PEDRO MARTINS
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Entre o abre e fecha provocado pelos diferentes decretos de flexibilização de estados e municípios, os cinemas brasileiros tomaram fôlego e conseguiram arrecadar em julho R$ 114,9 milhões. É o maior valor desde o início da pandemia, de acordo com a Comscore Brasil, empresa norte-americana que faz análise de mercado.
O acumulado de janeiro a julho, de R$ 254,5 milhões, ainda ficou 86,51% abaixo da arrecadação do mesmo período de 2019, mas foi suficiente para devolver o otimismo a distribuidores e exibidores. Já foram reabertas 84% das 3.513 salas de cinema do país.
O setor, afinal, vem de uma crise sem precedentes. Em abril de 2020, quando quase todos os projetores foram desligados, o total atingido com as bilheterias despencou para R$ 26,6 mil. Desde então, qualquer avanço vem sendo celebrado pelo mercado.
A arrecadação de julho ainda ficou 72% abaixo da registrada em julho de 2019. Mas cresceu 81,4% em relação a junho de 2021, 356,6% ante maio e 5.700% comparada a abril deste ano —mês mais letal da pandemia no Brasil.
“Estamos numa retomada esperançosa”, afirma Paulo Sérgio Almeida, diretor do portal Filme B. “O cinema levou uma rasteira fortíssima tanto da pandemia quanto do streaming. Do streaming, já estamos bem recuperados, porque as pessoas têm saudade dos cinemas”.
A avaliação do diretor do Filme B encontra eco na pesquisa realizada pelo Itaú Cultural e o Instituto Datafolha, que ouviu 2.276 pessoas de todas as classes sociais e regiões do país entre maio e junho.
O estudo sobre hábitos culturais apontou que é da telona que a maioria do público sente mais falta, entre todas as atividades presenciais interrompidas durante os piores meses da pandemia.
Entre os entrevistados, 67% disseram sentir mais saudade de ir ao cinema, 32% sentiram mais falta de apresentações artísticas (shows, dança, teatro) e 17%, de centros culturais. A ida ao cinema também aparece como a atividade mais realizada na reabertura dos eventos culturais presenciais.
A nostalgia tem tudo a ver com a volta aos cinemas, já que a maior parte das bilheterias vem justamente de filmes que são continuações de franquias antigas e conhecidas.
O nono “Velozes & Furiosos”, por exemplo, responde sozinho por 25% da arrecadação de janeiro a julho deste ano, e “Viúva Negra”, da Marvel, a maior franquia cinematográfica da história, detém uma fatia de 13%, de acordo com o Filme B. Com isso, entre os 255 títulos que foram lançados no ano, os dez mais bem-sucedidos respondem por 82,40% da bilheteria toda.
A renda das produções nacionais, por outro lado, mal chega a 1,5% do total.
Os títulos estão represados. É o caso de “Turma da Mônica: Lições”, que leva personagens de Mauricio de Sousa às telas com atores de carne e osso. Previsto para junho, foi reagendado para dezembro.
Se as distribuidoras de filmes brasileiros têm mais flexibilidade para alterar o calendário, as que trabalham com Hollywood têm pouco poder de barganha com suas matrizes nos Estados Unidos.
Algumas, como a Disney, precisam ainda lidar com a concorrência interna do próprio serviço de streaming, o Disney+, onde os filmes são lançados no mesmo dia em que estreiam no cinema, o que pode facilitar a pirataria e prejudicar a arrecadação.
Mas o cenário é de retomada —até mesmo para as distribuidoras de filmes independentes.
A PlayArte, por exemplo, lançou no dia 12 de agosto o filme chinês “Shadow”, do diretor Zhang Yimou, que estava programado para estrear em março no Brasil.
O longa-metragem foi apresentado em 2018 no Festival de Cinema de Veneza, e chegou em 2019 aos cinemas estrangeiros. A distribuidora brasileira segurou seu lançamento desde então.
“É o momento ideal para o lançamento, principalmente por virmos de uma leva de filmes bastante comerciais. Faz meses que não temos um filme mais voltado aos adultos”, afirma Samantha de Camargo, diretora de marketing da distribuidora, que também mantém 57 salas em nove complexos de cinemas em São Paulo, Roraima e Amazonas.
Em média, os filmes mais bem-sucedidos têm vendido 22 ingressos por sessão, segundo a Ancine (Agência Nacional do Cinema). É muito pouco para cinemas de shoppings, cujas salas não ultrapassam 150 assentos, e ainda menos para os cinemas de rua, que chegam a ter 800 lugares. Mas essa não é a preocupação do momento.
“Agora, lucro é um aspecto que não discutimos, porque precisamos fazer as pessoas resgatarem o hábito de ir ao cinema, independentemente da ocupação. A gente vai passar o filme na mesma qualidade, tendo 10 ou 200 espectadores na sala”, afirma Juliano Russo, diretor comercial do Cinépolis, que tem 434 salas de exibição em 59 cinemas espalhados pelo país.
Almeida, do Filme B, diz que o avanço na retomada e na ocupação das salas depende de um alcance maior da vacinação contra a Covid.
“A doença ainda não está totalmente sob controle, não é todo mundo que tem coragem de frequentar espaços fechados. Mas a bilheteria nos mostra que o comportamento está mudando de forma acelerada. As pessoas estão eufóricas para voltar aos cinemas”, afirma.