JOELMIR TAVARES E CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apoiadores de Jair Bolsonaro que ajudaram a mobilizar as manifestações do 7 de Setembro ficaram aturdidos com a mudança de tom do presidente em relação ao STF (Supremo Tribunal Federal), na quinta-feira (9), e passaram as horas seguintes tentando entender se o esforço das ruas havia sido em vão.
A frustração era nítida até no tom de voz de organizadores dos atos que falaram com a reportagem pouco após a divulgação da Declaração à Nação, texto com elogios ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, alvo de mensagens autoritárias do presidente na terça-feira (7). A maioria, no entanto, diz seguir apoiando Bolsonaro.
Os sentimentos de choque, aborrecimento e irritação correram as redes sociais bolsonaristas diante da notícia da tentativa de pacificação costurada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).
Uma parte da base reagiu imediatamente -com termos como “arregão” e covarde-, e influenciadores bolsonaristas usaram a expressão “game over” (fim de jogo) para criticar a atitude do presidente.
Outra parcela, contudo, ficou em silêncio. Parlamentares bolsonaristas se limitaram a postar “eu confio no presidente”. Aos poucos, argumentos para convencer os simpatizantes foram disseminados virtualmente.
Em live na quinta, Bolsonaro disse que a nota não tinha “nada de mais”. No dia seguinte, afirmou não poder ceder à pressão dos que querem que ele “degole todo mundo”.
Na sexta-feira (10), a narrativa para reunificar a base bolsonarista já aparecia de forma mais coordenada nas redes. Uma das teses diz haver um suposto acordo para que o STF se recolha ao seu papel, ou seja, para que Bolsonaro, seus filhos e apoiadores saiam da mira dos ministros.
Há ainda a versão de que o recuo visa estancar a crise econômica ou de que Bolsonaro é estrategista e sabe o que faz. A volta da esquerda também foi evocada para manter a base unida.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a nota de Bolsonaro foi motivada pelo temor de um desembarque de siglas aliadas e pela resposta do STF, num contexto de elevada pressão pelo impeachment.
“Ele levantou uma bandeira branca, ele recuou, foi isso”, disse à reportagem o empresário Mauro Reinaldo, fundador do movimento União pelo Brasil. Sobre as razões do presidente, despistou: “Olha, sinceramente, estou procurando essa resposta”.
Ele disse não concordar “com algumas conjecturas, algumas falas”, como as que pregam fechamento do STF, mas ser favorável à “Operação Lava Toga”, contra irregularidades no Judiciário. E que não esperava “uma ação contundente do presidente” pós-7 de Setembro. Aguardava uma ação do Congresso.
“Nós fizemos a nossa parte na terça-feira, nosso dever foi cumprido, só que a nossa voz não foi ouvida”, constatou. “Que os políticos olhassem por nós, ouvissem o clamor da população. Mas o que o Senado fez? Entrou em recesso.”
Reinaldo afirmou que “uma escalada maior” da parte de Bolsonaro “não seria algo bom para ninguém no país”. “A população queria o quê? Que ele criasse uma guerra, em que as pessoas iriam sofrer? Seria uma visão apocalíptica”, avaliou.
“Nós continuamos fiéis a ele. Algumas pessoas ficaram muito decepcionadas, mas foi igual a quando o [Sergio] Moro saiu. Ficaram bravas, gritaram, xingaram. Mas, depois que entenderam, elas retornaram”, comparou o simpatizante. Para ele, não há opção para as eleições de 2022 além de Bolsonaro.
“Quando eu li a carta, minha pressão chegou a 20. Passei até mal, fiquei tão nervoso”, admitiu Reinaldo, quatro horas após falar à reportagem, em um vídeo para seus seguidores.
“Bolsonaro mostrou um ato de humanidade, de caráter, de dignidade. Mostrou ser sábio, inteligente”, continuou. Em dado momento da transmissão no Facebook, resumiu: “Eu sei que desanima, mas não desanime não”.
Outro empresário por trás da mobilização na Paulista, Patrick Folena, coordenador do movimento Avança Brasil, indicou durante a conversa com a reportagem na quinta que, sim, bateu um desânimo.
“A gente fica… A gente estava numa linha um pouco assim… Não decepcionado, vai. Assim, um pouco [decepcionado], vai. Mas não aquela coisa absurda, né? Mas, agora, a gente entende.”
Indagado sobre resultados concretos da ida às ruas no Dia da Independência, Folena foi objetivo: “Por enquanto, não [vi]”.
“A gente vai esperar. A oposição sentiu a força de mobilização que o povo tem. Mas ainda é muito cedo para avaliar”, afirmou.
“Espero que os outros Poderes entendam. Porque, se continuarem prisões ilegais, não é uma ameaça, mas a gente vai reclamar, a gente vai protestar”, completou, em relação a operações que têm como alvo bolsonaristas investigados por fake news e atos antidemocráticos.
“Se acontecesse um confronto, poderia acontecer algo pior, e acho que foi nisso que Bolsonaro pensou. Pesou no recuo dele. Tudo o que a gente não pode ter agora são problemas. Mais problemas, né?”, opinou Folena, lembrando que uma greve estendida dos caminhoneiros teria consequências imprevisíveis.
