20/6) no Hemisfério Sul, e a queda das temperaturas convida à pausa, ao recolhimento e por que não? à imersão em boas histórias. Filmes e séries que instigam, provocam, abraçam ou apenas entretêm podem ser tão acolhedores quanto um cobertor ou uma bebida quente.

Nesta reportagem, reuni 17 produções que me atravessaram, obras que assisti e recomendo pela força de seus enredos, pela qualidade estética ou pela forma como resistem ao tempo. São histórias para diferentes estados de espírito, disponíveis em diversos streamings, com espaço para o cinema brasileiro, o audiovisual queer, os clássicos e as ficções distópicas.

1. I May Destroy You

HBO| 2020 | Criadora: Michaela Coel | Produção: BBC One e HBO

Difícil, incômoda e profundamente necessária. I May Destroy You é uma série que não suaviza suas arestas e, por isso mesmo, se torna um dos retratos mais corajosos e complexos da cultura do consentimento e das zonas cinzentas do abuso sexual. Criada, roteirizada e protagonizada por Michaela Coel, a série acompanha Arabella, uma jovem escritora londrina que tenta reconstruir sua vida após uma noite de violência que ela não lembra por completo. Com estrutura não linear e linguagem inventiva, a série desafia fórmulas tradicionais da televisão. Coel entrega um trabalho visceral, que mistura trauma, humor ácido, crítica social e reconstrução subjetiva. É o tipo de produção que não apenas pede, mas exige atenção.

2. Mr. Robot

Amazon Prime | Apple TV / 2015–2019 | Criador: Sam Esmail | Produção: Universal Cable Productions, Anonymous Content, Esmail Corp

Para além do fetiche hacker, Mr. Robot é uma das mais ambiciosas séries da década passada. Protagonizada por Rami Malek no papel de Elliot, um engenheiro de cibersegurança com transtorno dissociativo de identidade, a série mergulha no caos do capitalismo de vigilância, das corporações e da saúde mental com uma estética fria e sufocante que combina com os dias cinzentos do inverno. A direção de Sam Esmail desafia a gramática televisiva: câmeras tortas, silêncios desconfortáveis e uma trilha sonora hipnótica contribuem para uma experiência sensorial. Não é uma série fácil e nem quer ser. Mas recompensa quem se entrega.

3. X-Men ’97

Disney+ | 2024 | Criadores: Beau DeMayo e equipe Marvel Animation | Produção: Marvel Studios

Muito mais do que uma simples continuação animada da clássica série dos anos 1990, X-Men ’97 surpreende ao unir o saudosismo de uma geração com temas absolutamente contemporâneos. Com episódios enxutos e ritmo intenso, a série aborda xenofobia, opressão, luto e resistência, mantendo a essência política dos mutantes como metáfora para minorias perseguidas. A animação respeita o traço original, mas com fluidez atualizada. O roteiro é maduro, sem subestimar o espectador. Em tempos de reboots descartáveis, X-Men ’97 é um raro caso de reinvenção genuína e potente.

4. Sex Education

Netflix | 2019–2023 | Criadora: Laurie Nunn

Em tempos de desinformação e conservadorismo crescente, Sex Education se impôs como um antídoto necessário. A série britânica acompanha adolescentes e adultos de uma escola fictícia onde o sexo é tratado com abertura, cuidado e senso de humor. Mais do que comédia teen, a produção toca em temas densos como aborto, identidade de gênero, assédio, repressão religiosa e saúde mental. O que a diferencia é a forma como trata esses assuntos com naturalidade e profundidade, sem perder o timing cômico. O elenco é afiado, os diálogos são sensíveis e a ambientação levemente atemporal contribui para um efeito acolhedor e reflexivo. É o tipo de série que faz rir, pensar e, muitas vezes, chorar discretamente sob a coberta.

5. The Handmaid’s Tale

Disponível em Paramount+ e Hulu| 2017–2025 | Criador: Bruce Miller | Direção principal: Reed Morano e Elisabeth Moss| Hulu

Baseada na obra de Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale estreou em 2017 como um alerta e, com o passar das temporadas, tornou-se quase um espelho distorcido de realidades possíveis. Ambientada em Gilead, um regime teocrático e totalitário que subjuga mulheres férteis à servidão sexual, a série combina fotografia fria e narrativa sufocante. Elisabeth Moss entrega uma performance memorável no papel de June, uma mulher que se transforma em símbolo de resistência. A série exige do espectador, tanto emocionalmente quanto politicamente — é incômoda, densa e absolutamente necessária. Em tempos de retrocessos, não poderia haver distopia mais pertinente.

6. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Disponível para assistir no Prime Video | 2022 | Direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert (The Daniels)

Além de Ainda Estou Aqui“, talvez este seja o filme mais delirante e inesperadamente sensível que vi recentemente. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo fez história ao levar sete Oscars, incluindo Melhor Filme, Direção e Atriz. A trama acompanha Evelyn Wang (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa nos Estados Unidos que, entre boletos e uma lavanderia em crise, descobre-se conectada a múltiplas versões de si mesma em outros universos. Mas a verdadeira revolução do filme está no afeto: entre cenas caóticas de luta e bagels filosóficos, o longa reflete sobre maternidade, depressão, identidade e pertencimento. É cinema de gênero com alma e coração.

7. V de Vingança

Presente no Prime Video | 2006 | Direção: James McTeigue | Roteiro: Irmãs Wachowski

Inspirado na HQ de Alan Moore e David Lloyd, V de Vingança é um marco do cinema político do século XXI. Lançado em 2005, mas cada vez mais atual, o longa retrata uma Londres dominada por um regime fascista onde o misterioso “V”, interpretado por Hugo Weaving, planeja uma revolução. Natalie Portman vive Evey, jovem que redescobre seu papel no mundo ao lado do protagonista mascarado. Com roteiro das irmãs Wachowski e estética expressionista, o filme não tem pudor de ser panfletário, e é justamente aí que está sua força. Um manifesto contra o autoritarismo, embalado por diálogos memoráveis.

8. Aquarius

Disponível na Netflix | 2016 | Direção: Kleber Mendonça Filho

Em Aquarius, Sônia Braga encarna Clara, uma jornalista aposentada e sobrevivente do câncer que resiste à pressão de uma construtora para deixar seu apartamento no Recife. O que poderia ser uma fábula urbana sobre especulação imobiliária revela-se uma poderosa alegoria sobre memória, identidade e a violência do progresso. Com direção sensível e ritmo contemplativo, o longa foi aclamado internacionalmente e levou Kleber Mendonça Filho ao radar do cinema mundial. É um filme que caminha entre o pessoal e o político e que parece mais necessário a cada novo ataque à cultura e à moradia digna no Brasil.

9. Bacurau

Presente no Globoplay | 2019 | Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Com elementos de western, ficção científica e terror, Bacurau é uma obra singular. Ambientado em um povoado fictício do sertão pernambucano, o filme se desdobra a partir do desaparecimento da comunidade do mapa. A partir daí, o espectador é lançado em uma trama de resistência, violência simbólica e vingança. A atuação coletiva e a fotografia grandiosa potencializam o caráter épico da história. Ao denunciar o colonialismo contemporâneo e afirmar a força do povo nordestino, Bacurau se posiciona como um dos grandes filmes brasileiros do século XXI, brutal, poético e politicamente afiado.

10. Não! Não Olhe! (Nope)

Onde assistir: Prime Video | 2022 | Direção: Jordan Peele

Jordan Peele, que já havia reinventado o horror racial em Corra! e Nós, entrega aqui uma ficção científica inquietante sobre o espetáculo, o trauma e a forma como a sociedade consome imagens de violência. Em Não! Não Olhe!, dois irmãos herdeiros de um rancho de cavalos de Hollywood percebem que há algo estranho no céu. O que começa como suspense se transforma em metáfora complexa sobre mídia, raça e exploração. Com direção ousada e fotografia deslumbrante de Hoyte van Hoytema (Interestelar), o filme provoca mais do que responde, como toda boa obra de gênero deve fazer.

11. Tatuagem

Disponível na Netflix e Prime Video | 2013 | Direção: Hilton Lacerda | Produção: REC Produtores Associados

Ambientado no Recife de 1978, durante os anos de chumbo da ditadura militar, Tatuagem é um filme sobre amor, arte, desejo e rebeldia. Dirigido por Hilton Lacerda, a trama acompanha Clécio, líder de uma trupe performática anárquica chamada Chão de Estrelas, e sua relação com Fininha, um jovem soldado do Exército. Mais do que um romance queer, o longa é uma ode à liberdade artística e sexual em tempos de repressão. A estética quente e pulsante dialoga com a poesia marginal, e o elenco — especialmente Irandhir Santos — entrega atuações memoráveis. Uma obra brasileira essencial, que fala de coragem e subversão com beleza e potência.

12. Scream (Pânico)

Dá pra assistir no Paramount+ | 1996 | Direção: Wes Craven

O filme que redefiniu o gênero slasher nos anos 1990 segue irresistível até hoje. Com direção afiada de Wes Craven e roteiro metalinguístico de Kevin Williamson, Scream ironiza e homenageia os clichês do terror adolescente enquanto entrega sustos genuínos. A protagonista Sidney Prescott (Neve Campbell) tornou-se ícone cultural, e Ghostface — com sua máscara inspirada no quadro “O Grito“, de Munch — virou um símbolo pop. Ao equilibrar tensão e humor, Scream criou um novo padrão para o horror e inaugurou uma franquia que continua viva. Revisitar esse clássico no frio é quase um ritual cinematográfico.

