
Um caso não raro, mas pouco comum chamou a atenção de juristas, na última sexta-feira (14), no Ceará. O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) decidiu que o prefeito de Iguatu, Roberto Filho (PSDB), e o vice-prefeito Francisco das Frutas (PSDB) permanecerão em seus cargos, rejeitando o pedido de cassação contra eles, que alegava abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio.
A decisão foi tomada após um empate no julgamento. Três desembargadores votaram a favor da cassação, enquanto outros três se opuseram. O sétimo membro do Pleno do TRE estava impedido de votar.
A presidente do Tribunal, Maria Iraneide Moura Silva, destacou que o impasse representava uma “situação inédita” na Corte. Ela pediu aos desembargadores que se manifestassem sobre a situação, já que não havia precedentes que se aplicassem ao caso.
O desembargador eleitoral Luciano Nunes Maia Freire, autor do voto divergente, argumentou que “o empate beneficia a soberania popular”, ou seja, o resultado das urnas, que elegeu Roberto Filho para a Prefeitura de Iguatu, deveria ser mantido. “Seria inconcebível que um empate gerasse uma punição”, afirmou.
Por unanimidade, o Pleno acolheu esse argumento e decidiu pela improcedência da ação, seguindo o “princípio da soberania popular”. Com isso, Roberto Filho e Francisco das Frutas seguem no cargo de prefeito e vice-prefeito de Iguatu.
Após o julgamento, o prefeito Roberto Filho celebrou a decisão e afirmou que “a vontade do povo prevaleceu”. Em vídeo divulgado nas redes sociais, ele destacou: “Hoje celebramos uma grande vitória: a vontade do povo foi respeitada. Eu e o Francisco seguimos juntos, firmes, do jeito que Iguatu escolheu. O trabalho não para. Vamos seguir cuidando da nossa cidade com ainda mais força, responsabilidade e gratidão.”
ENTENDA O CASO
A ação que levou à investigação tinha como base indícios de que a campanha de Roberto Filho teria ligação com Thiago Oliveira Valentim, conhecido como “Thiago Fumaça”, um integrante de facção criminosa. A advogada Márcia Rúbia Batista Teixeira, presa na segunda fase da Operação Tempestade, deflagrada em setembro de 2024, seria a “coordenadora oculta” da campanha e teria repassado R$ 10 mil a Thiago Fumaça.
Além disso, os políticos foram indiciados pela Polícia Federal por supostos crimes eleitorais nas eleições de 2024, incluindo associação criminosa e “caixa dois”.
Em julho de 2025, o juiz eleitoral Carlos Eduardo Carvalho Arrais, da 13ª Zona Eleitoral de Iguatu, havia cassado os mandatos de Roberto Filho e Francisco das Frutas, acatando as acusações de compra de votos com envolvimento de uma facção criminosa. No entanto, duas semanas depois, o mesmo juiz reverteu a decisão, acolhendo os embargos de declaração apresentados pela defesa e mantendo os políticos nos cargos.
JULGAMENTO NO TRE-CE
O julgamento na Corte regional teve início no final de outubro, quando o relator Wilker Macêdo Lima votou pela procedência das acusações, determinando a cassação dos mandatos e a inelegibilidade dos réus, além de aplicar uma multa de R$ 30 mil.
O julgamento foi interrompido após pedido de vistas feito pelo desembargador eleitoral substituto Luiz Evaldo Gonçalves Leite, que posteriormente declarou-se suspeito para julgar a ação. Antes dele, o desembargador Emanuel Leite Albuquerque também havia se declarado suspeito, conforme informações da assessoria do TRE-CE.
Em novembro, o desembargador Durval Aires Filho substituiu seus colegas e pediu vistas do processo. No dia 11, ele acompanhou o relator, afirmando que as condutas dos acusados prejudicaram a legitimidade da eleição. Ele destacou que a campanha de Roberto Filho utilizou a estrutura de uma facção criminosa para angariar apoio, movimentar recursos e cooptar lideranças, configurando uma “afronta à legitimidade do processo democrático”.
O desembargador Daniel Carvalho Carneiro também votou pela cassação, somando três votos favoráveis ao reconhecimento do abuso de poder econômico.
No entanto, o desembargador Luciano Nunes Maia Freire divergiu, votando pela improcedência da ação e pela manutenção dos mandatos. Ele afirmou que não havia provas conclusivas que ligassem Roberto Filho a qualquer facção criminosa. “Não existe nenhuma evidência de que Roberto Filho tenha sido eleito de forma abusiva, utilizando uma facção criminosa”, argumentou.
O desembargador Maximiliano Machado Cavalcanti também votou pela improcedência do recurso e pela manutenção dos mandatos, alegando “falta de provas contundentes”.
A presidente Maria Iraneide Moura Silva pediu vistas e apresentou seu voto na sexta-feira, seguindo a divergência e destacando que as provas apresentadas eram “insuficientes” para comprovar abuso de poder econômico. “Não podemos admitir que presunções ou indícios, que apesar de graves, não têm uma ligação direta com o processo eleitoral, sejam a base para uma medida tão drástica como a cassação de mandatos e a inelegibilidade”, concluiu.