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Brasil pode ser um dos pioneiros no mercado de carros voadores, afirma André Stein, CEO da Eve
19/12/2021 / 14:40
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O Brasil tem potencial para contar com milhares de carros voadores, ou eVTOLs, as aeronaves de pouso e decolagem vertical que estão sendo desenvolvidas pela Eve, empresa ligada à Embraer. E esse futuro está mais perto do que se imagina: as entregas das primeiras aeronaves devem ocorrer já em 2026.

Na visão de futuro da Eve, o eVTOL pode se tornar mais uma opção em uma rotina de transporte integrado, que pode mesclar desde a patinete até o carro por aplicativo à viagem de poucos minutos em um carro voador.

Os desafios para tirar o projeto do papel vão muito além do desenvolvimento e da certificação da aeronave. A empresa tem trabalhado com parceiros para planejar a integração com outros modais de transporte, a infraestrutura de embarque e desembarque, a vida útil das baterias, além da criação de um novo sistema de tráfego aéreo e a normatização de um treinamento para os pilotos com voos feitos pelo computador.

Recentemente, a empresa apresentou um modelo inspirado no piloto Ayrton Senna. Em entrevista ao GLOBO, André Stein, presidente da Eve, diz que, embora a capital paulista concentre a maior demanda, o mercado no Brasil irá muito além do eixo Rio-São Paulo.

Qual é o tamanho da carteira de encomendas da Eve?

Temos 795 encomendas em todo o mundo, como Estados Unidos, Europa, Ásia-Pacífico. No Brasil, temos encomendas com Helisul, Flapper, Avantto. São três clientes aqui no Brasil. São parcerias. A mobilidade urbana traz melhoria em qualquer cidade do mundo.

Projeto de carro voador da Eve, que é subsidiária da Embraer que produz os e-VTOLs, veículos elétricos voadores Foto: Divulgação

Qual é o preço das encomendas ou do custo por aeronave?

Ainda não estamos abrindo isso. É um custo que permite que o preço final para o usuário seja dentro do que é próximo do transporte terrestre, às vezes 50% a mais, dependendo do país. Essa é a grande meta. E o preço é o meio para esse fim.

Qual é o potencial do Brasil nesse mercado?

Cidades como Brasília, Recife, Salvador e Porto Alegre são todos mercados potenciais muito grandes para esse tipo de segmento. O maior mercado potencial é São Paulo, que pode ter entre 400 e 500 aeronaves. Outras cidades vão ter potencial menor. Mas estamos falando de alguns milhares de unidades no Brasil, dentro de um mercado potencial em torno de 50 mil unidades nos próximos 15 anos no mundo.

É um mercado global muito grande, no qual o Brasil tem parcela significativa. E não é limitado só a São Paulo e Rio. Há muitos exemplos de aplicações possíveis e prováveis, inclusive em cidades que tenham não só a necessidade como o apetite de criar essa solução.

A mobilidade urbana mudou com a pandemia, muitas empresas aderiram ao regime híbrido de trabalho. Qual vai ser o futuro cliente da Eve?

Todos nós. O early adopter, o usuário inicial, não necessariamente é o estereótipo que adota a tecnologia no começo ou a pessoa mais jovem. Pode ser qualquer um, inclusive pessoas com diferentes necessidades de locomoção e variadas faixas etárias. Mas como a Covid afeta a mobilidade urbana? Estamos vendo que o trânsito não vai desaparecer. Inclusive já voltou, de forma bem robusta. As cidades continuam crescendo.

Com o trabalho híbrido, é possível sair do Centro ou da região do escritório e ir morar em alguma outra parte da cidade. E aí, a ida ao escritório passa a ser quase uma miniviagem de negócios. A mobilidade aerourbana faz mais sentido ainda, pois é algo que você não vai usar todo dia.

Quem vai oferecer o serviço?

É uma nova fronteira para a aviação. Vai ser uma mistura, é um serviço novo: empresas aéreas, operadores de helicóptero, ride sharing companies. É uma mistura de diversos operadores, cada um traz uma parte do entendimento da equação. Existem mercados adicionais, como o de evacuação médica. Outras aplicações também são possíveis, mas é um mercado urbano, com voos dentro das cidades.

Como nasceu a ideia de fazer um modelo inspirado em Ayrton Senna?

Cresci nessa geração que teve a oportunidade de acompanhar a carreira do Senna de perto. Com a criação da Eve e esse mundo de mobilidade urbana, vimos uma possibilidade de dar um passo além, fazer um modelo inspirado no Senna. Tem uma beleza de ser inspiracional, trazer as próximas gerações para esse mundo, para desenvolver novas soluções de mobilidade urbana e tecnologia.

São marcas que misturam paixão com tecnologia. A Eve tem DNA brasileiro, mas é uma empresa global. O Senna trazia isso, de ter a origem no Brasil e uma participação no mundo.

A empresa fez voos-teste no Rio para simular a rota entre a Barra e o Galeão usando helicóptero. A rota é viável? E qual seria o preço?

Esse tipo de rota não só é viável como provável. O preço era a partir de R$ 99, para entender um pouco mais. Qual vai ser o preço final? Provavelmente custará um pouco mais que o transporte terrestre, mas você tem um ganho de tempo muito grande. Parte da razão pela qual estamos fazendo isso é para entender onde você tem que mexer na operação.

