
Em qualquer sociedade minimamente racional, segurança pública não nasce de improvisos. Ela se sustenta em um princípio simples e comprovado pelas nações mais seguras do mundo: apenas o Estado pode portar armas. Não o cidadão comum, não o criminoso, não a fantasia da autodefesa. A arma é monopólio da lei. É assim no Japão, na Inglaterra, na Austrália, na Noruega, na Dinamarca. E funciona porque não há atalhos ideológicos nem exceções travestidas de direito individual. Há política pública, coerência e responsabilidade coletiva.
No Japão, a taxa de homicídios permanece abaixo de um caso por cem mil habitantes. O acesso a armas é tão restrito que envolve exames, testes, renovações e checagens que duram meses. No Reino Unido, a polícia de rua sequer anda armada e, ainda assim, ostenta alguns dos menores índices de violência do planeta. Na Austrália, o aperto das regras após 1996 reduziu drasticamente crimes violentos. Nos países escandinavos, a lógica é idêntica: a sociedade confia no Estado porque o Estado cumpre o papel de controlar os instrumentos de força.
Alguém pode argumentar que, em certas cidades europeias, já não se anda com tranquilidade por causa de batedores de carteira. Isso é verdade. Mas é preciso observar o que realmente importa: esses furtos ocorrem com arma em punho? A resposta é não. O risco existe, mas a probabilidade de um cidadão ser abordado sob a mira de um revólver é praticamente nula. Até o crime tem limites porque a circulação de armas não é tolerada.
A pergunta inevitável é: por que o Brasil insiste em ignorar o óbvio? Por que discutimos tudo, menos a base que realmente funciona no mundo civilizado? A cada ano, milhares de brasileiros são mortos e, ainda assim, seguimos presos à ilusão de que mais armas nas ruas produzirão mais segurança. É o contrário. Quanto mais armas, mais violência, mais intimidação e mais poder para o crime. O criminoso sabe que a chance de ser preso é baixa e entende que um território armado amplia sua margem de ação.
Não se trata de idealizar outros países, mas de reconhecer que eles fizeram escolhas claras. O Estado é o único autorizado a portar armas. O cidadão é protegido pelo sistema. O criminoso é reprimido pelo sistema. Não há brechas, não há gambiarras, não há discursos mágicos. Aqui, porém, vivemos um debate circular que transforma segurança pública em disputa eleitoral e evita enfrentar o essencial. Direita e esquerda brigam sobre tudo, menos sobre o que realmente reduz mortes.
O resultado é conhecido. Seguimos lamentando a distância entre o país que poderíamos ser e o país que insistimos em ser. Uma sociedade que normalizou a violência, convive com o absurdo e tenta resolver problemas complexos com soluções improvisadas. Enquanto recusarmos o óbvio que sustenta as nações seguras, a gambiarra continuará sendo nossa política de segurança. E a gambiarra, como sempre, continuará administrando a nossa vida.