EVERTON LOPES BATISTA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O médico e cientista Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), tem experiência com atuação na construção de políticas científicas para o país há mais de uma década.
Na chefia da instituição que é hoje uma das principais financiadoras de ciência do país, Zago critica os cortes de recursos de ciência e a educação e defende que governantes passem a olhar para o conhecimento científico como fonte de riqueza. Para ele, ciência e tecnologia podem dar um futuro para o país em meio a um período de incertezas.
Em entrevista por videoconferência, ele falou sobre sua visão para a ciência brasileira e sobre a atuação mais recente da Fapesp, que completa 60 anos em 2021.
Pergunta – Quais os pilares da atuação da Fapesp nos últimos anos?
Marco Antonio Zago – A Fapesp acabou se tornando a principal agência financiadora de ciência no país. A estabilidade que a Fapesp tem permite fazer planos de longo prazo. Podemos planejar o futuro e fazer programas que demoram para ser desenvolvidos. Faz quase 20 anos que a Fapesp mantém um conjunto de centros de pesquisa com financiamento estável voltado para temas importantes, como a terapia celular ou uso da genômica na medicina.
Além disso, a fundação emprega cerca de 30% de seu orçamento para a formação de recursos humanos, com bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Nos últimos anos, a Fapesp passou a fazer outro tipo de financiamento, também importante, voltado para a inovação, para produtos de emprego mais imediato.
Ela atua ainda na ciência básica. É aquela ciência que se nós não apoiarmos ninguém mais vai apoiar; é a nossa missão. Se o pesquisador tem um projeto para estudar a origem do Universo e os cientistas que analisam o projeto acham que o projeto é bom e vale a pena, nós financiamos.
Como foi a atuação da Fapesp durante a pandemia?
MAZ – No início, nossa primeira ação foi chamar pesquisadores que já tinham projetos com a Fapesp para pesquisar sobre a Covid-19, e alguns projetos foram liberados em 15 dias. Depois, apoiamos empresas inovadoras e startups. Financiamos os testes clínicos da Coronavac e ainda financiamos outras pesquisas relacionadas às vacinas contra a Covid.
É importante notar que a Fapesp já vinha financiando um bom número de pesquisas sobre vírus como dengue, zika etc. Quando a Covid, que é uma virose, chegou, a resposta foi rápida. Foi assim que tivemos um sequenciamento rápido do vírus aqui no Brasil.
O laboratório, os pesquisadores e a rede de colaborações entre os cientistas já estavam disponíveis, a infraestrutura preparada anteriormente com apoio da fundação permitiu essa resposta.
Em 2020, um projeto de lei encaminhado pelo governo de João Doria (PSDB-SP) à Assembleia Legislativa previa a retirada de recursos das universidades estaduais e da Fapesp (PL 529/2020). O projeto inicial determinava que o superávit financeiro das autarquias e fundações fosse transferido ao final de cada exercício ao tesouro estadual, o que poderia ameaçar os projetos de pesquisa mais longos. Depois, o projeto foi aprovado, mas poupando os recursos da Fapesp.
Como o sr. viu esse movimento do governo?
MAZ – A origem foi uma preocupação do governo com queda de arrecadação e falta de recursos que poderiam vir com a pandemia. Isso não é novidade; desde que eu acompanho a vida da fundação, há tentativas de manobrar recursos para outras finalidades, o que nunca se concretizou.
O governo do estado, de uma forma ou de outra, sempre respeitou esse limite porque a Fapesp é vista como um patrimônio da população paulista. Esses movimentos fazem parte da história. O governador apoia a Fapesp e garantiu que não teremos interferências nos recursos.
Temos uma fuga de cérebros hoje, com jovens capacitados escolhendo ir embora do país. O que pode ser feito para reverter essa situação?
MAZ – A perda desses jovens traz prejuízo enorme para o país. Eles não fazem isso por egoísmo, mas o panorama está ruim. A economia ainda está muito embaçada; não há evidência clara de que iremos recuperá-la.
A vida nas universidades também está se tornando muito difícil, principalmente fora do estado de São Paulo. Existe desânimo e falta de recursos, e não tem perspectiva de melhora. Os jovens podem pensar que ficando aqui estariam afundando suas vidas.
Essa perda se dá ao longo do tempo. Vamos perdendo qualidade, perdendo profissionais, e logo não teremos mais gente pensante nas universidades e nas empresas tecnológicas.
Como mudamos? Precisamos transformar a perspectiva da economia do país. As principais perdas de recursos dentro do governo federal atingiram ciência, tecnologia e educação. Ora, sem ciência e tecnologia não há futuro para o país.
Os governantes devem adotar novas políticas de apoio para garantir o futuro. Não adianta ficar o tempo todo preocupado com manobras econômicas, primeiro precisamos criar o dinheiro, e o que cria o dinheiro é a ciência e a tecnologia, é a competição nessa área.
RAIO-X
Marco Antonio Zago, 74
Presidente da Fapesp, é formado em medicina pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi reitor da USP, presidente do CNPq e secretário estadual de Saúde de São Paulo.