As amigas Natália Gouveia, 28, e Giovanna Nascimento, 30, não se viam há quase dez anos. Estudaram juntas na época do cursinho e, depois de perderem o contato, voltaram a conversar pelo Instagram. Foi assim que decidiram se reencontrar em um bar famoso da região central de São Paulo. Mas, se no passado costumavam esfriar a cabeça com uma cerveja depois das aulas, hoje a história é outra: as duas aderiram a um estilo de vida sem álcool. E elas não estão sozinhas.
Em abril de 2025, uma pesquisa Datafolha revelou que 53% dos brasileiros que consumiram bebidas alcoólicas no último ano disseram ter diminuído a ingestão. Em um país que está entre os maiores fabricantes de cerveja do mundo —atrás apenas da China e dos Estados Unidos—, as empresas do setor sentiram a necessidade de acompanhar esse novo comportamento e se adaptar a ele.
Segundo Carla Crippa, vice-presidente de Impacto e Relações Corporativas da Ambev, há um movimento claro de maior atenção ao consumo responsável. “As pessoas estão consumindo bebida alcoólica de forma mais consciente, e isso está totalmente alinhado com o que defendemos como empresa: a moderação. A sustentabilidade do setor passa por esse equilíbrio no consumo”, afirma.
Ela cita ainda o crescimento de iniciativas voltadas à educação do consumidor, como o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas e campanhas que incentivam o consumo consciente em diferentes contextos das festas ao dia a dia. Para Crippa, esse tipo de investimento, que somou mais de R$ 1,4 bilhão na última década, é hoje parte da estratégia central de grandes fabricantes.
Esse movimento em direção a um estilo de vida mais equilibrado tem nome. O termo em inglês “sober curious”, que pode ser traduzido como “curioso pela sobriedade”, foi cunhado em 2018 pela jornalista britânica Ruby Warrington e ganhou força durante a pandemia. A ideia é simples: não é preciso ter problemas com álcool para querer beber menos ou até parar de vez.
E, nesse cenário, a cerveja sem álcool ganhou protagonismo. Versátil, ela oferece uma alternativa para quem quer continuar socializando, mas sem os efeitos do álcool. Mauro Homem, vice-presidente de Sustentabilidade & Assuntos Corporativos do Grupo Heineken, observa uma mudança consistente nos hábitos de consumo. “Temos visto uma alternância cada vez maior entre bebidas alcoólicas e não alcoólicas, de acordo com o contexto e a ocasião”, diz ele.
Nos últimos anos, o segmento de cervejas com baixo ou nenhum teor alcoólico cresceu de forma significativa. De 2021 a 2024, por exemplo, a versão sem álcool de uma das principais marcas da Heineken quase dobrou de volume de vendas, segundo dados da NielsenIQ. O aumento na procura levou a empresa a expandir sua produção nacional, com ampliação da fábrica em Araraquara (SP).
“Não se trata de substituir o álcool, mas de oferecer mais possibilidades. Mais do que ter opções, entendemos que é nosso papel incentivar ativamente o consumo responsável”, afirma Homem. Um exemplo disso é o reposicionamento de campanhas que colocam a abstinência como uma escolha válida, e não como exceção.
De acordo com dados da consultoria Euromonitor International, a comercialização de cervejas sem álcool no Brasil deve crescer cerca de 849% em uma década —saltando de 103,5 milhões de litros em 2015 para quase um bilhão em 2025.
O presidente executivo do Sindicato Nacional da Cerveja (Sindicerv), Márcio Maciel, confirma esse avanço e aponta que as cervejas sem álcool, embora ainda representem uma fração menor do mercado, vêm ganhando relevância. “A expectativa é que essa participação continue crescendo. Isso reflete mudanças no comportamento do consumidor e investimentos da indústria em inovação, com foco em saúde, bem-estar e moderação”, afirma.
Nos últimos anos, o setor como um todo tem ajustado suas estratégias. “As associadas ao Sindicerv têm investido em pesquisa e desenvolvimento, além de fortalecer o portfólio com produtos de menor teor alcoólico. Há um esforço também para reforçar mensagens de consumo responsável e para acompanhar essa busca por estilos de vida mais equilibrados”, diz Márcio.
Enquanto o setor se adapta, os consumidores seguem moldando o mercado com suas novas prioridades. Nos bares, a demanda também mudou. O chef Martin Casilli, à frente do Sky Hall Garden Bar e do Sky Hall Terrace Bar, conta que a geração mais nova tem sido a principal responsável pela virada. “Eles não têm noites tão fortes como as pessoas do passado tinham. Costumam beber menos, não querem ficar tão bêbados”, afirma. Pensando nisso, os dois endereços passaram a incluir opções mais leves —tanto em álcool quanto em conceito.
“A gente criou cartas com drinques mais refrescantes, que usam uma quantidade menor de álcool, e também uma linha só de coquetéis sem álcool, os mocktails. Mas não são sucos básicos. São processos elaborados, com produção intensa. Tem valor ali”, explica. Segundo ele, a recepção tem sido ótima, especialmente durante o almoço e no início da noite.
Ainda que esse tipo de bebida ainda não represente uma grande fatia do faturamento, Casilli vê valor em outro aspecto. “Tem um retorno sentimental. O cliente percebe o carinho, entende que a gente se importa com esse perfil também”, diz.
Para ele, o bar do futuro continuará relevante, e talvez menos como um lugar para “virar shot” e mais como um espaço de encontro. “As pessoas têm buscado saúde física e mental. Isso muda o jeito de consumir. Mas o bar segue sendo esse lugar de estar junto, de trocar. Só que agora com mais opções.”
Da Folha de São Paulo