Gravações inéditas apontam envolvimento direto do presidente Jair Bolsonaro em um esquema ilegal de entrega de salários dos assessores, na época em que ele exerceu seguidos cargos de deputado federal, entre 1991 e 2018.
Nos áudios, divulgados em uma série de 3 reportagens da jornalista Juliana Dal Piva, do UOL, Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada do presidente, afirma que Bolsonaro demitiu o irmão dela, André Siqueira Valle porque ele se recusou a entregar a maior parte do salário de assessor do então deputado federal.
Andrea e André são irmãos de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do presidente. Em gravações exclusivas obtidas pela coluna, Andrea contou que Bolsonaro exigia grande parte dos salários dos parentes da companheira que foram nomeados nos gabinetes da família.
“O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6.000, ele devolvia R$ 2.000, R$ 3.000. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo’.
Em uma segunda reportagem, é revelado que, dentro da família Queiroz, Jair Bolsonaro é conhecido como “01”. Durante trocas de mensagens por áudio, a mulher e a filha de Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar e Nathália Queiroz, dialogam sobre um possível retorno de Queiroz para seu antigo cargo de assessor de Flávio Bolsonaro.
Os áudios são de outubro de 2019, período em que o policial militar reformado ficou escondido na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, em Atibaia, no interior de São Paulo.
“É chato também, concordo. É que ainda não caiu a ficha dele que agora voltar para a política, voltar para o que ele fazia, esquece. Bota anos para ele voltar. Até porque o 01, o Jair, não vai deixar. Tá entendendo? Não pelo Flávio, mas enfim não caiu essa ficha não. Fazer o quê? Eu tenho que estar do lado dele”, afirma Márcia, em um dos trechos.
A última das três reportagens aponta que um coronel da reserva do Exército, Guilherme dos Santos Hudson, ex-colega do presidente na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), atuou no recolhimento de salários da ex-cunhada de Jair Bolsonaro, no período em que ela constava como assessora do antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). O fato aponta como recolher salários não era, suspostamente, uma tarefa exclusiva de Fabrício Queiroz.
“O tio Hudson também já tirou o corpo fora, porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e buscava no banco era ele”, afirmou Andrea. A coluna confirmou a autenticidade dos áudios.
“Não é pouca coisa que eu sei não. É muita coisa que eu posso ferrar a vida do Flávio, ferrar a vida do Jair, posso ferrar a vida da Cristina. Entendeu? É por isso que eles têm medo aí e manda eu ficar quietinha. Não sei o que, tal. Entendeu? É esse negócio aí”, diz a ex-cunhada do presidente.
Ao tomar conhecimento sobre as gravações divulgadas, o advogado do presidente, Frederick Wassef negou as ilegalidades e disse que os fatos narrados por Andrea são “inverídicos, inexistentes, jamais existiu qualquer esquema de rachadinha no gabinete do deputado Jair Bolsonaro ou de qualquer de seus filhos”.
Ainda de acordo com o advogado, o que está ocorrendo “no Brasil, na verdade, é a antecipação da campanha presidencial de 2022 e estão sendo usados todos os artifícios e artimanhas para atingir a honra, imagem e reputação do presidente da República e da família Bolsonaro”.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) declarou que vai solicitar a convocação de Andrea Siqueira Valle, para que ela preste depoimento à CPI da Covid no Senado.
“A oitiva dela não é para incriminar, mas para esclarecer fatos relacionados à presença dessas pessoas no governo. Ela cita um coronel. São muitos os indícios e testemunhos da participação de militares em irregularidades com as vacinas Covaxin e AstraZeneca”, afirmou Calheiros em entrevista à coluna da jornalista Juliana Dal Piva.