O carro avoador PAL-V foi apresentado na feira de automóveis Foto: TOBIAS SCHWARZ/AFP

Isso vale inclusive no solo, pois, se ao chegar no aeroporto tiver de sair e dar a volta, já perde parte do ganho. O passageiro, ao chegar de carro, bicicleta ou até de patinete, precisa fazer a transição para o veículo de maneira simples e integrada, sem criar uma espera para pegar um voo de 15 minutos. E do mesmo jeito que tem Barra-Galeão, poderia ter Barra-Zona Sul, Zona Sul-Tijuca ou Vila Isabel.

Em São Paulo, essa rota para o aeroporto é bem típica, como Guarulhos-Centro, Pinheiros, Morumbi, ou até Alphaville, ou descer para o litoral, como Santos. Guarulhos-Faria Lima faz todo o sentido. Dependendo do trânsito, pode levar uma hora e meia de carro. Não é substituir a mobilidade terrestre, mas trazer a opção para quando precisar.

Como será a infraestrutura? Vai pousar em um prédio específico? Quando haverá um mercado no Brasil?

Ele pode usar o espaço físico do heliponto. A ideia não é pousar na rua, não é um carro por aplicativo. A ideia é que seja integrado a outros modais. Podem ser helipontos convertidos ou áreas novas. Estacionamento é uma coisa que está se estudando. Nossa visão de futuro é a seguinte: você para para pensar o que a internet fez, como mexeu na nossa vida.

Você consegue ter conteúdo de um jeito simples, integrado e barato. Mas tem muita tecnologia por trás disso: fibra óptica, satélite, 5G. Nossa ideia é trazer isso para o mundo físico, o que a gente chama de internet da mobilidade. Ter pessoas e bens indo de A para B de um jeito simples, integrado, barato, com várias soluções: desde a micromobilidade ao carro autônomo, ao eVTOL.

Estamos falando em entrar nesse serviço em 2026, está mais perto do que parece. O Brasil pode ser um dos primeiros lugares a desenvolver esse mercado, não tem razão para não ser.

Como vai ser o treinamento do piloto?

A ideia é começar com piloto e, no longo prazo, ir para uma aviação autônoma. Existem várias possibilidades de simplificar a operação: ele é mais fácil e simples de voar do que um helicóptero. O flight by wire, o voo por computador, fica muito simples para o piloto. Não tem que pensar em cada aspecto do voo.

Mas é um piloto certificado, tem que passar por uma homologação, como qualquer outro profissional. Isso ajuda inclusive a resolver a falta de pilotos para as empresas aéreas. Você pode começar sua carreira no eVTOL e depois se tornar um piloto de companhia aérea.

No momento há uma corrida tecnológica para desenvolver esse tipo de aeronave. A China anunciou recentemente seu próprio projeto. Há espaço para vários ‘players’?

Nesse começo, ter todas essas diferentes empresas ajudou a alavancar um mercado que é novo. Nem todo mundo vai sobreviver a essa corrida. Então há, sim, uma tendência natural de muitos ficarem pelo caminho. Alguns vão sobreviver. O que a gente traz de diferencial? No outro dia, alguém brincou comigo que é como fazer uma start-up na casa da mãe no Leblon.

Esse background da Embraer faz toda a diferença. É meio século de história desenvolvendo e entregando aeronaves muito bem-sucedidas nos seus respectivos mercados. Então mobilidade aérea urbana é um passo natural. Tem todo esse DNA por trás.

Não basta desenvolver e certificar o veículo, tem que olhar o sistema: treinamento de piloto, manutenção, operação, estamos desenvolvendo um sistema de controle de tráfego aéreo, uma solução para mobilidade aérea urbana. Tudo isso nos coloca em uma posição para sermos um dos líderes desse mercado.

Vão ser produzidos no Brasil?

Ainda tem um tempo para decidir isso, mas é natural, é esperado que boa parte deles seja produzida aqui sim.

A eletrificação é caminho sem volta para o setor aéreo?

Sustentabilidade é caminho sem volta. Se você vir os acordos da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) para ser carbono neutro até 2050, é algo que já está aí. Durante a Covid, viu-se na sustentabilidade um caminho para a recuperação da economia global. Quando falo em neutralidade de carbono, tem de olhar toda a cadeia. Tem de pensar o que vai acontecer com a bateria, a manufatura, se os processos são ambientalmente sustentáveis, de onde estão vindo os materiais.

Daí parcerias inclusive com empresas de energia, como a EDP. Já viu o conceito de inovação disruptiva? É basicamente aplicar soluções e tecnologias que ainda não estão prontas para o core do seu mercado. Estamos muito longe de substituir um jato comercial que leva centenas de pessoas a milhares de quilômetros por um avião puramente elétrico.

A tecnologia ainda não está lá. Mas por que não fazer uma aeronave que vai logo ali e leva só algumas pessoas? O caminho da sustentabilidade e da neutralidade de carbono não tem volta. É excelente negócio, abre oportunidades, e eu moro nesse planeta, acredito que a gente precisa fazer isso.

Informações: O Globo