No domingo em que o Brasil celebra o amor maternal, entre abraços apertados e homenagens emocionadas, há quem exerça a maternidade de forma diferente — mas com a mesma intensidade e entrega. Mães de pets, como são carinhosamente chamadas, também vivem a rotina de cuidados, renúncias e afeto incondicional por seus “filhos de quatro patas”. A paraibana Michelle Cristina de Oliveira é uma dessas mulheres. Responsável pelo Abrigo da Michelle, em João Pessoa, ela cuida de mais de 200 animais resgatados das ruas. E sua história é marcada por coragem, empatia e luta diária por vidas que muitos ignoram.
A trajetória de Michelle com os resgates começou em 2010, de maneira inesperada, após presenciar um atropelamento em frente à academia onde treinava. “Ali eu tive um choque de realidade. O cachorro foi atropelado, o motorista foi embora e ninguém fez nada. Todo mundo só olhava com pena. Foi naquele momento que percebi a importância das protetoras”, relembra.
A partir dali, ela mergulhou de corpo e alma no mundo da proteção animal. Juntou-se a outras ativistas, pagou despesas veterinárias mesmo endividada e começou a compartilhar os casos nas redes sociais, ainda na época do Orkut e do Facebook. O trabalho ganhou visibilidade e, com isso, vieram os desafios: telefonemas a qualquer hora do dia ou da noite, trotes, cobranças e a solidão da responsabilidade.
Atualmente, Michelle administra dois abrigos alugados em Mangabeira, mantém 35 animais em sua própria casa — que ela diz ser mais abrigo do que lar — e ainda organiza lares temporários com o apoio de amigos e voluntários. “É exaustivo. A gente luta contra a omissão da população e o descaso do poder público. Mas eu não consigo virar as costas. Esses animais dependem de mim para tudo”, conta.
Para ela, não há dúvida: é mãe de todos eles. “Muita gente diz que mãe é quem gera, mas esses animais são completamente dependentes. Eles precisam da gente para comer, para tomar remédio, para tudo. Tenho cães que só comem com a minha ajuda. Eles são meus filhos.”
Em seu dia a dia, Michelle vive situações comoventes. Lembra de resgates marcantes, como o de um cachorro doente que foi colocado no carro e, de repente, outro cão — talvez amigo, talvez parente — pulou por conta própria, como se dissesse “me leva também”. Ela fala de mães e filhotes abandonados juntos, inseparáveis, e de olhares que pedem socorro sem precisar de palavras.
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“Já teve cadelas que eu tirei de uma situação de tá no cio e elas desesperadas, pedindo socorro, um monte de cachorro em volta, os cachorros tentando me atacar, olhe eu já passei por muitas coisas, me marcaram muito, então não tem como a gente não sofrer, não ser uma pessoa emotiva, eu sou uma pessoa que me emociono muito com os resgates. Tem animais que basta olhar pra você, o olhar já é de pedido de socorro mesmo, ‘me ajude, eu vou morrer aqui’, só faltam falar. Teve situações assim de eu, tipo, tá numa rota, e mudar a rota e justamente por mudar a rota eu encontrar um animal quase morto sabe, porque eu mudei a rota habitual. Parece que é Deus, a espiritualidade que vai mandando ‘ó, vai aqui, vai ali que você vai encontrar'”.
Por trás de cada história, está o abandono generalizado nas ruas de João Pessoa — uma cidade turística onde, segundo Michelle, falta empatia e sobram animais largados à própria sorte. “Estamos sendo procurados até por turistas, porque em frente aos hoteis há gatos e cachorros morrendo. E o poder público não faz nada. Somos cobrados, mas não recebemos nenhum tipo de apoio”, desabafa.
Ela enfatiza que seu trabalho não conta com recursos do governo, nem de políticos. Toda a ajuda vem por meio de doações de amigos e seguidores. E dessa forma o Abrigo da Michelle segue como um verdadeiro refúgio para centenas de vidas.
Neste Dia das Mães, Michelle representa tantas mulheres que vivem a maternidade em sua forma mais pura: o cuidado com seres indefesos, a renúncia pelo bem do outro e o amor que se multiplica a cada resgate.
“Eu me emociono com cada olhar, com cada vida salva. E sigo, mesmo cansada, porque sei que eles precisam de mim. Ser mãe de pet é isso: estar presente, ser tudo o que eles têm.”