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Cerveja: por que bebida vai ficar mais cara em 2022 com a guerra na Ucrânia
02/04/2022 / 13:15
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Bebida alcóolica mais consumida pelos brasileiros, a cerveja teve em 2021 a maior alta de preços no país em sete anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A cerveja consumida em casa ficou em média 8,7% mais cara no ano passado, enquanto em bares e restaurantes subiu 4,8%.

As duas variações foram as maiores registradas nestes produtos no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde 2015.

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As perspectivas para 2022 são pouco animadoras, porque a guerra entre Rússia e Ucrânia pressiona os preços globais da cevada e do malte, ingredientes da cerveja.

Os dois países respondem por 28% das exportações globais da cevada, e a Rússia é o terceiro maior fornecedor de malte ao Brasil.

Veio do exterior 78% da cevada e 65% do malte consumidos no país em 2021, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).

O lúpulo, terceiro ingrediente central da cerveja, é praticamente 100% importado atualmente.

Embora Uruguai e Argentina sejam os principais fornecedores de matéria prima cervejeira para o Brasil, assim como no trigo, a alta global de preços causada pela redução da oferta mundial de cereais em meio à guerra tende a afetar todos os compradores.

Um ponto positivo foi a valorização recente do real em relação ao dólar, porque isso ajuda a contrabalançar a pressão no preço das commodities.

Além disso, a Ambev, líder de mercado com 61,6% de participação no Brasil, diz contar com uma proteção de, em média, 12 meses contra variação cambial ou de preços das principais commodities que afetam seu custo de produção.

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Mas analistas avaliam que empresas menores podem ter maior dificuldade com eventual alta de custos, tendo que repassar aumentos para o consumidor ou ter menos lucro.

A alta de preços já é bastante perceptível nas prateleiras e aplicativos de entrega, e os consumidores adotam estratégias para não ficar sem a bebida.

Segundo a empresa de pesquisa de mercado Kantar, os brasileiros têm trocado marcas mais caras, como Heineken, Stella Artois e Eisenbahn, por outras mais populares — e baratas —, com Skol, Brahma, Schin e Itaipava, na contramão do que vinha acontecendo em anos recentes.

Maior inflação em sete anos
De acordo com o Sindicerv, entidade que representa Ambev e Heineken (que juntas produzem quase 80% da cerveja nacional), a alta de preços em 2021 refletiu o aumento de custos da cadeia de produção, principalmente energia elétrica, combustíveis e commodities — o preço da cevada, por exemplo, subiu com a safra menor do que a esperada nos Estados Unidos.

Inflação da cerveja. Variação anual, em %. Gráfico de barras mostra a inflação da cerveja entre 2015 e 2021 Cerveja consumida em domicílio subiu 8,7% em 2021 e a bebida fora de casa ficou 4,8% mais cara .

“A maior parte da importação de cevada do Brasil vem de Argentina e Uruguai”, observa Luiz Nicolaewsky, superintendente executivo do Sindicerv. “Mas, com a quebra de safra nos Estados Unidos, eles avançaram sobre o Mercosul, adquirindo cevada dos países do grupo, o que naturalmente causa escassez para o Brasil, fazendo com que os preços subam.”

O representante da indústria destaca ainda que o setor cervejeiro tem uma frota de 40 mil veículos, portanto a alta de 49% dos combustíveis em 2021 também atingiu em cheio os custos dos fabricantes.

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Pesou ainda a alta do dólar, que saiu de uma média de R$ 3,94 em 2019, antes da pandemia, para R$ 5,16 em 2020 e R$ 5,39 em 2021.

Como o Brasil importa a maior parte das matérias primas da cerveja, isso aumentou fortemente os custos de produção.

Dependência externa. Origem das principais matérias-primas cervejeiras em 2021, em % . Gráfico de barras mostra a origem da cevada e do malte no Brasil 78% da cevada e 65% do malte consumidos no país em 2021 foram importados.

No caso do lúpulo, Nicolaewsky destaca que o preço aumentou também por causa da multiplicação das cervejarias artesanais no Brasil e no mundo, o que ampliou a demanda pelo broto que dá o sabor amargo característico da cerveja.

“Hoje, temos mais de 1,3 mil cervejarias cadastradas no Ministério da Agricultura, então naturalmente cresce a demanda”, diz Nicolaewsky.

Mesmo com essa explosão no número de cervejarias, as três maiores fabricantes — Ambev, Heineken e Petrópolis — ainda representam mais de 90% do mercado nacional, restando a todas as demais apenas 8,4% do mercado.

Mercado cervejeiro no Brasil. Participação das empresas, em %. Gráfico de pizza mostra a participação de mercado das cervejarias no Brasil .

Inflação não é resultado só da alta de custo
Leonardo Alencar, analista-chefe de agro, alimentos e bebidas da XP Investimentos, destaca que os custos não são o único fator na inflação da cerveja. Pesam também o comportamento do consumidor e a estratégia de preço das empresas.

A pandemia mudou os hábitos de consumo, com menos procura por bares, restaurantes, baladas e eventos, e o aumento do consumo em casa.

Isso ajuda a explicar por que a inflação da cerveja consumida em domicílio foi quase o dobro da tomada fora de casa em 2021.

“Outro ponto relevante é que o preço da cerveja, no passado, era reajustado uma ou duas vezes no ano, exceto promoções ocasionais. Hoje em dia, algumas cervejarias — Ambev principalmente — têm plataformas de vendas e entrega, o Bees e o Zé Delivery, em que a gestão é feita de maneira mais estratégica para gerar mais valor”, destaca Alencar.

