Na Paraíba, cerca de 11.264 mil famílias ocupam, de forma irregular, espaços públicos e privados e estão com risco de despejo. Os dados são de dezembro de 2022, levantados pela organização Habitat/ ONU. Desse total, 7.764 famílias estão localizadas em João Pessoa. São pessoas que buscam moradias e encontram brechas onde possam instalar seu referencial de vida. O problema vai além do social, mas sobretudo de saúde pública, econômico e ambiental. Esse último soma um dano irreparável, em algumas áreas invadidas chega a ser irreversível os prejuízos causados ao solo, flora, rios e com impacto severo nas condições do esgotamento sanitário através de ligações clandestinas, que ocasionam uma série de problemas à saúde e às despesas do orçamento público, consequentemente rateio do prejuízo para toda a sociedade.
As ocupações irregulares, ou invasões em propriedade pública ou privada trazem uma outra consequência grave à sociedade que é a formação de favelas. Para o IBGE, em 1980, havia apenas três áreas consideradas favelas em João Pessoa. Naquele ano eram a Saturnino de Brito, Beira Rio e a Vila Japonesa, atualmente no bairro dos Ipês. No período de 20 anos (em 2007), o número saltou para 96 áreas consideradas suburbanas, ou seja, ocupações que crescem de forma desordenadas, sem qualquer serviço público e oriundas de áreas pertencentes a prefeitura, estado ou de propriedade privada. Atualmente, existem 111 áreas consideradas favelas, na capital.
“A urbanização deficiente dos aglomerados subnormais, aliada a falta de conscientização ambiental da população e de educação sanitária e higiene, são responsáveis pela ocorrência de pelo menos dois grupos principais de riscos. O primeiro epidemiológico e sanitário, decorrentes das condições do habitat, da insuficiência de atendimento por parte da saúde pública e da precariedade da infraestrutura de serviços básicos. E, depois os riscos ambientais “naturais” induzidos pela ação humana”, defende a geocientista Maria Auxiliadora Clemente, em sua dissertação de mestrado em Gestão e Políticas Ambientais da Universidade Federal de Pernambuco.
Para o IBGE, a primeira característica para nomear um local de favela é o número mínimo de moradias agrupadas. A partir de 50 agrupamentos de moradia, é considerada uma favela, somando a esse agrupamento a ausência mínima de organização social, a exemplo de falta de esgoto, energia elétrica, água encanada, saneamento básico, etc. As formações desses tipos de aglomerados trazem como consequências graves ao crescimento das cidades, ocasionando prejuízos financeiros aos setores produtivos urbanos.
Apesar do avanço do número de invasões e que ocasionam a formação de favelas, João Pessoa ainda é a cidade com baixo número de ocupações por domicílios em áreas consideradas de favelas. Em 2020, o IBGE constatou que a capital da Paraíba é a cidade com a menor taxa de ocupação por domicílios em áreas de favelas, entre as capitais da região Nordeste, segundo a Classificação Preliminar e Informações de Saúde. De acordo com o levantamento do IBGE, a maior favela da Paraíba é formada pelas áreas de Mandacaru, Porto de João Total e Beira Molhada, com cerca de 2,6 mil domicílios.
A favela ‘Beira Molhada‘, popularmente conhecida como “Três Lagoas”, está localizada entre o Açude das Três Lagoas e as rodovias BR-101 e BR-230, no bairro Jardim Veneza, em João Pessoa. A região é uma das mais contemplativas da cidade, no entanto, pouco acessível e usada pela população, pois, ao seu entorno formou-se aglomerados oriundos de invasões e, consequentemente, área se tornou um local de uso de drogas, tráfico e inseguro.
“O Açude das Três Lagoas se caracteriza como um conjunto de grande potencial urbanístico e ambiental na escala da cidade, contudo, como o acesso a este se dá predominantemente através das vias da favela, os residentes da parcela formal urbana fazem pouco uso deste bem, representando uma perda para a cidade”, destacou Yasmin Ramos Peregrino, arquiteta e urbanista, pesquisadora da UFPB.
Um outro exemplo de exploração inadequada de áreas urbanas é a comunidade do Timbó, nos Bancários, região sul da capital. Em pesquisa de campo realizada na área, cujo resultado foi publicado em sua dissertação de mestrado em Gestão e Políticas Ambientas na UFPE, Maria Auxiliadora Dantas, constatou que 22,2% das residências erguidas de forma irregular no Timbó não possuíam banheiro.
“O que é bastante grave uma vez que os dejetos humanos e provenientes dos usos domésticos são lançados diretamente em valas escavadas no meio dos becos e ruas não pavimentadas que os conduzem para áreas encharcadas do Rio Timbó ou para os terrenos baldios próximos a este”, revelou.
As consequências dessa anormalidade urbana é a contaminação do solo e da água.
“A Organização Mundial da Saúde atesta que a água tem uma influência direta sobre a qualidade de vida e o desenvolvimento humano. A qualidade da água, em particular a qualidade microbiológica, exerce uma grande influência sobre a saúde e se ela não for adequada pode ocasionar surtos de doenças e epidemias”, conclui.
“Privatização” de áreas públicas é crime
O problema das invasões é secular, no entanto, quem comete esse tipo de ato está sujeito a severa punição conforme Lei Federal nº 4.947, no art. 20, que estabelece que invadir terras da União, dos Estados e dos Municípios, com intenção de ocupação, é crime e está sujeito a detenção de 6 meses a 3 anos.
Um outro tipo de ocupação recorrente e que também está passível de punição é ocupação das calçadas em João Pessoa, que é relevante ressaltar que se trata de um problema social com consequências a ordem pública.
Há anos o poder público busca resolver a questão do trânsito livre nas calçadas, mas inúmeros famílias passam a usar o espaço para comercializar produtos, muitos tomam essas áreas como única fonte de renda para sustentar suas famílias, no entanto, a conduta é criminosa e pode render sérios prejuízos.
De acordo com o Estatuto do Pedestre (LEI Nº 11.101, DE 23 DE JULHO DE 2007), são assegurados aos pedestres os seguintes direitos: calçadas limpas, conservadas, com piso antiderrapante, em inclinação e largura adequada à circulação e mobilidade, livres e desimpedidas de quaisquer obstáculos, públicos ou particulares, fixos ou não, especialmente, de mesas, cadeiras, canteiros, jardineiras, prismas de concreto, automóveis, mobiliários urbanos e de concessionárias de serviços públicos, que deverão seguir o disposto nesta Lei;
Mas, o que se vê no centro de João Pessoa é exatamente o contrário do que impõe a Lei. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb), há aproximadamente 500 comerciantes que trabalham na informalidade na região do centro da cidade, ocupando espaços de forma irregular, sobretudo nas calçadas, impedindo o trânsito livre nos espaços e dificultando o acesso de pessoas nas lojas, empresas que mantem suas despesas e obrigações fiscais e se mantem de forma regular.
Em nota, através da assessoria de imprensa, a Sedurb esclarece que “são situações diversas, mas as principais são o uso do solo para comércio informal e a ocupação para construção de moradias. Nesse primeiro caso, a pasta realizou um levantamento minucioso, em diálogo com os comerciantes na área do Centro da cidade. A pasta tem trabalhado em soluções a curto, médio e longo prazo. Dentro desse cenário, além do ordenamento, a reforma do antigo prédio das Nações Unidas que, juntamente com outro espaço público, dará lugar a um novo shopping popular, deverá alocar esses comerciantes que hoje estão nas ruas para a área”.