Não existe uma resposta única para a pergunta acima. A decisão de voto é um fenômeno complexo, um emaranhado de fatores e variáveis que se conectam.
Os modelos teóricos atuais são insuficientes para explicar o comportamento eleitoral, especialmente se pensarmos que, depois das grandes mudanças provocadas pela emergência da internet, das redes sociais e da massificação dos smartphones, surge um novo ecossistema de comunicação.
Como as mudanças no ecossistema de comunicação alteram a decisão do voto? O que mudou nos hábitos de mídia do eleitor? Qual é esse novo ecossistema de comunicação?
Segundo pesquisa da FGV/2023, o Brasil possui uma média de 2,2 dispositivos digitais por habitante. Existem cerca de 464 milhões de aparelhos no Brasil. Não seria um exagero dizer que, quase todo mundo tem WhatsApp – 99% dos smartphones brasileiros tem o aplicativo de mensagens instalado (Pesquisa da Mobile Time/Opinion Box/2021).
No livro A Biografia do Abismo, de Felipe Nunes e Thomas Traumann, são revelados dados de pesquisas da Genial/Quaest confirmando que, em 2023, a TV continua tendo sua importância como fonte de informação política para 37% da população brasileira, mas as redes sociais cresceram muito (28%) e se somados aos 12% que se informam através de sites, blogs e portais na Web, ultrapassa a TV.
Contudo, em uma outra sondagem da Genial/Quaest (agosto /23) pode-se notar que entre as pessoas com idade entre 16 e 34 anos, 45% usam as redes sociais para se informar (que podem ser somados aos 12% que utilizam Sites, Portais e Blogs), ou seja, entre os mais jovens, 57% se informam através da internet. Já entre aqueles com mais de 60 anos, 59% se informam sobre política através da TV e 14% através de “outras formas” (provavelmente aqui estão o rádio, os jornais impressos, as conversas etc.). Veja a diferença de uso da internet para informação entre jovens e idosos – 57% para 15%. São dois mundos completamente diferentes em termos de comportamento relacionado à mídia.
Esta mesma pesquisa da Genial/Quaest confirma que o WhatsApp é a rede social mais utilizada pelos brasileiros com mais de 16 anos – 90% utilizam o aplicativo de mensagens. Na sequência aparecem o Youtube com 73%, Facebook (66%), Instagram (65%), TikTok (40%), Kwai (23%), Telegram (18%) e Twitter (15%).
Outras pesquisas aprofundam esta realidade (agora do Instituto Locomotiva/2021): 34 milhões de brasileiros estão desconectados e 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias. Ou seja, no Brasil, predominam os desconectados, os parcialmente conectados (44.8 mil) e os sub conectados (41.8 mi). E existem ainda duas variáveis que se somam às precariedades já apontadas que dificultam ainda mais a comunicação através da internet no Brasil. Primeiro, em função do tipo de serviço que se adquire, o acesso à internet e à determinadas redes socais é limitado. Segundo, e mais importante, a limitação do tamanho do pacote de dados. Uma outra pesquisa realizada pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, com o instituto Locomotiva, de 2021, aponta que entre os usuários para os quais o pacote de dados contratado não foi suficiente para o último mês, 74% afirmaram que acessaram a internet somente em locais onde puderam acessar a rede por meio de Wi-Fi. Assim, estes consumidores acabam por adotar práticas de “autoprivação” para evitar o consumo do pacote de dados.
Depois do entendimento mínimo sobre o novo ecossistema de comunicação, voltemos à pergunta: o que sabemos hoje sobre o processo de decisão de voto?
As descobertas da Neurociência e da Psicologia Cognitiva confirmaram que o pensamento racional não precede a emoção. Não sentimos porque pensamos, nesta ordem. É o contrário. As emoções precedem a percepção consciente. A grande parte dos pensamentos e sentimentos que influenciam o comportamento eleitoral ocorrem na mente inconsciente.
Em The Reasoning Voter, Samuel Popkin faz uma análise do comportamento eleitoral a partir das referências da psicologia cognitiva, da economia e da sociologia. O argumento central: o eleitor médio tem pouco envolvimento e interesse pela política e tende a recorrer a atalhos cognitivos e informacionais com o objetivo de reduzir o custo de se informar.
Todas as pesquisas com o eleitor brasileiro confirmam: no Brasil o nível de interesse por política é baixíssimo. O acesso e o domínio de informações políticas são muito pequenos. O eleitor médio tem baixo envolvimento em atividades políticas, baixa identidade e adesão aos partidos e instituições políticas. Resumo – eleitor mobiliza e disponibiliza pouca atenção e pouco tempo para a mensagem política.
