As agências de publicidade no formato que conhecemos hoje não existirão mais no futuro. Ou mudam ou morrem! As inovações trazidas pela Inteligência Artificial (IA) não deixarão nada de pé.
Hoje são disponibilizadas diversas ferramentas de IA, muitas delas gratuitas ou a preços razoáveis, que conseguem desenvolver tarefas que até então exigiam profissionais de comunicação e publicidade. Há ferramentas especialistas em redigir, gerar conteúdo (cada vez mais customizado), converter textos em vídeos, melhorar a qualidade das imagens, criar apresentações e sites, criar músicas, escrever livros e novelas, criar posts para redes sociais, etc.
A era da inteligência, da indústria 4.0 é marcada além da IA, pela robótica, computação cognitiva, Big Data, realidade aumentada, impressão 3D, internet das coisas, dentre várias outras tecnologias disruptivas. Mas essa revolução não se define por estas tecnologias isoladamente e sim pela sua convergência e sinergia.
No campo da comunicação, o conceito de convergência também é fundamental para se entender as mudanças profundas que estão em curso. Segundo Jenkins, a convergência seria “o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências (…)”. O fenômeno da convergência é mais do que apenas uma mudança tecnológica, altera a lógica pela qual consumidores e cidadãos processam e usam informações, produtos e serviços.
Do conceito de convergência surge a prática do cross-mídia e do transmídia, com o uso de múltiplas mídias e a transição de conteúdos entre elas. As mídias potencializam o alcance da mensagem, aumentam a presença e a visibilidade de um produto ou marca em vários ambientes ao envolver ao máximo os usuários em uma narrativa ou conteúdo. A narrativa transmídia seria, portanto, a expansão ou ramificação de um conteúdo em várias mídias, como pedaços de um quebra-cabeça, onde o consumidor é levado a interagir com essas várias mídias para apreender a totalidade da história/conteúdo.
A comunicação precisará ser mais inteligente para sobreviver nesse novo ambiente. Ao interagir com o cliente, a empresa deverá ter o máximo de conhecimento possível a seu respeito, do contrário não fará ofertas relevantes e pertinentes. A reputação das marcas nos dias atuais é muito mais fruto da experiência dos clientes e da mútua influência gerada pela interação dos clientes conectados em rede. Os dados gerados a partir do monitoramento dessas conversas nas redes sociais ou nos aplicativos de mensagens são tão importantes quanto aqueles advindos de sistemático esforço de coleta, como por exemplo, através de pesquisas de mercado.
O atendimento também precisará se dar em múltiplos canais (omnichannel), de forma integrada, garantindo uma experiência única e uniforme. É o consumidor que escolhe o canal, não é mais a empresa que o determina. Reforçando, a reputação da marca é cada vez mais dependente dessa experiência. E, para isso, todos os serviços precisam ser cross-channel.
A forma como a agência trata, analisa e usa esses dados, transformados em ativos, é que faz toda a diferença na sua capacidade de ajudar seu cliente a criar estratégias de comunicação e marketing que realmente tenham capacidade de dialogar com seus públicos e converter investimentos de mídia em venda, posicionamento ou reputação. Esta capacidade é o que faz com que a empresa se mantenha na dianteira da curva da mudança.
Como as agências de publicidade estão se transformando para se adaptarem aos novos tempos? A inteligência de dados está de fato mudando a forma como se faz propaganda? Elas estão preparadas para essa transformação? O que é preciso mudar na cultura das agências de propaganda para que elas se tornem, de fato, mais inteligentes?
Uma das bases da Nova Economia é o Big Data, a explosão do volume de dados, associado ao aumento da capacidade de armazenamento, processamento e análise, especialmente de dados não estruturados. Quantas agências de publicidade no Brasil hoje estão devidamente capacitadas a processar, armazenar, programar algoritmos e analisar grandes volumes de dados e, a partir deles, gerar inteligência para o negócio dos clientes? Quantas dispõem de profissionais qualificados nessa área? Quantas conseguem converter dados em informação estratégica para seus clientes?
Agências de publicidade, até pelo fato de atuarem no ramo da persuasão, sempre foram prolixas em gerar belos discursos sobre suas pretensas práticas e produtos. No entanto, poucas são as que realmente conseguem entregar o que prometem.
Agências de publicidade são empresas moldadas na era industrial. São linhas de montagem projetadas para fazer campanhas, anúncios, slogans, jingles, roteiros para comerciais, textos e imagens. Como os prazos são cada vez mais curtos e as exigências maiores, o modelo taylorista/fordista acaba sendo funcional. O núcleo das agências era, e ainda é na maioria dos casos, o Departamento de Criação. Agências são fazedoras de tarefas, devidamente registradas em softwares burocráticos que medem tempos e movimentos. O critério é, muitas vezes, a simples aprovação do cliente. Uma aprovação qualitativa e superficial, “o cliente gostou, elogiou a campanha”. E, é preciso ser dito: boa parte dos clientes sabe muito pouco sobre o comportamento dos seus consumidores e das suas jornadas de decisão. É comum que desconheçam problemas graves de mercado e de marketing. O grande desafio é, portanto, romper com o modelo industrial e mergulhar de cabeça na era da inteligência. Abandonar o mecanicismo tarefeiro e adquirir forte capacidade de pensar.
