O advogado especialista em blockchain, Artêmio Picanço acompanha clientes da Braiscompany há cerca de três anos. Ele atuou no conhecido caso do ‘Faraó dos Bitcoins’ e detém hoje uma das maiores cartelas de clientes do país em processos que envolvem golpes financeiros dessa natureza. Apesar do “epicentro do problema” ter se dado na Paraíba, explica, os casos que atende ligados à Braiscompany envolvem pessoas de norte a sul do Brasil, além de países como Portugal e Suíça. A alta demanda tem levado o especialista a atender praticamente de meia em meia hora, das 8h da manhã às 18h, com algumas poucas pausas. Um volume financeiro de R$ 20 milhões, considerando a Braiscompany e outros casos semelhantes.
Artêmio acha que ainda não é o momento para bater o martelo e afirmar que a corretora paraibana de ativos digitais atuava como pirâmide, mas “isso é um caso indiscutível de crime contra o sistema financeiro”, diz em entrevista ao F5 Online.
Para o advogado, a ostensiva “publicidade enganosa” feita pela Braiscompany e a própria figura do sócio fundador, Antônio Inácio da Silva Neto “pegava a alma das pessoas”.
A “aparência de legalidade” do negócio, o ar de glamour e sofisticação trazido por Antônio Neto e a aparente organização da empresa também são citados como diferenciais em comparação à outros casos, além da estrutura física da companhia, com sedes em Campina Grande, João Pessoa e São Paulo. Outro peculiaridade é o dress code mantido pelos brokers da empresa, que atuavam como espécies de consultores.
“Relacionamento com pessoas de credibilidade, a forma como ele falava, ele utiliza muito gatilhos mentais, armas da persuasão, engatilhar as pessoas com autoridade, quando ele consegue estar no Congresso falando da regulação [do mercado cripto]… também usava muito a figura de outras celebridades“, comenta Artêmio Picanço sobre como a empresa conseguia atrair cada vez mais investidores.
Havia uma “simbiose perfeita” entre o casal Antônio Neto Ais e Fabrícia Ais, idealizadores da Braiscompany, afirma Picanço: “Eles sabiam de tudo e não tinham muita vergonha de mentir não”.
“Todo um teatro pros clientes, ele é muito bom nisso […] o Antônio Neto mentia que era perceptível pra quem é técnico e pra quem averiguasse mais a fundo”, acrescenta o advogado especialista no combate a golpes financeiros.
Segundo investigações da Polícia Federal, cerca de R$ 1,5 bilhão em criptoativos foram movimentados nos últimos 4 anos, em contas vinculadas ao casal de suspeitos. Neto Ais e Fabrícia são considerados foragidos da Justiça e tiveram os seus pedidos de prisões temporárias convertidas em preventivas. Eles são investigados pelo suposto esquema de pirâmide, crimes contra o sistema financeiro e contra o mercado de capitais.
“Eles sabiam que tava próximo de algo acontecer, tenho certeza, é bem comum toda vez que tá próximo da queda de um golpe, existe um momento de inflexão e alteração numa regra do jogo, no caso dele você pode ver que os contratos antes tinha limite mínimo de valor a ser colocado e ele reduziu isso drasticamente”, pontua Artêmio.
Ele também conta que a Braiscompany não recebia só valores em dinheiro como investimentos. “Falavam que entravam nas contas dinheiro só de cripto, mentira, recebiam dinheiro de todo tipo, se você quisesse dar um bode pra eles eles aceitavam e trocavam por contrato […] recebia de tudo que você quisesse, relatos comprovados de clientes que depositaram dinheiro na conta dele, transferências, cliente que entregou carro, entregou lote, casa”.
Artêmio acrescenta que, com mais de 10 CNPJs, o casal de sócios passou a receber dinheiro tanto em conta de pessoa física quanto jurídica. “O dinheiro não desaparece, ele muda de mão, ele tá sendo pulverizado em outros CNPJs ou na aquisição de bens tangíveis, imóveis, em nome de outra coisa”, afirma Picanço, que revela ainda que Fabrícia Ais recebeu pagamentos do Bolsa Família no ano de 2019, já com a empresa em funcionamento.
Se promovendo como a maior empresa de tecnologia blockchain da América Latina, a Braiscompany atraía milhares de investidores com a promessa de uma rentabilidade mensal de até 8% com aplicações em criptoativos.
Na avaliação do advogado Artêmio Picanço, empresas de rentabilidade que prometem retornos de forma positiva o tempo inteiro, e de forma considerada alta como é o caso da Braiscompany, na maioria da vezes incorrem em oferta irregular e crimes contra o sistema financeiro.
“A gente falar hoje de alguma empresa que tá fazendo rentabilidade em um mercado como esse de forma positiva o tempo todo, e não importa se é fixo, variável, mas muito alta, isso é impossível porque a empresa tem tributos a serem recolhidos, tem despesa com colaboradores, funcionários que precisam ser pagos. Rentabilidade de 5% pra frente não é muito crível, no início pode ate ter, mas quando começa a ter muito volume financeiro de pessoas, capital, tecnicamente é impossível ser feito do jeito que eles falam”, explica o especialista.
Artêmio Picanço destaca o caso específico de um cliente com uma situação delicada de saúde na família e que realizou contrato com a Braiscompany, em dezembro, para tentar custear um tratamento clínico. A família perdeu o capital e está tendo que entrar com ação judicial.
Segundo o advogado, o caminho a ser percorrido pelas vítimas da empresa é acionar o judiciário.
Ele prevê que os próximos meses devem trazer novas fases da operação, novos pedidos de prisão emitidos, apreensões e ordens de despejo de prédios comerciais. “Provavelmente daqui a pouco não vai ter mais empresa”, afirma. O advogado também acredita que alguns colaboradores devem ingressar com ações judiciais, assim como os clientes afetados. Trata-se de um caso que ainda deve render por anos, avalia. “A gente vai ter essa demanda por vários anos, está longe disso se resolver e vamos descobrir mais coisa, outra pessoas envolvidas, vamos dar tempo ao tempo”.
O especialista orienta como se prevenir de problemas envolvendo investimentos no mercado cripto: “Busque educação financeira, desconfie, verifique sempre antes de aplicar seu dinheiro, procure o histórico da pessoas, verifique o que estão ofertando, simule, coloque numa calculadora de juros para ver se a longo prazo isso é sustentável, procure ajuda de especialistas no mercado”, explica.