13. Lost in Translation

Assistir no Prime Video | 2003 | Direção: Sofia Coppola

Poucos filmes capturam tão bem a solidão compartilhada quanto Lost in Translation. Na Tóquio ultramoderna e estranha, dois americanos — um ator em crise (Bill Murray) e uma jovem entediada (Scarlett Johansson) — se encontram no vazio de suas vidas. O que surge é uma conexão silenciosa, feita de olhares, gestos e cumplicidade. Dirigido com extrema sensibilidade por Sofia Coppola, o filme constrói uma narrativa de afetos suspensos, onde a ausência diz mais do que a presença. Uma experiência melancólica, contemplativa e lindamente humana, ideal para tardes cinzentas e silenciosas.

14. The Boys in the Band

Netflix | 2020 | Direção: Joe Mantello | Produção: Ryan Murphy

Adaptado da peça homônima de Mart Crowley, originalmente encenada em 1968, The Boys in the Band ganha nova roupagem com um elenco inteiramente LGBTQIA+, reunindo nomes como Jim Parsons (The Big Bang Theory), Matt Bomer (Companheiros de Viagem) e Zachary Quinto (American Horror Story). Ambientado em um apartamento nova-iorquino, o filme retrata uma festa entre amigos que se transforma em um jogo cruel de revelações. O roteiro expõe tensões internas, auto-ódio, racismo e homofobia internalizada com uma franqueza desconcertante. A direção respeita a teatralidade da obra original, mas a traz à tona com densidade emocional e frescor. Um retrato da história queer e dos traumas que atravessam gerações.

15. Pose

Disponível em Disney+ e Hulu | 2018–2021 | Criador: Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals

Pose é um dos maiores feitos da televisão recente. Ao retratar a cena ballroom nova-iorquina dos anos 1980 e 1990, a série mistura drama, política, estética e afeto com uma delicadeza rara. A narrativa acompanha pessoas trans e gays latinos e negros que enfrentam a pobreza, o preconceito e a epidemia de HIV, mas que também brilham com autenticidade e orgulho. O elenco majoritariamente trans — com destaque para MJ Rodriguez, Indya Moore e Billy Porter — é um marco de representatividade. Com figurinos deslumbrantes, trilha impecável e roteiros sensíveis, Pose não apenas emociona, mas reescreve o lugar das pessoas LGBTQIA+ na TV.

16. Paris is Burning

Documentário | 1990 | Direção: Jennie Livingston

Muito antes de RuPaul’s Drag Race, Pose ou TikTok, havia Paris is Burning. O documentário de Jennie Livingston registrou com intimidade e respeito a cena ballroom de Nova York no final dos anos 1980 — um universo formado por drag queens, performers e jovens LGBTQIA+ negros e latinos que criaram sua própria cultura e sistema de pertencimento. As “casas”, as “balls”, os “vogues” e os “looks” são não apenas resistência, mas expressão de identidade em um mundo hostil. O filme é histórico, tocante e absolutamente essencial. Uma aula sobre estética, sobrevivência e orgulho, que ainda ecoa, décadas depois.

17. Ainda Estou Aqui

Globoplay | 2024 | Direção: Walter Salles

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025 e indicado em outras duas categorias importantes — incluindo Melhor Atriz para Fernanda Torres e Melhor Filme — Ainda Estou Aqui não é apenas um filme: é uma obra que atravessa gerações e resgata, com rara sensibilidade, as cicatrizes da ditadura militar brasileira.

Sob a direção firme e poética de Walter Salles, o longa transforma a história real da família Paiva — marcada pela coragem e pela dor da repressão política — em um retrato universal da luta pela dignidade em tempos sombrios.

Fernanda Torres oferece uma interpretação contida e explosiva, em que a força maternal se mistura à vulnerabilidade e à angústia de quem precisa proteger a esperança mesmo quando tudo parece ruir.

A narrativa evita o maniqueísmo e o melodrama fácil, preferindo construir uma atmosfera que respira a tensão silenciosa do medo cotidiano. As escolhas visuais, com uma fotografia austera, que privilegia tons sóbrios e composições que remetem ao claustrofóbico ambiente político da época, imergem o espectador em um Brasil que ainda ecoa em nossas lembranças coletivas.

Mais do que revisitar fatos históricos, Ainda Estou Aqui traz à tona as emoções mais profundas de uma família e, por extensão, de um país inteiro que precisou calar para sobreviver. É um filme que dialoga com as novas gerações, ensinando que memória é também resistência, e que o cinema pode ser instrumento de cura e afirmação.

A produção reúne talento e sensibilidade em cada cena, em cada silêncio, oferecendo uma experiência que emociona e provoca reflexão. Em tempos em que as ameaças à democracia ressoam globalmente, o filme se mostra mais atual do que nunca, uma obra essencial para entender o passado e inspirar o futuro.