O Bees é uma plataforma da Ambev destinada à venda para pequenos e médios empreendimentos comerciais, já o Zé Delivery conecta consumidores a vendedores de cerveja da sua região, que entregam a bebida já gelada.

Por meio delas, a empresa conseguem agora reajustar a cerveja mais vezes ao longo do ano e de forma regionalizada.

“Ao invés de ter uma tabela de preços única e subir para o país todo, num ano como 2021, com uma dinâmica muito favorável ao agronegócio, a empresa pode optar, por exemplo, por subir mais os preços fora das capitais. E os indicadores de inflação captam melhor a dinâmica das capitais”, observa o analista.

“Até arrisco dizer que a alta real do preço da cerveja foi maior do que os indicadores captaram por conta desse maior dinamismo da precificação”, afirma.

Pressão nos preços em 2022
Segundo o analista da XP e o sindicato das cervejarias, a pressão nos preços da cerveja é de alta em 2022, mas ela pode ser em parte mitigada pelo câmbio e atingir empresas grandes e menores de formas diferentes.

A estimativa foi feita pela empresa antes da explosão da guerra na Ucrânia, mas a cervejaria disse à BBC News Brasil que as projeções estão mantidas, devido à sua política de proteção de custos (chamada de hedge, em inglês) de 12 meses.

A Ambev declinou pedido de entrevista e disse que não se manifestaria nesta reportagem.

Já a Heineken, mesmo antes da guerra, projetava um crescimento de custos por hectolitro na casa dos 15% em 2022, devido a aumento nos preços de commodities, energia e frete.

“Compensaremos esses aumentos de custo de insumos por meio de preços, o que pode levar a um consumo de cerveja menor”, disse em fevereiro Harold van den Broek, diretor financeiro do grupo, em comentário sobre resultados.

A guerra na Ucrânia acrescenta pressão a esse cenário que já era de aumento de custos na percepção das maiores empresas do setor.

O Brasil é o terceiro maior mercado produtor de cerveja do mundo, atrás de China e Estados Unidos, tendo produzido 151,9 milhões de hectolitros da bebida em 2020, segundo dados do relatório BarthHaas Hop Report 2020/2021, usado como referência pelo Sindicerv.

Produção de cerveja por país. Em milhões de hectolitros, em 2020. Gráfico de barras mostra os maiores países produtores de cerveja .

Na ponta das matérias primas, Rússia e Ucrânia são gigantes, respondendo juntas por 28% das exportações globais de cevada em volume e por 24% em valor.

Os dois países também têm volumes relevante de vendas externas de malte — produzido a partir da germinação da cevada ou outro cereal, cujos brotos são então tostados ou torrados.

Maiores exportadores de cevada. Parcela no volume das exportações globais em 2020, em %. Gráfico de barras mostra os maiores países exportadores de cevada .

Como os preços das commodities variam globalmente e os Estados Unidos devem continuar a competir pela cevada e o malte do Mercosul, a pressão de custos afeta o Brasil.

“O custo da cerveja do mundo subiu, todas as cervejarias estão sendo impactadas por isso”, observa Leonardo Alencar, da XP.

“Mas a região onde o custo é menor é aqui no Brasil e as cervejarias mais verticalizadas [que controlam todas as etapas do processo produtivo], como a Ambev, sofrem menos com a alta de custos. Ela poderá decidir entre não subir tanto os preços e ganhar participação de mercado ou proteger suas margens. Outras empresas, como as artesanais, vão sofrer com a mesma pressão de custos sem a mesma estrutura.”

Como o consumidor responde à inflação
O comportamento do consumidor afeta a dinâmica de preços e vice-versa, porque o avanço da inflação muda o consumo de cerveja.

“Há uma migração de cervejas de alto padrão para as populares, então, diminuiu a quantidade de vezes em que os consumidores tomam cervejas como Heineken, Budweiser e Stella Artois e houve um aumento de outras marcas mais baratas”, observa Hudson Romano, gerente sênior de consumo fora do lar da Kantar.

Ainda segundo o analista, embora o mercado brasileiro de cerveja venha ganhando novos consumidores, a frequência de compra caiu pela metade.

“Por conta do aumento de preços, o consumidor continua bebendo, mas, em vez de beber três vezes por semana, ele bebe uma vez e meia. Essa diminuição no consumo é um problema para a indústria.”

Uma das respostas tem sido o lançamento de novas marcas. A Ambev, por exemplo, investe em um segmento intermediário entre as cervejas de alto padrão e populares, com marcas como Brahma Duplo Malte e Spaten.

“O consumo de cerveja é muito ligado a crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]”, observa Alencar, da XP. “Em um ano em que teremos menos crescimento, há um efeito disso no consumo de cerveja.”

“A pressão inflacionária tira poder aquisitivo, e deixamos de consumir um produto mais caro por um intermediário. Ou trocamos um intermediário por um mais barato. Isso favorece a cerveja em relação às demais bebidas alcóolicas, porque ela é mais barata, e as cervejas populares e intermediárias”, observa.

Os analistas avaliam ainda que o local de consumo deve seguir a mudança do mercado de trabalho. Ou seja, se antes se trabalhava e bebia mais fora de casa, agora a tendência é o trabalho e o consumo híbrido, com mais cerveja sendo bebida em casa.

“Os jovens estão saindo, mas estão indo menos a bares e baladas e mais à casa de amigos e locais públicos”, diz Romano, da Kantar.

“Ainda estamos na pandemia, mas com uma liberdade muito maior que em 2020, estamos botando o pé na água e cada vez mais vamos afundando, até a gente voltar a nadar. Mas, enquanto não estiver 100% seguro, as pessoas vão continuar se preservando.”

Informações: BBCNews