Os chilenos voltam às urnas neste domingo (19) para votar no segundo turno da eleição presidencial, que desta vez chega à reta final extremamente polarizada e acirrada.
Gabriel Boric, de esquerda, e José Antonio Kast, de extrema direita, representam lados opostos do espectro político e disputam cada voto do eleitorado. Segundo uma pesquisa da consultoria AtlasIntel a que a agência Reuters teve acesso nesta quinta-feira, Kast, que levou uma maioria parcial no primeiro turno em 21 de novembro, tem 48,5% das intenções de votos, à frente de Boric, com 48,4%. Quando votos não válidos são retirados da conta, cada candidato fica com 50%, ou seja, há um empate.
As urnas abrem às 8h (hora de Brasília) e fecham às 18h. A expectativa é de que poucas horas depois esteja claro quem é o vencedor.
O novo presidente governará um país com uma nova constituição, agora em elaboração, e marcado pela inflação crescente nos últimos dois anos. Trata-se da primeira eleição presidencial desde que o país foi abalado pelos protestos generalizados contra a desigualdade que renderam meses de marchas e episódios de violência nas ruas, em 2019.
“É uma eleição muito incerta em um ano muito anormal, são dois anos muito anormais a partir dos tumultos sociais, nada é previsível”, opina Kenneth Bunker, diretor da consultoria Tresquintos.
Nenhum dos candidatos conseguiu mais de 28% dos votos no primeiro turno, o que significa que concorrentes dependem dos eleitores mais moderados para obter a vitória.
Desde a redemocratização, iniciada com as eleições populares em 1989 e o fim da ditadura de Augusto Pinochet, as eleições presidenciais sempre tiveram o candidato vencedor do primeiro turno se consolidando como vencedor do segundo turno. Ainda não está claro se a tradição de 32 anos se manterá.
A disputa divide os chilenos entre uma esquerda progressista revitalizada, que cresceu muito desde os protestos de 2019, e um contramovimento de extrema-direita que avaliza a mensagem dura de “lei e ordem” de Kast.
Mais de 15 milhões de chilenos podem votar para escolher o sucessor do conservador Sebastián Piñera. No entanto, no primeiro turno, a participação do eleitorado foi de 47%.
Boric, de 35 anos e formado em Direito na Universidade do Chile, vem do extremo sul do país, de Punta Arenas. É agnóstico, solteiro e sem filhos. Kast, de 55, também é advogado, mas estudou na Universidade Católica. É casado desde 1991 com María Pía Adriasola, tem nove filhos e pertence ao movimento católico Schönstatt.
Com a idade mínima para se candidatar, Boric representa a coalizão Aprovo Dignidade, que reúne a Frente ampla – da qual o candidato faz parte – e o Partido Comunista.
Kast, do ultraconservador Partido Republicano – fundado por ele – venceu o primeiro turno em 21 de novembro e conseguiu alinhar em torno de seu nome todos os partido da direita chilena.
Propostas e desafios
Tanto Boric quanto Kast têm implementado mudanças em seus planos de governo desde que passaram para o segundo turno. Kast, advogado e ex-parlamentar filiado ao Partido Republicano, mantém sua ideia de construção de uma vala nas fronteiras ao norte do Chile. Segundo ele, como informa a RFI, esta seria uma solução eficaz contra a entrada de imigrantes irregulares que chegam a partir das fronteiras com Peru e com a Bolívia.
O candidato republicano retirou do seu programa de governo dois pontos bastante criticados pela opinião pública: a construção de novas termelétricas e a eliminação do Ministério da Mulher e Equidade de Gênero. Além disso, o direitista adicionou alguns pontos, como o tema ambiental, vagamente mencionado anteriormente, mas que continua com poucos detalhes.
O programa de Boric segue centrado em três reformas que ele considera essenciais: previdência, saúde e educação. Há mais três temáticas que permeiam a maioria das propostas: feminismo, crise climática e trabalho digno. O esquedista também adicionou elementos mais moderados ao seu programa, como por exemplo uma reforma tributária, que deve ser capaz de arrecadar o equivalente a 6% do PIB nos quatro anos de governo e com o objetivo de chegar a 8% em oito anos.
Quem quer que vença o segundo turno enfrentará um cenário econômico complexo: após a vigorosa recuperação de 2021, prevê-se uma desaceleração do crescimento e um aumento da dívida pública chilena no próximo ano.
Kast e Boric representam projetos antagônicos na economia.
Enquanto o jovem deputado de esquerda é liberal em temas sociais e defende “um Estado de bem-estar” ao estilo europeu na área econômica, seu adversário, um advogado de 55 anos, defende o modelo econômico neoliberal e tem uma visão ultraconservadora em temas sociais, expressa em sua oposição ao aborto e ao casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Kast propõe uma redução dos impostos às grandes empresas e manter o sistema de pensões privado. Boric planeja uma reforma tributária que inclua maior taxação dos super-ricos e à alta renda para arrecadar 5% adicionais do PIB, que se destinaria a ampliar a participação do Estado na provisão de seguridade social.
O candidato de esquerda é favorável a um novo sistema de pensões que substitua o herdado da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), um tema central na sociedade chilena e que tem sido uma das principais reivindicações dos protestos sociais nos últimos anos, pelas baixíssimas aposentadorias que pagam.
“O modelo de Kast é mais amigável com o mercado”, enquanto Boric tem “uma grande desconfiança com o setor privado”, diz o economista da Escola de Negócios da Universidade Maior, Francisco Castañeda.
Na reta final para o segundo turno, os dois candidatos moderaram seus discursos, sobretudo no âmbito econômico, integrando novos assessores a suas equipes, em busca de atrair eleitores do centro.
De fato, economistas renomados que acompanharam os anos dos governos da Concertação de partidos de centro-esquerda após a ditadura, marcados por grande prosperidade, declararam apoio a Boric no segundo turno, entre eles Ricardo French-Davis.
Inicialmente, Boric propunha uma reforma fiscal que arrecadaria 8% do PIB e agora quer 5%, enquanto Kast introduziu gradualidade a seu alívio de 27% a 17% do imposto às grandes empresas.
Após registrar uma queda de 5,8% em 2020 em consequência das restrições sanitárias motivadas pela pandemia, o Chile terminará 2021 com uma expansão do PIB em torno de 11,5%.
Boa parte desta recuperação se deve ao forte aumento do consumo privado, após os bônus estatais pagos pela pandemia e os três saques antecipados dos fundos privados de pensões (de até 10% de cada vez), aprovados pelo Congresso devido à forte pressão popular.
Além disso, desde meados do ano foram retomadas em grande parte as atividades econômicas depois que uma campanha de vacinação anticovid bem sucedida, impulsionada pelo governo do Sebastián Piñera, conseguiu alcançar mais de 90% da população-alvo.
Como primeiro produtor mundial de cobre, o Chile se beneficiou também da alta internacional do metal, puxada pela demanda chinesa.
Apenas os saques dos fundos de pensões representaram uma injeção de US$ 50 bilhões, enquanto o governo destinou até dezembro 3 bilhões de dólares mensais para pagar o bônus Renda Familiar de Emergência (IFE, na sigla em espanhol).
Para 2022, espera-se que o Banco Central volte a aumentar as taxas de juros para conter a inflação, que encerrará o ano em torno de 6%, o dobro de sua meta. Além disso, a entrega dos IFE será suspensa.
Qualquer que seja “o candidato que chegar à Presidência no ano que vem, terá que se encarregar de um cenário macroeconômico complexo, no qual terá que calibrar a retirada do estímulo fiscal”, acrescentou Ortiz.
Informações: G1