A advogada Larissa Gatto, que atua no Rio, tem um bom motivo para ter se especializado em crimes financeiros que envolvem criptoativos. Dito de outra forma, em casos de “criptocalotes”. Na verdade, ela tem 800 mil bons motivos. Isso porque, antes de atuar nesse ramo, ela perdeu mais de R$ 800 mil ao investir em uma empresa desse tipo.
Agora, Larissa tem dedicado especial atenção ao caso Braiscompany, de Campina Grande, na Paraíba. A empresa “alugava” bitcoins dos clientes. Essas criptomoedas ficavam custodiadas numa carteira gerida pela companhia. Em troca, ela oferecia rendimentos de 6% a 10% ao mês.
Clientes afirmam que, desde dezembro, os depósitos estão atrasados. O problema pode atingir 12 mil investidores de todos os portes e um montante de R$ 600 milhões. Na semana passada, três endereços da companhia (na Paraíba e em São Paulo) foram alvo de uma operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal (PF).
Por que motivo as pessoas investem nesses negócios? É o que Larissa explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.
Quantos clientes de quantas empresas ligadas a criptoativos a senhora atende atualmente?
São cerca de 2 mil pessoas, às voltas com cinco empresas. A maior parte delas, em pirâmides financeiras.
O que são pirâmides financeiras?
Em tese, essas empresas oferecem a seus clientes altos rendimentos, como resultado de operações de investimentos com criptoativos. Mas não tem operação nenhuma de investimento. O dinheiro é obtido com um fluxo de adesão muito grande de novas pessoas ao negócio. São esses entrantes que bancam os ganhos dos clientes antigos. Por isso, elas precisam atrair continuamente um número grande de participantes. A base tem de ser muito ampla, como numa pirâmide.
E como esses negócios desabam?
Muitas vezes isso acontece depois que a polícia descobre alguma coisa e intervém. Foi isso o que ocorreu no caso da GAS Consultoria, que teve muita repercussão.
O que aconteceu?
Em abril de 2021, a Polícia Federal apreendeu cerca de R$ 7 milhões num helicóptero, em Búzios. O dinheiro era da GAS e, a partir daí, tudo começou a ruir, até que a empresa teve os bens bloqueados pela Justiça. (Hoje, pelo menos 120 mil pessoas que aplicaram cerca de R$ 9 bilhões na GAS consultoria, de Glaidson Acácio Dos Santos, o “Faraó dos Bitcoins”, tentam recuperar o dinheiro na Justiça.)
Por que as pessoas investem nesse tipo de empresa?
Sempre tem uma razão que parece muito convincente. Sempre tem um conhecido, uma pessoa próxima. Ela dá um testemunho, diz que está recebendo em dia e o rendimento é muito alto. Aí, você vai lá, coloca um pouco de dinheiro, vê que está dando certo. Depois disso, sente confiança e acaba investindo mais e mais.
Qual foi o seu motivo para investir?
Eu ficava muito desconfiada. Sabia que o rendimento, de 10%, era alto demais. Mas pessoas da minha família tinham investido. Esperei bastante tempo, perto de um ano, e elas continuavam recebendo. Daí, resolvi entrar. E recebia tudo sempre em dia. Isso por mais de três anos. Quando a data do pagamento caía num fim de semana, eles até pagavam na sexta. O fato é que você acaba acreditando.
A senhora cuida de casos de pessoas que investiram quantias vultosas?
Sim, de vários. Das pessoas que investiram na GAS, cuido de um caso de uma pessoa que vendeu uma casa por R$ 2 milhões e colocou tudo na empresa. Por um tempo, recebia R$ 200 mil por mês. Quando o negócio parou, ela não tinha onde morar. Tem gente que fazia empréstimos para aplicar nesse tipo de companhia. E valia a pena. O rendimento era maior do que os juros dos bancos.
Qual o caso mais excepcional?
Tenho uma cliente que, sozinha, investiu R$ 22 milhões na GAS. Ela mora nos Estados Unidos e hoje não tem dinheiro para voltar ao Brasil.
Existem outras pessoas que moram em outros países e investiram nessas empresas?
No caso da GAS, tenho clientes nos Estados Unidos, Canadá, Argentina e Portugal. Na Braiscompany, estou conversando com uma pessoa que mora na Alemanha e investiu mais de R$ 1,6 milhão na companhia.
Há investidores com outros perfis?
Existem de todos os perfis. Gente que vende carro ou coloca as todas as economias nessas empresas.
No fundo, não se ouve uma vozinha dizendo que isso pode acabar, que é bom demais para ser verdade?
Sim, a gente ouve. Batia um medo. Mas os rendimentos, enquanto vão bem, você esquece o resto. E tem um pouco de ganância também. É um dinheiro fácil, uma renda passiva, não precisa trabalhar. Depois que perdi meu investimento e comecei a estudar esse assunto, claro que não recomendo a ninguém colocar recursos nesse tipo de negócio. E quem aplica deve ficar atento a sinais de que a empresa pode estar com problemas.
Quais sinais?
Em geral, quando a empresa está com algum problema financeiro, muda a regra do jogo. No início, para entrar na GAS, por exemplo, o valor inicial era de R$ 10 mil. Depois, ela baixou para R$ 5 mil. Isso era um indício de que estava precisando captar dinheiro. Queria que mais pessoas tivessem condições de aderir.
A senhora tem muitos clientes da Braiscompany?
São mais de 40. Hoje, passo praticamente das 9 às 18 horas em reuniões com clientes da empresa. Eles têm muitas dúvidas, a coisa é muito nova. Não se pode afirmar que a Braiscompany é um caso de pirâmide financeira. Ainda está tudo muito no início. A operação da Polícia Federal aconteceu há pouco tempo. Mas muitas pessoas não estão mais recebendo o rendimento prometido. Agora, temos de aguardar para ver o que vai acontecer com as investigações. Mas já é possível entrar com ações para tentar recuperar o dinheiro investido.
*Por Carlos Rydlewski, em Metrópoles