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Brasileiro perdeu quase 2 anos de expectativa de vida na pandemia, e 2021 deve ser pior, diz demógrafa de Harvard
14/04/2021 / 19:10
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Devido à pandemia do novo coronavírus, a expectativa de vida em 2020 no Brasil diminuiu cerca de dois anos. Em média, bebês nascidos no Brasil em 2020 viverão 1,94 ano a menos do que se esperaria sem o quadro sanitário atual no país. Ou seja, 74,8 anos em vez dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados.

Todavia, a esperança de longevidade dos brasileiros voltou aos níveis de 2013. O declínio interrompeu um ciclo de crescimento da expectativa de vida do país, que começou em uma média de 45,5 anos em 1945 e atingiu uma estimativa de 76,7 anos em 2020, ou seja, um ganho médio de cinco meses por ano.

O resultado do impacto da covid-19 na sobrevida da população foi feito por uma equipe de pesquisadores liderados pela demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard.

A expectativa de vida, ou seja, a estimativa de quantos anos uma determinada população nascida em um dado ano deve viver, é um importante indicador de qualidade de vida e um dos componentes no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das nações.

De acordo com o estudo, até o final deste século, a população do Brasil deve diminuir em cerca de 50 milhões.

“Funciona como um termômetro social porque ela te mostra como a gente está progredindo em aumentar a longevidade da população, através de medidas de saúde pública, saneamento, e também te mostra como determinado choque, como uma guerra ou, neste momento, a pandemia, reduz esse indicador porque há um padrão de mortalidade maior do que o esperado”, afirmou Márcia Castro à BBC News Brasil.

O Brasil é o país com a segunda maior taxa de mortalidade do mundo, com mais de 355 mil mortes causadas pelo novo coronavírus. Além disso, o impacto dessa taxa de mortalidade na expectativa de vida da população tem sido 72% maior do que o confirmado nos Estados Unidos, que lidera o número de mortes pela covid-19 (560 mil).

Embora os brasileiros tenham perdido em média 1,94 anos, os americanos reduziram sua expectativa de vida em 1,13 anos (de 78,8 anos para 77,8 anos) em 2020 devido à pandemia.

Entretanto, esses dados podem ser piores do que essa estimativa.

Algumas pesquisas, consideraram outro cenário: calcularam o impacto na expectativa de vida no Brasil de todas as mortes oficialmente registradas como covid-19 mais 90% das mortes confirmadas como síndrome respiratória aguda grave (SRAG), quadro comumente provocado pelo novo coronavírus.

Nesse caso, a expectativa de vida do Brasil será reduzida em mais de dois anos e meio.

Como será em 2021?

O estado atual da pandemia no Brasil sugere que, em 2021, a expectativa de vida do país pode sofrer uma redução mais severa, em vez de aumentar com a queda. Este ano, o país registrou quase metade do número de mortos de covid-19 em 2020.

“Não estamos nem em meados de abril e Estados como Amazonas e Rondônia já têm mais mais mortes esse ano do que em todo o ano passado. Então é fácil prever que esse ano deve ser ainda pior”, nota Castro.

De acordo com a Fiocruz, nas últimas semanas, o país enfrentou o maior colapso hospitalar da história. Sob tais circunstâncias, o número de mortes por causas curáveis ​​e evitáveis ​​tende a aumentar porque a população não pode acessar os cuidados de saúde de rotina em um sistema que está fortemente sobrecarregado pelas vítimas do covid-19.

À situação, se somam a insegurança alimentar, estimada em dezenas de milhões de pessoas, já que a economia patina e o auxílio emergencial atual equivale a menos da metade do concedido em 2020.

Em comparação com a expectativa de vida registrada nos Estados Unidos durante a pandemia de gripe espanhola em 1918, a expectativa de vida no Brasil pode ser reduzida também em 7 a 12 anos.

“O que percebemos é que o Brasil não está nem tomando as medidas necessárias para tentar sair da onda atual, já que a pandemia corre solta, nem se preparando para a possibilidade de uma nova onda da covid-19 ainda neste ano”, diz Castro.

