De repente, Anitta apoia as mãos no chão, empina o tronco e, enquanto se sustenta com os braços flexionados, rebola o quadril. A cena atiçou meio mundo. Do Japão ao Havaí, gente de todas as idades tenta reproduzir — em vídeos publicados nas redes sociais — o trecho da coreografia que embala o clipe da música “Envolver”, lançada em novembro de 2021. Dirigida pela própria Anitta, a performance com uma pitada erótica impulsiona, agora, o passo mais largo dado pela artista no exterior.
Com a canção solo, a carioca de 28 anos alcançou, no último fim de semana, o top 10 mundial da plataforma Spotify. É um feito inédito entre artistas brasileiros — na segunda-feira (21), “Envolver” figurava como a sexta produção mais escutada no planeta, com mais da metade dos ouvintes no exterior. No YouTube, já ultrapassou mais de 63 milhões de visualizações e segue em alta.
Não há sorte em tal fenômeno, ressalta Anitta:
— Existe, sim, uma inteligência por trás. Cada lançamento tem sua estratégia. Com “Envolver” não foi diferente. Foi feito muito investimento de tempo em criação, divulgação, planos de marketing… Fico muito feliz que o resultado esteja sendo colhido.
Escrita pela própria Anitta em parceria com os colegas hispano-americanos Julio M. Gonzales Tavarez, Freddy Montalvo e José Carlos Cruz, “Envolver” quase não saiu do papel. Gravadora responsável pela obra da funkeira, a Warner Records resistiu em levar a letra para os estúdios. “Disseram que a música não iria a lugar nenhum e que eu não teria forçar para lançar isso sozinha”, revelou a cantora aos fãs.
Em comparação às outras realizações da artista, “Envolver”, de fato, é um produto modesto. Não há a participação de vozes consagradas nos Estados Unidos, coisa que ela fez em “Me gusta” (com Cardi B e Myke Towers) e “Sim ou não” (com Maluma), só para citar alguns exemplos. O clipe também não foi dirigido por medalhões da área. Mas isso não deveria ser uma surpresa.
— A análise desse caso tem que ser feita sobre a determinação da artista. Esse não é o resultado de uma música só. É a consequência de um trabalho feito há cinco anos — frisa Marcelo Castello Branco, CEO da União Brasileira de Compositores (UBC) que integrou o conselho diretivo do Grammy Latino e participou do desenvolvimento das carreiras de nomes como Caetano Veloso, Marisa Monte e Ivete Sangalo. — Geralmente, o artista brasileiro acredita que fazer sucesso no exterior é realizar uma turnê lá fora para a comunidade brasileira. Esse exemplo a gente já viu várias vezes. Com um trabalho consistente, Anitta foi além e quis entender onde estava pisando, investindo tempo e conhecimento nisso, além da construção de redes. Nos meus quase 40 anos de carreira, nunca vi alguém se jogar dessa maneira. Anitta é a primeira superstar brasileira global da era das redes sociais, uma Carmen Miranda digital.
Produtor executivo de “Envolver”, o porto-riquenho Hector Ruben Rivera conta que a gravação do hit aconteceu em clima de festa — e que a carioca fez com que toda a equipe admirasse a canção.
— Anitta é uma artista que demonstra não possuir limites e que não vai parar — diz Rivera, rasgando elogios. — A verdade é que, quando você tem uma música muito boa, com uma artista incomparável e uma grande equipe, tudo se soma e vira resultados maravilhosos. Mas nunca se sabe como o público vai recebê-la.
Em abril, Anitta lançará um novo disco, “Girl from Rio”. Gravada em parceria com o rapper americano DaBaby, a música que dá título ao álbum foi adiantada ao público no primeiro semestre de 2021. À época, a canção não decolou. Mas agora tudo pode mudar.
— Tô curtindo demais esse momento. Ele é único para mim e para o nosso país. Fico extremamente grata aos meus fãs e a todos que estão ouvindo a música “Envolver” fora do Brasil, de onde vem a maior parte dos plays — celebra Anitta. — Confesso que todos os vídeos eu tenho adorado. Já vi (gente reproduzindo a coreografia) na rua, embaixo d’água, no mercado, em flashmobs… É muito divertido! Continuem, por favor!
Ver essa foto no Instagram
Aliya Brinson. Esse é o nome da bailarina responsável pelos passo inusitado de “Envolver”, principal motivo para o sucesso, e que hoje é conhecido como “el paso de Anitta” em países como México, Argentina, Colômbia e EUA, lugares que mais têm consumido o clipe no YouTube. De olho na produção de colegas gringos, Anitta contatou a dançarina americana — que já fez trabalhos para Nicki Minaj e Chris Brown — e encomendou uma “coreografia que parecesse um momento íntimo, forte e sensual entre duas pessoas”, como ela define. O plano deu certo.
— Queria que a coreografia falasse tanto quanto a música. Brinco que quando assisti ao clipe fiquei sem ar — exclama Anitta, antenada com uma mania da internet: a reprodução de dancinhas, por meio de vídeos, no Tik Tok.
Diretor geral da Sony/ATV no Brasil, que cuida das composições de Anitta, Aloysio Reis diz que a equipe da artista pode até “levantar o troféu”, mas que o mérito é exclusivo da funkeira. Se “Envolver”não estivesse agora entre as músicas mais ouvidas no mundo, certamente o próximo lançamento dela figuraria nesse ranking, ele acrescenta. Isso porque Anitta não cansa de conseguir mais, utilizando o que está em alta (como as tais dancinhas do Tik Tok) a seu favor.
Para o profissional, que trabalha como editor da artista, o fato de “Envolver” ser cantada em espanhol, e não em inglês, não explica o estouro.
— Obviamente, “Envolver” é uma música pegajosa com coreografia provocante. Mas não é isso que a colocou no top 10 das músicas mais ouvidas — diz Aloysio Reis. — Anitta talvez seja a artista brasileira que mais tenha trabalhado, nos últimos anos, para se transformar numa figura de projeção global. Há aí um processo cumulativo que resulta nisso. Nada mais natural, portanto, que ela alcance o top 10. Ela chegou nesse estágio.
E chegou com uma conquista que agora se estende para outros nomes brasileiros:
— Por muito tempo, o Brasil esteve de costas para a América Latina. Éramos o “planeta Brasil” no continente. Isso foi superado, e Anitta ajudou — explica Castello Branco. — Hoje, o mercado latino tem grande poder não só nos EUA, mas na Europa. A internet democratizou esse alcance.
O Globo