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Canabidiol apresenta resultados promissores contra sintomas do autismo em estudo com animais
22/08/2025 / 08:10
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USP e Fiocruz: canabidiol melhora cognição, sociabilidade e reduz estereotipias ligadas ao TEA em roedores – Foto: Unsplash

Diferentes testes comportamentais, realizados em modelo animal de autismo (em camundongos), mostraram que o tratamento agudo (dosagem eficaz para rápida melhora do sintoma) com canabidiol (CDB) reverteu comportamentos característicos e sintomas associados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os estudos são de uma equipe de pesquisadores da USP em Ribeirão Preto e da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, cujos achados estão publicados na edição recente da Pharmacology Biochemistry and Behavior.

O TEA é um distúrbio do neurodesenvolvimento que prevalece em 2,4 milhões de pessoas no Brasil, de acordo com o Censo de 2022, representando 1,2% da população do País. Déficits cognitivos, problemas de comunicação e interação social e padrões comportamentais estereotipados e repetitivos são alguns dos sintomas que caracterizam o TEA. Segundo o responsável pelo estudo, o pós-doutorando da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP João Francisco Cordeiro Pedrazzi, supervisionado pelo professor José Alexandre Crippa, atualmente o tratamento desses sintomas “restringe-se a intervenções comportamentais e educacionais que, em geral, envolvem apoio multidisciplinar”.

Pedrazzi informa ainda que os tratamentos utilizam antipsicóticos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e estimulantes para o controle sintomático, particularmente da irritabilidade e do comportamento agressivo. “Esses medicamentos apresentam um perfil para indução de efeitos colaterais, alguns deles de longo prazo, e ainda não existe um tratamento eficaz que possa prevenir ou reverter a natureza complexa dos seus sintomas”, explica.

Como resultado dos testes que realizou em animais, o pesquisador verificou que o CBD conseguiu reverter a maioria dos sintomas associados ao autismo, restabelecendo o processamento de informações, o aumento da sociabilidade e a reversão do prejuízo cognitivo. São resultados que, segundo Pedrazzi, abrem margem para mais pesquisa e o desenvolvimento de novos tratamentos.

Testes comportamentais e tratamento com CBD

Durante a pesquisa, conduzida na FMRP e na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, foram utilizados camundongos machos e, para induzir os comportamentos e sintomas associados ao TEA, os animais foram expostos ao ácido valproico (VPA) ainda na fase embrionária, principal momento do neurodesenvolvimento. Pedrazzi aponta que “desse modo, foi possível demonstrar muitas das características estruturais e comportamentais associadas ao transtorno nos roedores, como prejuízos cognitivos, diminuição da interação social e apresentação de estereotipias”.

Para avaliar o comportamento dos animais e as reações ao tratamento com o CBD, os camundongos foram submetidos a diversos testes comportamentais relacionados a sintomas prevalentes no TEA: Teste de Inibição Pré-Pulso (PPI); Teste de Marble Burying (enterrar a bolinha); Teste de Interação Social e Teste de Reconhecimento de Objetos. 

No teste PPI, é avaliado, principalmente, o processamento de informações; isto é, a discriminação que o sistema nervoso central faz do fluxo de estímulos relevantes e não relevantes. “Um exemplo é a chegada de diversos sons simultâneos até nós, e a nossa capacidade de diferenciar o que é importante e o que não é”, destaca. Durante o teste foi verificado que a exposição ao VPA “prejudicou o processamento de informações e o CBD restabeleceu estes déficits”, acrescenta.

Outro ponto importante relacionado ao autismo são os comportamentos repetitivos e ritualísticos (compulsões), além de pensamentos intrusivos (obsessivos), sintomas de outro distúrbio: o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Segundo o pesquisador, “existe uma prevalência alta do TOC em pessoas autistas, especialmente em pacientes mais jovens”.

Para avaliar esses sintomas e o tratamento com CBD, foi realizado o teste MB, ou teste de enterrar bolinha, que “se baseia na análise do comportamento de cavar bolinhas de gude, e se tal ação é afetada ou não pelo fato de a bolinha ser um objeto novo para o animal”. O pesquisador informa que, após o tratamento, “houve uma diminuição de bolinhas de gude enterradas, sugerindo o efeito tipo anticompulsivo do canabidiol”.

Outros dois testes com resultados promissores foram o teste de interação social e o teste de reconhecimento de objetos, que analisam a sociabilidade, memória e cognição. De acordo com Pedrazzi, o canabidiol melhorou a sociabilidade no teste de interação e reverteu o prejuízo cognitivo no teste de reconhecimento de objetos. Ou seja, os animais exploraram mais o objeto novo em relação ao objeto antigo. “De modo geral, o tratamento com CBD neutralizou a maioria dos prejuízos ocasionados pela exposição ao VPA no período embrionário”, finaliza.

Perspectivas futuras

Os pesquisadores estão animados com os resultados, já que pacientes com TEA apresentam sintomas heterogêneos e fazem uso de medicamentos que nem sempre são eficazes, além dos efeitos adversos. “Mas é preciso ressaltar que, embora o estudo tenha caráter translacional (com objetivo de chegar a aplicações clínicas), ele foi conduzido em roedores”, antecipa Pedrazzi. 

A popularização e aumento da acessibilidade de medicamentos à base de canabidiol foi ressaltada pelo pesquisador, que destacou o esforço da legislação brasileira na adequação das regulamentações de produção, importação e comercialização desses compostos. Ele cita, como exemplo, a distribuição gratuita, desde o ano passado, de medicamentos com CBD pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado de São Paulo.

Atualmente, informa Pedrazzi, as abordagens terapêuticas do transtorno são multidisciplinares e personalizadas, buscando atender às necessidades individuais de cada paciente, por conta da diversidade de sintomas associados ao TEA. 

Em geral, são utilizadas terapias comportamentais que envolvem fala e linguagem e as terapias ocupacionais, além de –  em alguns casos – serem aplicadas terapias complementares como musicoterapia, arteterapia e equoterapia (terapia assistida por cavalos).

Com esse cenário, equipes de pesquisa vêm buscando alternativas de tratamentos mais efetivos e, conta o pesquisador, nos últimos cinco anos surgiram abordagens científicas de grande impacto em relação ao TEA, como o uso do canabidiol, que já é indicado para o transtorno off-label, “situação na qual o médico avalia o risco-benefício e assume a responsabilidade pela indicação”, diz.

Alternativas

Pedro (nome fictício) é um adolescente de 18 anos que convive com o TEA. Diagnosticado tardiamente, aos 14 anos de idade, viveu a saga de passar por diferentes especialidades médicas e unidades escolares, sem encontrar suporte adequado para sua condição. Como uma tentativa de melhorar sua qualidade de vida, a médica que o acompanha prescreveu o CBD. A situação melhorou bastante, segundo relata a mãe de Pedro. 

A experiência de Pedro com o CBD representa um relato entre outros semelhantes de uso off-label (fora da indicação), não tendo força como evidência científica. Mas as pesquisas têm seguido tais pistas em busca de resultados. 

Desta forma, Pedrazzi destaca a “importância da ampliação dos estudos clínicos para fins de registro, que envolvem mais pacientes, como também estudos multicêntricos”. O pesquisador informa, ainda, que seu grupo de pesquisa acaba de finalizar um estudo clínico, comparando o CBD com placebo em crianças com TEA, com informações significativas que em breve serão publicadas.

Com informações do Jornal da USP