Nos últimos meses, a arte das bonecas reborn voltou aos holofotes no Brasil, mas não exatamente pelos motivos que suas criadoras gostariam. Vídeos polêmicos nas redes sociais — muitos deles com milhões de visualizações — retratam cenas de colecionadoras tratando bonecas como se fossem bebês reais, em situações que vão de cuidados médicos simulados a passeios de carrinho em shoppings. O fenômeno gera fascínio, mas também dúvidas, críticas e, principalmente, muito engajamento.
Por trás dessa explosão de curiosidade está um trabalho artístico meticuloso e, segundo as criadoras, muitas vezes incompreendido. É o que defende a artista Sandra Bortoleto, um dos nomes mais reconhecidos da arte reborn no país. Com mais de 1.700 bonecas produzidas desde 2013 e enviadas para o mundo inteiro, ela prefere se afastar dos holofotes neste momento.
“Estão desmerecendo a verdadeira Arte Reborn e só falam de algumas (pouquíssimas) colecionadoras que tratam bonecas como filhos”, afirma Sandra. “A mídia não entendeu ou está fazendo que não entendeu… estão em busca de conteúdo que gera comentários, sejam eles bons ou ruins, mas que engajam e monetizam.”
Para ela, o que vem sendo divulgado nas redes não representa a maioria das pessoas envolvidas com o universo reborn. “Em 12 anos na Arte Reborn, até hoje não conheci nenhuma colecionadora que trate suas bonecas como filhos”, afirma em contato com o F5 Online.
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As bonecas reborn surgiram nos Estados Unidos na década de 1990 e se popularizaram por sua semelhança impressionante com recém-nascidos reais. Criadas artesanalmente com materiais como vinil, silicone e pintura realista, elas podem ter veias aparentes, marcas de nascença e até cheiro de bebê. O processo de produção pode levar semanas e exige conhecimento técnico, sensibilidade artística e atenção aos mínimos detalhes.
No Brasil, a arte ganhou força nos últimos anos, impulsionada por artesãs especializadas, como Sandra, que reúne mais de 77 mil seguidores no Instagram. No perfil, ela compartilha fotos dos bebês já prontos, bastidores da produção e depoimentos de clientes satisfeitos.
Apesar do apelo visual e da delicadeza envolvida na confecção, o mercado da arte reborn ainda enfrenta estigmas e preconceitos. Para muitas artistas, o foco excessivo em casos extremos — ou até caricatos — acaba eclipsando o verdadeiro valor artístico do trabalho.
Além de peças de coleção, os bebês reborn também são utilizados como ferramentas terapêuticas em casos de luto gestacional, depressão pós-parto e doenças neurodegenerativas. Em clínicas e instituições, a presença das bonecas pode ajudar na estimulação de memória, no desenvolvimento emocional e no conforto psicológico de pacientes.
No entanto, esse aspecto mais sensível também é alvo de polêmicas. Quando descontextualizadas, cenas de cuidados com as bonecas são interpretadas como comportamento excêntrico — ou mesmo perturbador —, alimentando o sensacionalismo e reforçando estereótipos.
Para as artistas, o momento atual representa um desafio. Ao mesmo tempo em que a exposição midiática traz visibilidade ao universo reborn, ela também corre o risco de distorcer e deslegitimar um trabalho feito com dedicação, técnica e afeto.
“Eu como artista de verdade não tenho interesse em embarcar nessa onda do momento”, reflete Sandra Bortoleto. “Levei anos para chegar ao nível que estou, e não quero ver minha arte reduzida a vídeos polêmicos em troca de dinheiro.”
“A repercussão está muito negativa”, falou à reportagem uma outra artista reborn, da Paraíba.
Enquanto a discussão segue nas redes, as artistas reborn seguem criando — em silêncio, longe dos virais, mas com o mesmo cuidado de quem sabe que cada boneca carrega uma história. Não necessariamente de maternidade, mas sempre de emoção e significado.