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O voto evangélico
26/07/2024 / 09:39
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O eleitorado evangélico é crescente e decisivo na maior parte das cidades brasileiras. Portanto, estudar seu perfil e estender o seu comportamento é essencial para quem tem a missão de conduzir o marketing das campanhas eleitorais que se avizinham.

Este artigo está baseado em dados de pesquisas da Real Time Big Data, gentilmente fornecidas pelo seu diretor Bruno Soller, que tenho a honra de partilhar a amizade.

O que poderia ser chamado de ¨voto evangélico¨ consiste na escolha eleitoral motivada por estímulos políticos adquiridos no interior do grupo religioso.

Vale uma ressalva. As pesquisas mostram que 74% dos evangélicos são pentecostais ou neopentecostais, se destacando a Assembleia de Deus, a Universal do Reino de Deus e a Quadrangular. 21% são protestantes históricos – reformistas clássicos e tradicionais -, sobressaindo os Batistas, Presbiterianos, Luteranos e Metodistas e 5% são de outras denominações.

Este dado mostra que existe uma grande diversidade entre os evangélicos. E que demograficamente não existe um bloco homogêneo entre eles. Existem muitas igrejas e denominações que se entendem filiadas a uma tradição antiga da Reforma Protestante, que mais recentemente se somam as chamadas igrejas neopentecostais. Com o passar do tempo e o aumento da diversificação é bastante difícil reunir todos em um grupo “evangélico” na acepção clássica. Contudo, analiticamente, vale tentar…

Nos últimos anos a população evangélica cresceu e muito no Brasil – eram 9% em 1989, foram para 16% em 2000 e em 2024 já são 35% da população. Neste segmento há mais mulheres (58%) que homens (42%); predomina a idade dos 35 aos 59 anos; há uma concentração no Sudeste (43%), sendo que 25% estão no Nordeste, Sul (15%), Norte (10%) e Centro-Oeste (7%). 58,7% fazem parte da classe C, 19,6% das classes D e E e um pouco mais de 20% das classes A (1,4%) e B (20,3%). Fazendo a conta,  78,3% dos evangélicos pertencem as classes C/D/E, ou seja, são pobres ou de classe média baixa.

Um dado chama atenção nas pesquisas: 65% dos evangélicos acreditam que exista preconceito contra eles no Brasil. Esta percepção, por si só, já reforça uma certa ideia de pertencimento a um grupo minoritário e diferente, por ser perseguido, excluído, socialmente marginalizado. Esse sentimento aproxima as pessoas que fazem parte desta população, aumenta o que é sociologicamente chamado de senso de pertencimento, intensifica a coesão do grupo. E politicamente aumenta a chance deste grupo votar de modo mais coeso.  

Outros dados são igualmente interessantes: 52% dizem que existe uma ¨ditadura¨ do politicamente correto na mídia e 76% acham que os valores morais estão sendo destruídos no Brasil. Uma outra sondagem mostra que 71% se consideram mais conservadores que o conjunto da população. Estas informações confirmam existência de algum grau de coesão social entre eles a partir do compartilhamento dos mesmos valores e a percepção da existência de uma ameaça externa à visão de mundo do grupo, aos padrões da sua moralidade.

Politicamente as pesquisas revelam traços interessantes dos evangélicos: 56% consideram importante eleger deputados e senadores para o Congresso e 88% acham importante que os candidatos (a presidentes, governadores ou a prefeitos) acreditarem em Deus e 94% consideram importante saber a religião do candidato. Ou seja, a religião é um fator considerável para o candidato merecer a confiança e o voto deste público.

As pesquisas nacionais confirmam que a influência do pastor da igreja tem alguma relevância para os evangélicos – 40% disseram que ¨o representante da igreja apresentou ou sugeriu o voto em algum candidato¨ e que esta indicação teve algum grau de influência na decisão do voto. Contudo, 60% (o grupo majoritário) negou a existência de tal (e bastante propalada) influência.

