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Amy Winehouse, se estivesse viva, teria largado a música e o vício, diz seu melhor amigo
12/07/2021 / 17:07
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LUCAS BRÊDA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Amy Winehouse passou cerca de três anos sem usar crack e heroína -as drogas pesadas nas quais foi viciada- antes de morrer, há dez anos, por intoxicação alcoólica. A imagem da cantora como uma viciada incorrigível, flertando com a morte inevitável, é uma das narrativas que Tyler James, melhor amigo da artista desde a infância, quer desconstruir no livro “Minha Amy”, que sai em agosto.

“As pessoas perpetuam esse mito de que ela era autodestrutiva, essa coisa rock de entrar para o clube dos 27. E não tem nada legal em morrer com 27 anos. Nos últimos anos, ela não tocou em droga pesada. Substituiu aquilo por álcool, mas estava querendo ficar sóbria, e lidando com o vício”, ele diz. “Acho que muitas pessoas não se dão conta disso.”

De garota tímida e introvertida -que desde os 14 tomava antidepressivos-, fã desde pequena dos clássicos do jazz, Winehouse se tornou uma das mais celebradas vozes da música no mundo, com uma estética retrô, uma atitude contestadora e letras de uma franqueza cortante.

Quando escreveu “Back to Black”, seu disco clássico de 2006, vencedor de vários troféus no Grammy, Winehouse não usava crack ou heroína, mas foi com o sucesso do álbum, e o relacionamento conturbado com o ex Blake Fielder-Civil, que as coisas começaram a desandar.

“Se ela tivesse morrido cinco anos antes, quando estava usando muito crack e heroína, teria feito sentido. Era quando a automutilação dela estava mais intensa. Essa época foi absolutamente maluca”, diz James.

Na fase de hits como “Rehab” e da faixa que deu nome ao disco, Winehouse costumava passar os dias no bar, bebendo, jogando sinuca e ouvindo músicas na jukebox. Nas madrugadas, sentava no chão da cozinha e escrevia, chorando depois de ter sido deixada por Fielder-Civil.

Quando “Back to Black” começou a fazer sucesso, o casal reatou, e foi justamente quando Winehouse entrou de cabeça nos vícios do futuro marido. A fama, diz James, arrancou a liberdade da amiga, que não gostava de ser paparicada, e preferia a simplicidade boêmia da noite no bairro londrino de Camden Town aos circuitos luxuosos das celebridades.

“Quando estava num jatinho privado, tudo que Amy realmente queria era estar num supermercado comprando o que ela ia cozinhar para o jantar. Ele só queria a normalidade.”

Mais do que as fotos e vídeos divulgados pela imprensa -que Winehouse pouco consumia-, o que incomodava a cantora era não poder andar livremente pela rua, numa época ainda pré-redes sociais, em que a atuação dos paparazzi era -fisicamente- muito mais intimidadora.

“De repente, sua vida não é mais sua. Tem gente morando na sua porta. Aquilo fodeu com a cabeça dela. Como você luta contra um vício quando você não pode dar uma caminhada na rua? Quando tem que ficar trancado em casa sem nada para fazer?”

James e Winehouse se conheceram quando tinham por volta de 12 anos, na escola de teatro que frequentavam em Londres. Ambos vindos de famílias da classe trabalhadora, eles nutriram juntos o sonho de serem cantores.

Em 2002, foram contratados pela gravadora Island Records e acabaram vivendo uma ascensão e decadência em um curto espaço de tempo. A carreira de James não foi adiante, mas ele seguiu dividindo apartamento e se tornou uma espécie de guardião da melhor amiga -sua missão era não deixar que ela morresse e se manter vivo enquanto fazia isso.

Enquanto Winehouse -que na adolescência era a mais careta da turma, e no começo da vida adulta só fumava maconha e bebia, enveredou para o crack e a heroína-, James podia beber dezenas de garrafas de vodca ou de uísque por semana.

As cenas descritas por ele no livro são dignas do filme “Trainspotting – Sem Limites”, com gente como Kate Moss e Pete Doherty, conhecido junkie e ex-vocalista dos Libertines, pintando quadros com sangue -dele e de Winehouse-, paparazzi infiltrados e Fielder-Civil roubando centenas de milhares de libras do camarim de Prince.

Mas, em “Minha Amy”, a cantora do cabelo de colmeia também surge como uma amiga doce e de personalidade única, quase deslocada no tempo. Era uma nerd de música e amava clássicos de jazz e também a música negra e o hip-hop -era muito amiga do rapper Mos Def e fã de Nas e Lauryn Hill-, herdou da avó um fascínio pelas pin-ups dos anos 1950 e nutria fantasias de se casar com um gângster e ser mãe de dois filhos.

“Ela era uma mulher tradicional. Realmente queria ser o tipo de mulher que cuida do seu homem, e vice-versa. Ela gostava de bad boys, e Blake acabou sendo isso pra ela. Amy sabia que os vícios dele eram perigosos. Mas quando você se apaixona, tudo isso vai por água abaixo -você é capaz de fazer qualquer coisa.”

Mesmo retratando o comportamento tóxico e, em grande medida, oportunista de Fielder-Civil, James não o consegue culpar pela morte da amiga. “Sei que ele é pintado como o vilão e realmente não acredito que ela usaria heroína se não o tivesse conhecido. Mas, também, o vício é uma coisa séria. Já falei com ele depois que ficou sóbrio, e me pareceu um cara bacana. O vício muda as pessoas.”

Winehouse cantou no Brasil no começo de 2011, meses antes de morrer, quando tentava retomar a carreira depois de anos afastada dos palcos. Visivelmente abaixo do peso, ela atrasou -ela passou anos lutando contra transtornos alimentares-, cantou pouco e há relatos de que o público aplaudia quando a via bebendo algo no palco.

Em certa medida, ela havia virado refém da personagem criada em “Rehab” -da letra “eles tentam me levar pra reablitação, mas eu digo não”. “A atitude dela mudou, mas a música continuou existindo. E esse é o problema. A música estava sendo um peso para ela. Até porque, no fim das contas, ela foi atrás da reabilitação.”

Winehouse estava tentando ficar sóbria havia anos, mas ainda tinha problemas com o álcool. Segundo James, ela não queria se apresentar no Brasil, e havia um círculo vicioso em sua vida -quando dava sinais de melhora, seus empresários, incluindo Mitch Winehouse, pai da cantora, logo organizavam uma nova turnê, o que a fazia voltar ao álcool e à depressão.

Se estivesse viva hoje, diz James, Winehouse teria se livrado dos vícios. “Sei que ela estaria sóbria, e não acho que ela seria mais ‘Amy Winehouse’. Não é o que ela queria mais. As pessoas mudam -hoje sou um fazendeiro que conscientiza sobre vício na Irlanda. Amy era uma pessoa muito inteligente, e pessoas inteligentes ficam entediadas.”

E também não estaria fazendo turnês imensas e provavelmente nem gravando discos. “Acho que ela continuaria compondo, mas para ela mesma. Se ela estivesse aqui, brigaria por mais liberdade, por algum nível de normalidade. A maior tragédia para as pessoas é que ela parou de compor e de cantar. Mas, para mim, a maior tragédia é ela nunca ter sido mãe.”