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Adoção tardia: quando o amor não tem idade
03/06/2025 / 15:08
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Roberta Burity é um exemplo de adoção tardia

Quando se fala em adoção é comum que muitas pessoas imaginem bebês e crianças pequenas encontrando novos lares e famílias. Mas, nas casas de acolhimento e abrigos espalhados pelo país, há milhares de crianças e adolescentes que também sonham com uma chance de pertencer a uma família, de ter um colo, um lar e um sobrenome, mas não são adotadas por causa da idade. A chamada adoção tardia, embora repleta de desafios, é uma escolha, sobretudo, movida pelo amor e pela coragem de quebrar preconceitos, paradigmas e construir histórias A adoção tardia se refere à adoção de crianças e adolescentes com mais de três anos de idade.

Roberta Burity, que hoje tem 20 anos, mora em João Pessoa e cursa o 7º período do Curso de Direito, é um exemplo de que a adoção tardia é uma das portas de entrada para a construção de uma família baseada no amor, cumplicidade, educação e respeito. Roberta foi adotada quando tinha entre oito e nove anos de idade. Na época, ela vivia em uma casa de acolhimento e foi convidada para participar de uma ação social em uma grande casa de festa, promovida pela 1ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, em parceria com Ministério Público, e realizada para homenagear a ‘Semana Estadual da Adoção Tardia’.

“Minha mãe estava servindo nessa festa e tive a oportunidade de conhecê-la. Desde aquele primeiro encontro, eu já sentia que Deus havia preparado aquele momento. Meus olhos brilhavam e passei a festa inteira ao lado dela”, lembra Roberta, com emoção. Ela continua: “Fiz todos os tipos de perguntas que você possa imaginar. Sempre fui muito comunicativa e curiosa. Perguntei se ela já tinha filhos, se tinha cachorros… e por aí vai. No final, a convidei para conhecer a casa de acolhimento onde eu vivia. E assim começou a nossa história”, relatou.

Roberta disse que tinha receio do que estava por vir. “Tinha medo de não ser escolhida, de não me adaptar. Mas, aquele encontro mudou tudo. A partir dali, eu soube que o amor não depende do sangue, mas de conexão, cuidado e presença”, comentou a estudante, que estuda para concurso na área jurídica.

“Passei por muitas coisas na minha infância. Presenciei e vivi situações difíceis, que me tornaram mais forte. Nunca baixei a cabeça para as adversidades da vida. Já passei por muitas necessidades e precisei ter, desde muito nova, a postura de uma mãe, pois cuidava dos meus irmãos biológicos”, relembra Roberta Burity.

Ela disse que sente muito orgulho de sua família e tem em sua mãe a maior referência, assim como seu pai e seus irmãos. “A adoção tardia não apaga o que a gente viveu antes, mas permite começar um novo capítulo cheio de amor, aprendizado e recomeço. Se eu pudesse dizer algo para quem pensa em adotar uma criança mais velha, eu diria: nós também sonhamos com uma família, e às vezes tudo o que falta é alguém disposto a nos enxergar de verdade”, destacou.

Roberta disse que tinha receio do que estava por vir

Falta de conscientização e preconceito 

A modalidade de adoção tardia visa garantir o direito à convivência familiar e à formação de laços afetivos, que são cruciais para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes que passaram por experiências de abandono e institucionalização. Para os profissionais que trabalham diretamente na área, o preconceito e a desinformação sobre a adoção tardia são os principais obstáculos que precisam ser superados para que mais crianças e adolescentes possam ser adotados e adotadas, inclusive por mães ou pais solo. 

A adoção tardia é uma oportunidade de inclusão social para crianças e adolescentes que passaram por experiências de abandono e institucionalização, oferecendo-lhes um caminho de novas oportunidades, dignidade e pertencimento.

Segundo o juiz titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, Adhailton Lacet Correia Porto, a adoção tardia enfrenta desafios como a dificuldade de adaptação das crianças e adolescentes, a resistência de algumas famílias e a falta de conscientização sobre a sua importância. “A adoção tardia é fundamental para garantir o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes que não conseguem ser adotados em idade mais precoce. Ela pode trazer benefícios tanto para as crianças e adolescentes adotados quanto para as famílias adotantes, como a possibilidade de construir uma vida mais plena e feliz”, comentou o magistrado.

Juiz Adhailton Lacet diz que a adoção tardia enfrenta desafios

Desconstruindo preconceitos 

A psicóloga do Tribunal de Justiça da Paraíba e chefe da Seção de Adoção do Fórum da Infância e Juventude de João Pessoa, Miúcha Lins Cabral, disse que o Poder Judiciário estadual sempre busca sensibilizar a população para a adoção tardia, por meio de campanhas, seminários, palestras e encontros envolvendo a comunidade e outras instituições. São eventos relevantes para as crianças e adolescentes que esperam por uma família e para a sociedade como um todo.

Uma das ações consolidadas do Tribunal de Justiça da Paraíba e voltadas a essa modalidade de adoção é a ‘Semana Estadual da Adoção’ (Lei nº 13.222/2024), que acontece sempre no mês de maio. O período que envolve a Semana objetiva incentivar a adoção de crianças e adolescentes que estão acima da faixa etária considerada pelos candidatos à adoção.

Miúcha Lins disse que os eventos incluem palestras em universidades, participação em seminários, entrevistas nos meios de comunicação, além de um concurso de redação e uma festa temática para as crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. “Procuramos desconstruir preconceitos e estigmas em relação à adoção, sobretudo, quanto às adoções necessárias, que abarcam os grupos de irmãos, crianças maiores, adolescentes e crianças e adolescentes com deficiências e/ou com outras situações específicas de saúde, que destoam do perfil almejado pela maioria dos pretendentes”, detalhou.

Números

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que este ano ocorreram 1.347 adoções. Apenas 161 adoções a partir dos 10 anos, isso representa 12% do total. Atualmente, 16 acolhidos, entre crianças e adolescentes, estão morando com famílias acolhedoras, em João Pessoa. O número de crianças e adolescentes em espera por adoção tardia no Brasil é substancial, com dados recentes indicando que mais de 5.000 crianças e adolescentes estão aptos à adoção, a maioria com mais de oito anos de idade.