Para isso é necessário entender profundamente as mudanças radicais de consumo de mídia e de conteúdo. E não se está falando apenas de comunicação, e sim de novas formas de sociabilidade, mediada ou não. É preciso entender a cabeça do consumidor para saber a hora exata de abordá-lo na sua nova jornada. Na sociedade supercomunicativa, como a definiram na década de 90 Al Ries e Jack Trout, a disputa pela atenção, cada vez mais dispersa, gera uma profunda necessidade de foco. Planos de comunicação que contemplem as mesmas surradas formas de mídia paga, convertem cada vez menos. Basta fazer pesquisas de recall, retenção de conteúdo, convergência e conversão para se constatar isso. Os profissionais de mídia estão aptos a compreender essas agudas transformações? Conseguem fazer verdadeiramente a imbricação necessária do on com o off? Trabalham crossmidia ou transmídia? A agência precisa mudar radicalmente a forma de pensar a mídia e passar a raciocinar de forma integrada, convergente e holística, colocando as metas do cliente como os principais norteadores.
O que mudar no formato e na cultura da agência para que haja a transformação necessária aos novos tempos? Em primeiro lugar, desenvolver uma mentalidade de dados. A informação é um ativo fundamental que precisa nutrir de estratégia o marketing. Para isso, é fundamental que se deixe de encarar a comunicação como arte ou como poesia. Uma campanha baseada numa “sacada genial”, que gera prêmios que inflam o ego criativo, não pode ser mais critério de performance. A publicidade é um ofício pragmático e utilitário, com uma finalidade mercadológica absolutamente clara – gerar resultado para o cliente.
A forma de remuneração da agência baseada nas comissões e no volume de mídia, também, precisa ser repensada urgentemente. As agências estão capacitadas para trabalhar com métricas de desempenho? Demonstram o retorno sobre o investimento (ROI/RUAS/KPIs, etc.) no on e no off? Conseguem fazer campanhas que convertam e aumentam as vendas? Comprovam de forma quantitativa que o trabalho desenvolvido para o cliente o ajuda a se posicionar melhor no mercado, aumentando a sua competitividade? Mudanças agudas estão em curso e muitos clientes já estão percebendo que tem alguma coisa errada.
Competências novas precisam ser incorporadas nas agências (e ensinadas nos cursos de publicidade), como: analisar dados quantitativos (sobretudo) e qualitativamente, traduzir informação em inteligência e estratégias persuasivas, saber extrair insights e narrativas dos dados, entender profundamente a psicologia e o comportamento humano, incorporar na sua rotina as descobertas da neurociência e do neuromarketing, entender métricas de desempenho, ter formação em planejamento e marketing, compreendido como um conjunto estruturado – esquematicamente representado por Jerone MacCarthy pelos 4Ps: a praça, o preço, a promoção e o produto.
Ou seja, é necessário que a agência entenda a complexidade do negócio do cliente e não apenas de promoção, porque muitas vezes o problema não está na comunicação. Pode estar na distribuição, o produto anunciado não está disponível no ponto de venda; no atendimento que não oferece uma experiência positiva; no preço, definido de maneira equivocada; pode estar na concorrência, que está mais ativa; ou no produto, que não entrega o que a propaganda anuncia. É a agência como consultoria, parceira no negócio do cliente.
A nova agência, adaptada aos tempos atuais, precisa se estruturar como uma espécie de célula multidisciplinar, capaz de absorver fortemente informação do meio ambiente, processar e transformar esses nutrientes em estratégias e táticas de comunicação e saber medir resultados, entregando performance para o cliente. O único indicativo de sucesso é o resultado para o cliente, não há outros. Claro que combinado com o lucro da agência. Nessa célula, o planejamento assume um lugar central. É o planejamento, juntamente com o braço de inteligência, que vai criar, com base em informações de mercado, a estratégia de comunicação. É o chamado marketing baseado em dados. À criação cabe dar forma inventiva e inovadora à estratégia.
Algumas agências já estão fazendo o seu dever de casa e buscando implementar a transformação digital, com maior ou menor competência e profundidade. Outras ainda estão presas na Era Industrial e relutam em mudar. Com certeza pagarão um alto preço.
Se algum dia lhe disseram que mudar era tarefa fácil, com certeza, ou tratava-se de propaganda enganosa ou de autoajuda barata. Mudar não é e nem nunca foi tarefa fácil. Sobretudo quando a mudança é impositiva e precisa ser urgente. Mas a alternativa é uma só: ou se muda ou se morre!
RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.
Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.