“Eu não vou deixar de apoiar [Bolsonaro]. Eu vejo uma pessoa que está lutando pelo povo, está chegando aonde ele pode nesse regime”, conformou-se.
Giovani Falcone, fundador da Aliança Nacional, embaixador do Avança Brasil e membro do Nas Ruas, foi outro bolsonarista que achou que a manifestação cumpriu seu propósito apesar de ter degringolado para a carta.
“Foi proveitoso. A massa realmente atendeu ao pedido dos movimentos”, disse, exaltando o apoio popular ao presidente. Mas, como os companheiros de militância, ele estava desorientado na noite de quinta.
“Estão me ligando, me mandando mensagem, sem saber. Eu respondo: ‘Vamos ter calma, vamos esperar, o presidente sabe o que está fazendo’. Porque não era isso que a gente esperava. O povo quer, o povo não aguenta mais o preço do gás, da gasolina”, disse, em referência à disparada da inflação.
Questionado sobre o que faria os preços baixarem, Falcone respondeu que poderia haver efetividade em um estado de sítio ou GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
O ativista afirmou, no entanto, que Bolsonaro não deve perder apoiadores e ecoou o discurso das redes.
“Bolsonaro está dando um passo para trás para dar dois para a frente. Se ele for mais linha-dura, talvez perca apoio, e sem apoio político não dá para governar. Por ele não ter sido linha-dura, muitos ficaram tristes, mas ele usou a estratégia de dar um passo atrás para ficar dentro das quatro linhas da Constituição”, considerou.
Apoiador de Bolsonaro e presidente do PTB paulista, o empresário Otavio Fakhoury disse que a manifestação do 7 de Setembro atingiu os objetivos e que a carta fez parte do suposto acordo que terá como resultado uma pacificação em Brasília –outra tese compartilhada virtualmente.
Para especialistas e grande parte do mundo político, no entanto, a moderação do presidente não é pra valer.
“Temos que esperar umas duas semanas, que é o prazo que eu daria para ver todos os itens desse acordo implementados”, disse à reportagem na sexta.
Segundo Fakhoury, a pauta da manifestação “não é golpe, nada”. “O Bolsonaro fez a chamada a favor da liberdade, contra quem rompe a Constituição”.
“O Bolsonaro não tem a intenção de fazer virar caos. Quem queria o caos, para poder bater no peito, era a esquerda. Queriam que o Bolsonaro mandasse prender alguém, e não é isso o que vai acontecer”, afirmou.
O pensamento de que o caos serve à esquerda vai na linha de vídeo, divulgado na sexta, em que ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, pede união após “alguns fatos [que] deixaram muitos de nós desanimados”.
“A esquerda […] segue unida e querendo voltar. Ela sofreu também um duro revés, porque descobriu que o presidente Bolsonaro não tinha qualquer intenção de dar o golpe”, disse o ministro.
Segundo Fakhoury, uma limitação do poder do Supremo, que ele sugere via PEC (proposta de emenda à Constituição), permitiria ao Executivo “avançar no orçamento, na reforma tributária”.
“O objetivo [da manifestação] não era voltar ao respeito às leis e à Constituição? É preciso quebrar tudo, dar tapa em todo mundo e botar todo mundo na cadeia? Não precisa. Vamos negociar, cada um faz o que tem que fazer e vamos ver se dá para voltar à legalidade.”
“O Judiciário vai se pôr no lugar, vai começar a agir dentro da lei”, completou o empresário, que é alvo de investigações nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, mas nega irregularidades e diz agir dentro das leis.
A virada brusca no tom, no entanto, afastou parte dos ativistas, como o líder de motociclistas Jackson Vilar -que chamou Bolsonaro de traidor em vídeo na quinta.
O pastor e dono de uma loja de imóveis organizou a motociata com a presença do presidente em São Paulo, em junho, e fez nova motociata no dia 7.
“Eu não acredito em Bolsonaro mais. […] Você não merece respeito Bolsonaro, você traiu os motociclistas, os caminhoneiros, o seu povo, porque é um frouxo covarde”, disse.
Ao jornal Folha de S.Paulo Vilar afirmou, na sexta, se sentir enganado e que seus olhos se abriram em relação a Bolsonaro. “A verdade é que o país está numa crise financeira grande, comércio quebrado, pessoas com fome, desemprego aumentando. E esse louco
querendo governar o país a ferro e fogo.”
“Oro por ele, porque gosto dele. Mas não o apoiarei mais nas suas loucuras. Ele vai começar de novo com suas loucuras, atacando STF e outros”, disse o comerciante.
“Não queremos mais esses políticos brigando. Quem sofre? É o povo. Queremos um país unido, em que os políticos respeitem o seu povo e não façam deles massa de manobra pra suas loucuras. Chega dessa palhaçada. Bolsonaro tem que pedir desculpas a todos que ele frustrou. Vou seguir meu caminho e que Deus abençoe a todos”, conclui.