Nos Estados Unidos, estudos foram feitos com recorte de raça mostraram que, enquanto um homem americano branco teve uma redução de 0,8 ano na expectativa de vida em decorrência da pandemia, um negro registrou queda de 3 anos no indicador e um hispânico, de 2,4 anos.

No Brasil, o cálculo por raça não se mostrou viável porque um terço dos registros de óbito por covid-19 não continha essa informação.

A resposta para isso foi analisar as diferenças da mortalidade por Estado. A primeira constatação é que, diante da inexistência de uma estratégia centralizada do governo federal para combater a pandemia, as estratégias locais variaram e os resultados em relação à pandemia, também.

Os pesquisadores descobriram que o Distrito Federal, onde está a capital do país, registrou o pior resultado: ali, a expectativa de vida recuou em mais de 3 anos. O DF foi seguido por três Estados do Norte: Amapá, com queda de 2,98 anos na expectativa de vida, Amazonas, com perda de 2,92 anos, e Roraima, com redução de 2,74 anos.

Na outra ponta, entre os Estados que menos perderam na expectativa de vida em 2020, estão vários nordestinos, como Maranhão, Piauí e Bahia, os três abaixo de 1,49 ano de redução na expectativa de vida.

Essa revelação deixou alguns pesquisadores surpresos já que, conforme assinalam no estudo, os “Estados das regiões Norte e Nordeste têm os piores indicadores de desigualdade de renda, pobreza, acesso à infraestrutura e disponibilidade de médicos e leitos hospitalares”.

Então, por quais motivos o Nordeste não foi tão impactado pela pandemia quanto o Norte do país?

Segundo um artigo publicado nesta quarta-feira, 14/4, na revista científica Science, foi abordado algumas hipóteses para essa dúvida.

Uma delas é a rapidez com que a pandemia se interiorizou nos Estados. Os pesquisadores usaram uma escala de 0 a 100, em que quanto mais próximo de 100 mais concentrados geograficamente os casos e mortes estão.

Se a pandemia tivesse sido restringida com sucesso a poucos municípios, os índices deveriam se manter em valores acima de 50 por várias semanas.

Se ela tivesse se espalhado sem controle pelo território, a tendência seria de uma queda rápida desses valores em poucas semanas.

Na primeira semana em que casos de covid-19 foram diagnosticados, Amazonas, Roraima e Amapá já registravam índices de casos e morte abaixo dos 50 na metodologia dos pesquisadores, ou seja, uma transmissão altamente disseminada e veloz em todo o território. Os cientistas acreditam que o novo coronavírus já estava circulando no Brasil ao menos um mês antes do primeiro caso oficialmente diagnosticado, no final de fevereiro de 2020.

O resultado do quadro visto em Amazonas, Roraima e Amapá é um número muito alto de casos em um amplo espaço geográfico e em um curto espaço de tempo. E essa é, segundo Castro, a receita para que a mortalidade avance não só pelos efeitos do vírus, mas pela falta de estrutura de saúde.

Por meio de estudos, também foi possível notar de que maneira a resposta dos Estados produzia melhores ou piores resultados com o passar das semanas. “O impacto na expectativa de vida está ligado obviamente a como a epidemia se espalhou, que é uma função direta da ausência de controle do vírus. E a ausência de controle do vírus está ligada à questão do alinhamento político dos governadores a Bolsonaro”, afirma Castro.

Segundo ela, os pesquisadores encontraram uma correlação entre o apoio dos atuais governadores ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro, em 2018, com sua propensão a tomar medidas como lockdowns e imposição do uso de máscaras, que contrariavam as diretrizes dadas pelo governo federal.

Para a Castro, os próximos meses serão cruciais para definir o futuro demográfico do país.

Segundo a demógrafa, após um choque de mortalidade como o experimentado pelo Brasil, é comum ver um “baby boom”, uma onda de nascimentos que recupere as taxas populacionais do lugar.

No entanto, ela tem dúvidas se algo semelhante acontecerá no Brasil agora, dado o cenário sombrio que se projeta para os próximos meses e a dificuldade de ver um fim para a pandemia no país.

Com informações da BBC News Brasil.