Uma pesquisa feita pelo DataFolha em 2.024 aponta algumas diferenças no comportamento dos evangélicos paulistanos (mesmo que seja difícil dizer se este comportamento é local ou poderia ser mais geral, refletindo o comportamento do conjunto dos evangélicos brasileiros). Para 56% dos moradores da capital de São Paulo melhor seria se o líder da igreja não apoiasse um candidato durante o período eleitoral. Indicar diretamente quem o fiel deve eleger seria ainda pior para 70%. 76% dizem ser contra uma recomendação do pastor para não votar em alguém. Por fim, oito em cada dez evangélicos paulistanos afirmam nunca ter escolhido um candidato sugerido pelo cabeça da igreja, e 90% responderam que tampouco se sentiram pressionados a fazê-lo. (Pesquisa DataFolha 2024/Evangélicos, cidade de SP)

Entretanto, alguns estudos mostram que o maior grau de participação em cultos com forte carga emotiva e o hábito de frequentar as atividades da Igreja são fatores que explicam uma maior influência dos pastores e outros membros da igreja na decisão do voto dos fiéis. Enquanto o primeiro refere-se à forma carismática de as lideranças se comunicarem com os fiéis, o segundo reporta-se à densidade das interações que ocorrem no contexto religioso. Estas descobertas revelam que existe algum grau de heterogeneidade no comportamento eleitoral evangélico.  

O voto no Brasil crescentemente está vinculado a múltiplos fatores que devem ser analisados e ponderados para se entender o comportamento. Nestes termos, ninguém é apenas evangélico. As pessoas são mães ou pais, mulheres ou homens, trabalhador/a, líderes comunitários, ricos ou pobres, etc. Ou seja, aspectos como classe social, escolaridade, região, gênero, idade, morar em determinado bairro, dentre outras diferenças sociais e políticas coexistem com as práticas e as identidades religiosas. Estas variáveis se imbricam na hora da pessoa decidir em quem votar.

Mesmo que não haja um único determinante do voto evangélico, as pesquisas e os resultados das últimas eleições e a polarização que foi se consolidando no Brasil a partir de 2018 vem fazendo surgir um crescente alinhamento de parte desse eleitorado com pautas conservadoras e simbologias que sintetizem ameaças morais ao grupo. Estes resultados permitem supor, a título de hipótese, que a coesão social entre os evangélicos vem aumentando e que esta maior coesão vem se refletindo em um voto mais estruturado para uma determinada vertente ideológica, notadamente mais à direita.  

Da mesma forma é possível pensar que a polarização produziu uma maior identificação deste grupo social com candidatos ideologicamente mais à direita e que defendem e se alinham a pautas comportamentais mais conservadoras. Não por acaso, setores da direita vem conseguindo alcançar uma performance melhor entre os evangélicos.

O voto evangélico pró-Bolsonaro tanto em 2018, quanto em 2022, confirmam esta tese. Antes de 18 não era possível se identificar de forma tão nítida uma tendência eleitoral pró- direita e a seus candidatos com tanta nitidez e coesão.

Resumindo: a polarização ajuda a aumentar a coesão social do grupo evangélico, e a maior coesão produz um maior alinhamento ideológico de viés conservador e um  voto nos candidatos mais a direita.   

A conclusão é que seria importante avançar em novas pesquisas e análises sobre o comportamento político e eleitoral deste grupo cada vez maior e mais expressivo no Brasil. Desconhecer a força e o poder de influência dos evangélicos é um erro primário. É muito mais inteligente por parte dos consultores de marketing um aprofundamento da compreensão das formas de comunicação, dos códigos, das crenças e dos valores, da linguagem e dos pontos causadores de rejeição destes grupos do que seguirem, como muitos ainda o fazem, no preconceito e na ignorância.   

RODRIGO MENDES é estrategista de marketing e comunicação pública com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições e lideranças. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.     

sobre
Rodrigo Mendes
Rodrigo Mendes

RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.

Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.