A economia brasileira deve completar pelo menos 16 anos de crescimento abaixo da média mundial, período que teve início no governo Dilma Rousseff e pode se estender até o final do próximo mandato presidencial.
É o que mostra levantamento com dados e projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional) e da pesquisa Focus do Banco Central feito a pedido da Folha de S. Paulo e que complementa um estudo dos economistas Marcel Grillo Balassiano e Samuel Pessôa divulgado pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Desde 2011, o país vive uma combinação de períodos de recessão, estagnação e baixo crescimento, com números distantes daquilo que é visto no nível global. Também se destacam no período ações de governo para desmontar políticas de controle de gastos, com reflexos no câmbio e na inflação, problemas vividos também atualmente.
O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu 1,4 ponto percentual abaixo da média global desde 1987, período estudado pelos pesquisadores. Na média, o país cresceu 2% ao ano, enquanto o mundo avançou a um ritmo de 3,4%.
Essa defasagem foi revertida apenas em alguns anos dos governos Itamar Franco, FHC e Lula. Considerando a média nos oito anos de cada gestão, o Brasil cresceu abaixo do ritmo mundial mesmo nos governos do tucano e do petista.
No atual governo, a diferença deverá ficar negativa em 2 pontos percentuais. Apesar de a pandemia ter atingido todas as economias, o Brasil teve retração maior que a média global em 2020 e deverá crescer menos que o mundo em 2021 e 2022.
A diferença na gestão atual será superada apenas pela do período Dilma-Temer (2011-2018), quando o PIB cresceu 2,9 pontos por ano, em média, abaixo do resultado mundial. No próximo governo (2023-2026), a diferença deve voltar à média de 1,4 ponto ao ano, desde que o Brasil consiga retomar o ritmo de crescimento de cerca de 2% ao ano.
Os dois economistas também desenvolveram um modelo para estimar qual deveria ter sido o crescimento de um dos principais indicadores de riqueza da população, o PIB per capita, com base em diversos índices econômicos que mostravam, por exemplo, os ventos favoráveis da economia global e fundamentos domésticos.
O estudo “Desempenho da Economia Brasileira nos Últimos Oito Quadriênios (1987-2018)” mostra que o indicador cresceu a partir de 2011 abaixo da tendência indicada, algo que não acontecia desde a implantação do Plano Real, com uma situação que se agravou na recessão de 2014-2016.
Para chegar ao resultado, foram construídos dois modelos econômicos com diversos indicadores, testados também com dados de 37 e 67 países, respectivamente, para esses 32 anos. O modelo consegue explicar os resultados do indicador para essa amostra de países na maior parte do tempo, com poucas exceções. Uma delas está no período que vai do final da crise de 2008/2009 até a recessão de 2014-2016.
De 2011 a 2018, por exemplo, o PIB per capita em dólar, considerando o conceito de poder de paridade, deveria ter crescido 0,8% ao ano, mas registrou retração anual de 0,2%. Ou seja, indicadores como PIB mundial, variação dos termos de troca —aumento ou queda de preços das exportações brasileiras em relação às importações—, diferença de juros com os EUA, juros reais e taxas de investimento e consumo do governo indicavam uma tendência positiva, segundo o modelo.
De acordo com os economistas, um dos principais debates na economia brasileira foi sobre os motivos da desaceleração do crescimento brasileiro desde então, sendo que uma parte (menor) dos analistas atribui o resultado principalmente a fatores externos ou fora do controle do governo.
Entre eles, o fim do boom de commodities da década anterior, que teria piorado os termos de troca (esse fator foi considerado no modelo de Pessôa e Balassiano), a Operação Lava Jato, crises políticas e problemas hídricos em meados da década passada.
“Outra parte (majoritária) interpretava que fatores internos foram os principais motivos, sobretudo relacionados com a chamada ‘Nova Matriz Econômica’”, diz o estudo.
A “Nova Matriz” do governo petista pretendia substituir o tripé formado por metas de inflação, superávit primário das contas públicas e câmbio flutuante por uma política econômica mais intervencionista.
Para eles, houve um descolamento entre a economia brasileira e a economia mundial no biênio 2015-2016 e um “gap” entre o que os modelos indicavam que deveria ter acontecido e o que realmente aconteceu.
Essa diferença não foi encontrada em outros períodos estimados pelos modelos, “reforçando a visão de que a fraqueza da atividade econômica foi fruto, em grande medida, de fatores específicos da nossa economia, e não de fatores externos”, dizem os autores.
Essas questões também foram apontadas em outros trabalhos de Samuel Pessôa, que é pesquisador do Ibre e colunista da Folha, e Marcel Balassiano, atualmente subsecretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador licenciado do Ibre. O estudo foi elaborado antes de o economista assumir o cargo público.
Pessôa afirma que o modelo funciona surpreendentemente bem para explicar o crescimento na maior parte do tempo nesses 37 países, mas não consegue explicar o que ocorreu a partir de 2009 no Brasil.
“A minha interpretação é que vínhamos testando os limites da capacidade de crescimento já no segundo mandato do Lula. E continuamos a fazer isso com mais intensidade nos primeiros anos do governo Dilma”, diz o pesquisador.
“Você tentou dar um passo maior do que as pernas, forçou o sistema a crescer além do que ele poderia, construiu desequilíbrios. A crise é fruto desses desequilíbrios.”
Como o modelo considera períodos de oito anos e dados já verificados, não foram realizados cálculos para a tendência do PIB per capita em dólares a partir de 2019. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e projeções do mercado mostram que o indicador em reais deverá continuar abaixo do pico de 2013 nos próximos anos.
Da Folha de S. Paulo