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Carta de João Pessoa: economistas elaboram documento com recomendações para o próximo Governo Federal
07/11/2022 / 23:01
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A conjuntura política e social do Brasil foi debatida na última semana por economistas de todo o país na capital da Paraíba. As discussões aconteceram entre os dias 2 e 4 de novembro, no XXVII Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia (Since), sediado, este ano, em João Pessoa. 

As reflexões e proposituras trazidas ao longo do evento resultaram no documento Carta de João Pessoa – Desafios para a reconstrução do Brasil, que deverá ser entregue aos novos representantes do Governo Federal, encabeçados pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O texto aponta o que os economistas consideram ser prioridade para a “promoção do desenvolvimento com justiça social”. As proposituras apresentadas na Carta vão desde reavaliações de políticas fiscais a retomada de programas sociais. 

O momento para a construção e divulgação do documento é considerado oportuno, de acordo com publicação na página do Conselho Federal de Economia (Cofecon), pois há “milhões de brasileiros desempregados ou em subempregos” no Brasil.

A Petrobras é citada em um dos tópicos da carta, que sugere uma nova política de preços dos combustíveis na empresa. A reversão do que os economistas consideram “estratégia de desmonte” de estatais também é colocada.

“No caso da Petrobrás, alterar a política de formação de preços, que privilegia a distribuição de dividendos, em detrimento dos consumidores, dos projetos de investimento da própria empresa e de sua função social”.

Reforma tributária, controle da inflação, estruturação de matriz energética mais barata e limpa, impostos sobre grandes patrimônios e retomada do Programa Minha Casa Minha Vida estão na Carta de João Pessoa.

Leia, na íntegra, o documento:

Carta de João Pessoa – Desafios para a reconstrução do Brasil

Seguindo atribuições legais de “contribuir para a formação de sadia mentalidade econômica” e “servir de órgão consultivo do Governo em matéria de economia profissional” [Lei Federal nº1.411 – Art.7º], o Cofecon, ao lado dos Corecons, neste XXVII Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia (SINCE), realizado em João Pessoa (PB), de 2 a 4 de novembro de 2022 – diante do cenário internacional instável, como efeitos adversos de crises geopolíticas e sanitárias, com perda do protagonismo brasileiro, num quadro em que o país está de volta ao mapa da fome, milhões de trabalhadores sem emprego ou em subemprego e o endividamento insustentável das famílias e empresas – identifica, como o maior desafio do próximo governo, restaurar instituições e políticas públicas que possibilitem a governabilidade do país voltada para a promoção de elevado crescimento econômico, inclusivo, sustentável, com estabilidade de preços e aumento do bem-estar. O êxito nesse desafio dependerá de uma série de ações, dentre as quais consideramos as mais importantes:

a – Instituir um novo arcabouço fiscal, que acomode política anticíclica e de promoção dos investimentos, da produtividade e da redução das desigualdades. Redefinir o conjunto de regras fiscais,  revogando o teto de gastos que, além de disfuncional, é um mecanismo que inviabiliza qualquer política social ou de crescimento, ao longo do tempo, na medida em que a população cresce, aumentando a demanda por essas políticas, o PIB cresce, expandindo a capacidade de financiamento, enquanto gastos per capita e em relação ao PIB vão ficando cada vez menores.

b – Manter o controle da inflação com taxas de juros menores, por duas linhas de ação. Por um lado, o governo agindo diretamente nos mercados do setor real, com medidas como mudar a política de preços da Petrobras; fazer alterações em impostos indiretos, como os de exportação e importação; recompor estoques regulatórios e estruturar uma matriz energética mais barata e limpa. Por outro lado, fazer interlocuções com o Banco Central para ajustes no modelo de política monetária que permitam praticar taxas de juros mais baixas com efeitos satisfatórios no controle inflacionário.

c -Reaver ativos e investimentos das estatais estratégicas, com avanço nas cadeias produtivas, revertendo a atual estratégia de desmonte, garantindo capacidade de desenvolvimento científico, tecnológico e social. No caso da Petrobrás, alterar a política de formação de preços, que privilegia a distribuição de dividendos, em detrimento dos consumidores, dos projetos de investimento da própria empresa e de sua função social.

d – Realizar reforma tributária que promova a simplificação, reduza a insegurança jurídica e institua a progressividade prevista na Constituição Cidadã de 1988, particularmente com impostos sobre grandes patrimônios, em particular atualizar e melhorar a fiscalização do Imposto Territorial Rural, movimentações financeiras e lucros e dividendos distribuídos, este último com grande potencial arrecadatório, como uma das formas de financiamento das urgentes políticas sociais.

e – Promover o crescimento da renda e o pleno emprego com investimentos em infraestrutura, públicos e por concessão ou PPP, retomada do Programa Minha Casa Minha Vida em grande escala e concessão de crédito, pelos bancos públicos, com taxas significativamente mais baixas. O crédito deve ser direcionado, preferencialmente, a projetos de investimentos de grande potencial de encadeamento e geração de emprego, a consumidores e a micro e pequenas empresas. Tais políticas devem ser mais intensas em locais de renda per capita menor e mercado de trabalho mais frágil, com o propósito de reduzir as desigualdades regionais.

f – Revisar a legislação trabalhista e previdenciária, revogando os itens que facilitam a disseminação do trabalho precário, garantindo os direitos aos milhões de trabalhadores que estão nestas condições.

g – Propiciar o crescimento da produtividade, com persistente aumento da qualidade do ensino em todos os níveis; maiores investimentos públicos e incentivos a privados, em ciência, tecnologia e inovação, com maior articulação entre empresas e centros de pesquisa e condicionados a avaliações e metas. Essencial identificar setores estratégicos, como economia digital, de baixo carbono e níveis de grande conteúdo tecnológico nas cadeias globais de valor.

h – Implementar políticas públicas que reduzam a desigualdade social, começando pelo combate à fome, que atinge 33 milhões de brasileiros. Importa fortalecer os programas assistenciais, compensatórios das carências dos segmentos mais vulneráveis, retomando o Bolsa Família, que é vinculado à frequência escolar e vacinação e pode ser melhorado com sua manutenção temporária após ingresso no mercado de trabalho; o Farmácia Popular; o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o contínuo aprimoramento e abrangência do SUS, explorando todas as potencialidades de desenvolvimento tecnológico e social, no âmbito do complexo econômico industrial da saúde.

i – Incentivar a participação da mulher economista na sociedade. Desenvolver e estimular a capacitação das mulheres e jovens economistas com vistas a reduzir os entraves tais como:  redução salarial e a baixa absorção da mão de obra feminina no mercado. Desenvolver uma agenda pela igualdade de gênero, de acordo com as recomendações do 5º objetivo da Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável da ONU.

j – Fazer gestões junto ao Banco Central, para evitar medidas na área cambial que possam comprometer a estabilidade do sistema financeiro nacional e da taxa de câmbio. Nesse sentido, é fundamental revisar a nova legislação cambial para impedir a abertura de contas em moeda estrangeira no país por residentes e preservar o espaço legal para o controle dos fluxos de capitais estrangeiros.

k – Implementar política de desenvolvimento da agricultura familiar, com a democratização do acesso à terra por meio de uma reforma agrária agroecológica.

l – Colocar a questão ambiental no centro da agenda econômica de forma a garantir o desenvolvimento sustentável, combatendo o desmatamento e queimadas e enfrentando os desafios colocados pela emergência climática. Especial atenção deve ser dispensada à Região Amazônica, que deve ser explorada economicamente com projetos que não degradem os seus biomas.

João Pessoa, 4 de novembro de 2022.