Um número crescente de americanos tem dificuldades para pagar as parcelas mensais de seus carros, um sinal de que consumidores de baixa renda enfrentam uma pressão financeira cada vez maior.
A fatia de empréstimos automotivos de alto risco com atraso de 60 dias ou mais atingiu quase 6,5% em janeiro e tem se mantido nesse patamar, segundo a Fitch Ratings. Os recolhimentos de veículos aumentaram, mais motoristas estão trocando carros que valem menos do que o saldo devedor e credores como CarMax e Ally Financial alertaram investidores sobre o desempenho fraco desses empréstimos.
Apesar da inflação persistente e das tarifas punitivas, a economia dos Estados Unidos parece resiliente à primeira vista: a Bolsa segue em alta, executivos mantêm o otimismo e o consumo geral resiste.
Mas a fraqueza do mercado automotivo é um dos sinais mais claros de que famílias de baixa e média renda —a base da economia— começam a ceder. Como muitos americanos dependem do carro para se locomover, a inadimplência nos financiamentos costuma ser um termômetro da pressão financeira.
“É evidência de que alguns consumidores estão sob estresse?”, perguntou Jonathan Smoke, economista-chefe da consultoria Cox Automotive. “Eu diria que sim, sem dúvida.”
Jennifer Alba, 48, decidiu comprar seu primeiro carro após ficar presa por uma hora no VLT de Seattle em novembro de 2021. Encontrou um Subaru Outback 2018 bordô na internet, conseguiu um financiamento de seis anos com parcelas de US$ 565 pela Ally Financial e foi direto à concessionária.
Ganhando cerca de US$ 100 mil por ano e com uma pequena herança recém-recebida, deu entrada de US$ 1.500. “Não achei que estivesse fazendo nada financeiramente irresponsável”, diz.
Em fevereiro, perdeu o emprego temporário que tinha numa ONG. Já enviou centenas de currículos, sem sucesso. O seguro-desemprego acabou em agosto.
Sem renda ou poupança, parou de pagar o aluguel, o cartão de crédito, o empréstimo estudantil e, por fim, o carro —do qual ainda deve US$ 16 mil, mas que agora vale bem menos.
“Eu preferia ser financeiramente estável”, afirmou. “Mas essa não é a minha realidade.”
Mesmo quem tem crédito melhor começa a sentir o peso. Cerca de 2% de todos os financiamentos estavam muito atrasados no mês passado, ligeiramente acima de um ano atrás, segundo a Cox.
O Federal Reserve de Nova York também registrou aumento das taxas de inadimplência em todas as faixas de renda e pontuação de crédito.
“Preços mais altos e juros maiores elevaram as parcelas mensais e pressionaram consumidores de todas as classes”, escreveram pesquisadores do Fed. Quem comprou carros usados durante a pandemia, quando os preços dispararam, está sob pressão extra agora que esses veículos desvalorizaram.
O alerta se intensificou após os pedidos de falência da fabricante de autopeças First Brands e da financeira Tricolor Holdings, especializada em empréstimos a imigrantes sem status legal. Embora os casos envolvam suspeitas de fraude, analistas veem neles um prenúncio de estresse mais amplo.
“Foi um sinal de que algo vai quebrar”, disse Tracy Chen, gestora da Brandywine Global.
Durante a pandemia, o dinheiro de estímulos, os cheques de desemprego e a pausa nos débitos de dívidas estudantis impulsionaram as poupanças e melhoraram o crédito das famílias. Salários subiram rápido, especialmente nos empregos de baixa remuneração.
Com juros baixos, os bancos afrouxaram exigências e os empréstimos se alongaram. Mas, desde 2021, os preços subiram, os juros dispararam e as economias se esgotaram. O crescimento salarial desacelerou, e o mercado de trabalho perdeu força.
Para muitos, a volta dos pagamentos estudantis reduziu ainda mais o dinheiro disponível. As dívidas reapareceram nos relatórios de crédito, derrubando as pontuações.
O resultado é que mais pessoas, especialmente de renda mais baixa, estão presas a financiamentos caros e sem recursos para mantê-los.
“As pessoas conseguem lidar com isso por um tempo”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Mas agora estão começando a ter dificuldades.”
A crise, porém, não deve contaminar o sistema financeiro. Os financiamentos de veículos representaram menos de 10% da dívida total das famílias no segundo trimestre, segundo o Fed de Nova York, e os empréstimos de alto risco são apenas uma fração disso.
Além disso, os contratos mais recentes estão tendo melhor desempenho que os de 2022 e 2023, reflexo de critérios mais rigorosos que afastam consumidores mais arriscados.
*The New York Times via Folha de São Paulo