BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Investir em criptoativos, como são chamadas bitcoins e outras do gênero, pode parecer abstrato para quem não tem familiaridade com tecnologia. A expectativa é que o lançamento de uma moeda digital oficial, emitida pelo Banco Central, dê credibilidade a essas modalidades, segundo especialistas.
A autoridade monetária vem desenhando um projeto de moeda digital desde agosto do ano passado. Recentemente, o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, afirmou que os estudos na área avançaram bastante.
O BC trabalha na produção de um relatório detalhado, já prevendo a implementação do dinheiro virtual até 2022.
No ano passado, a ideia era que o documento com impactos, benefícios e custos do novo modelo monetário fosse produzido em seis meses, mas, de acordo com o BC, ainda não ficou pronto.
Com o relatório em mãos, a diretoria colegiada do BC tomará a decisão de levar ou não adiante o projeto.
O dinheiro virtual do governo seria apenas uma nova forma de representação da moeda já emitida pela autoridade monetária, ou seja, faria parte da base monetária do país.
Embora tenham em comum a inovação, as criptomoedas que existem hoje no mercado e as moedas digitais emitidas pelo governo de um país têm propostas distintas.
A principal diferença é que a emitida pelo BC seria semelhante ao papel-moeda, assegurada e gerida pelo Estado, enquanto as outras não têm garantias reais. Além disso, o dinheiro digital também não teria efeito especulativo.
Para Tasso Lago, especialista em criptomoedas e fundador da consultoria Financial Move, a moeda digital emitida pela autoridade monetária deve acelerar a familiarização do investidor a esse tipo de aplicação.
“Antes, as pessoas tinham medo, o que é normal, era desconhecido. Agora não dá mais para ignorar esse mercado.”
De acordo com Lago, o dinheiro virtual oficial dará uma espécie de chancela aos criptoativos, que ganharão cada vez mais credibilidade.
“Se o BC cria a própria moeda digital, é uma chancela de que aquilo é bom e seguro. Uma das vantagens é ser rastreável. Com isso, podemos ter maior controle do dinheiro. Com a tecnologia empregada hoje, uma transação pode ser mapeada anos depois de ocorrida”, afirma.
O professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) e pesquisador do tema Alan De Genaro diz que uma das vantagens do dinheiro virtual é colocar o consumidor no centro das decisões.
“O consumidor pode usar a experiência com wallets [carteiras] digitais para aumentar seus investimentos, pois já sabe como funciona e como usar. Vejo também como um grande potencial de inclusão financeira”, diz.
Inicialmente, como mostrou a Folha, o BC planeja distribuir a moeda digital por meio do sistema financeiro, mas ainda não divulgou detalhes de como seria a logística.
O procedimento, segundo informado no ano passado, seria semelhante ao que é feito hoje com o papel-moeda, só que por meio virtual. Na prática, parte do dinheiro que já seria emitido pela autoridade monetária de forma física seria substituída pelo exemplar virtual.
Dessa forma, a pessoa teria de ser bancarizada para ter acesso à moeda digital.
Para Genaro, no entanto, o modelo pode evoluir para que no futuro os consumidores tenham esse tipo de recurso fora das instituições financeiras.
“Muitas pessoas ainda não têm acesso a conta em banco, mas têm um smartphone. Logo, com a existência de uma moeda digital, essas pessoas poderiam tê-la em suas wallets e pagariam suas contas sem precisar de uma instituição financeira”, diz.
Nenhum país do mundo tem dinheiro virtual oficial. A emissão de moeda digital pelo governo, chamada de CBDC (Central Bank Digital Currency), está em fase final de implementação na China.
No início deste ano, Pequim distribuiu para a população recursos virtuais, baixados pelo celular, para que as pessoas testem o novo recurso.
Caso o Brasil avance rapidamente no projeto, pode ser um dos pioneiros. A CBDC funcionaria como um complemento ao Pix, sistema de pagamentos instantâneos brasileiro.
Para analistas, não dá para antecipar efeito sobre investimentos.
Os analistas e executivos do setor dividem opiniões sobre os efeitos que a maior presença de bancos centrais podem trazer ao segmento.
Enquanto alguns defendem que atitudes pró-criptoativos por parte de autoridades monetárias podem aumentar a segurança jurídica, outros acreditam que tais ações tendem a criar barreiras regionais para o avanço dessas moedas.
As decisões dos bancos centrais ao redor do mundo são variadas. De um lado, alguns países tentam proibir a mineração, a compra ou a venda de criptoativos –como é o caso da Índia e da Nigéria.
Na mão contrária, outros fazem o debate sobre a tributação da moeda, como é o caso dos Estados Unidos, passam a aceitar o pagamento com criptomoedas.
“São posições completamente diferentes e que têm impactos grandes nessas regiões, mas não necessariamente no preço do ativo, que tende a oscilar apenas quando países de peso [que mais negociam os criptoativos], como os da Europa, os EUA e a China, fazem alguma movimentação”, afirma o presidente da Bitcoin Trade, Bernardo Teixeira.
Um exemplo dessa oscilação de preços aconteceu em meados de abril, quando veio a mercado a notícia de que o presidente americano, Joe Biden, estava planejando alterar os modelos de tributação atualmente vigentes nos EUA.
O plano de quase dobrar os impostos sobre ganhos de capital no país pressionou os preços das criptomoedas para baixo e fez com que cerca de US$ 200 bilhões (R$ 1,1 trilhão) desaparecessem desse mercado em um dia, segundo informou a rede americana CNBC.
Para João Canhada, presidente da Foxbit, quanto maior for a interferência do governo ou de um banco central nos criptoativos, pior tende a ser a percepção do mercado.
“É exatamente a liberdade transacional desses ativos que atrai seus usuários”, diz