Segundo Popkin, indivíduos são movidos pela maximização do seu bem-estar e da melhora de sua situação de vida. Assim, as impressões e os sentimentos pessoais acerca das suas condições de vida (econômicas e sociais) são atalhos para se avaliar a performance de governos e candidatos. Exemplos: o eleitor chega a conclusões gerais sobre a economia a partir dos preços dos alimentos no supermercado, ou das condições de saúde pública do estado a partir de um atendimento no hospital ou na unidade de saúde da sua cidade. Ou da segurança do país tendo como referência as notícias no jornal da TV ou as que chegam através de grupos de WhatsApp.
O cidadão constrói a sua realidade, molda a sua visão de mundo a partir das suas percepções pré-existentes adquiridas na vivência cotidiana. As informações adquiridas através da mídia fazem um “link”, confirmando ou não suas percepções pré-existentes. Também para economizar tempo e atenção, os eleitores médios preferem recorrer a pessoas de confiança e acreditar nas informações já processadas e referendadas por aqueles que consideram experts ou autoridades no assunto. São esses especialistas que apontam ao eleitor o que é não relevante e o que merece atenção. Estes líderes de opinião seriam “pontes” entre os eleitores e as informações disseminadas pelos meios de comunicação e pelas campanhas.
Em tese, os partidos políticos seriam ou deveriam ser atalhos cognitivos. Não é exatamente o caso brasileiro. Outro atalho clássico é a ideologia. O fenômeno da polarização dialoga com essa questão.
Para Popkin, a decisão de voto se baseia em uma “racionalidade de baixa informação” ou “racionalidade instintiva” fundamentada nas experiências passadas do indivíduo, nas suas crenças, seus valores e em seus conhecimentos (adquiridos através das conversas, da imprensa, das campanhas). As campanhas eleitorais são acompanhadas pelos eleitores de maneira irregular, inconstante e superficial. Basta ver os dados de audiência dos programas do Horário Eleitoral Gratuito para se confirmar isso. Na maioria das vezes essas informações estão dispersas, desorganizadas, descontextualizadas e cheias de lacunas na mente do eleitor.
No contexto de baixo interesse pela política, de decisões de “racionalidade instintiva”, o eleitor projeta suas próprias crenças e valores sobre a oferta de candidatos disponíveis e, intuitivamente, avalia a probabilidade de que determinado político possua as características que ele considera adequadas ou ideais para aquela eleição e aquele cargo em disputa.
Assim, existe uma campanha real e uma campanha percebida. O que interessa é a campanha percebida pelos eleitores e como ela combina com os elementos subjetivos pré-existentes na mente.
Escolha do candidato se dá, portanto, em função de atributos simbólicos – de canais de contato emocionais e afetivos estabelecidos entre candidato e eleitor. O eleitor projeta a sua identidade no candidato e intui quem mais se aproxima dele. O eleitor julga os candidatos em função de gostos, intuições e sensibilidade. E reconhece intuitivamente, inconscientemente, expressões faciais, olhares, jeitos e trejeitos. Ele procura coerência entre seu julgamento e a imagem percebida, autenticidade. Busca espontaneidade e verdade.
O que é decisivo? A confiança. O eleitor busca nas campanhas e na mídia identificar na mídia e nas campanhas elementos (pistas) que confirmem suas predisposições existentes (viés de confirmação). Os eleitores combinam instintivamente o perfil ideal de político desejado com as imagens projetadas pelos candidatos. O juízo é essencialmente simbólico, em função da recepção das imagens captadas e retidas. Este juízo de gosto, de sensibilidade não pode ser alterado racionalmente por ser produto do sentimento interno do sujeito.
O que as campanhas eleitorais precisam fazer?
A decisão eleitoral é, portanto, o resultado da combinação de vários atalhos cognitivos e informacionais. Cabe às campanhas tentarem interferir ou fornecer estes atalhos aos eleitores. Alinhar a imagem do candidato com as expectativas pré-existentes dos eleitores em termos de características desejadas e projetadas. Associar os adversários com os defeitos já identificados pelos votantes e estabelecer uma diferenciação competitiva baseada nestas clivagens.
Conclusão. Campanhas são, portanto: disputas de imagens, guerras de percepções, disputas de posicionamentos e de diferenciação competitiva. Ganha quem é capaz de se conectar mais profundamente com as emoções e os sentimentos inconscientes da maioria dos eleitores. Consegue ativar as redes neurais certas na criação e veiculação de mensagens políticas.
Os candidatos conquistam votos quando conseguem, através de suas estratégias de marketing e de sua presença nas mídias, sensibilizar os eleitores afetivamente, emocionalmente; quando a imagem transmitida é percebida como autêntica; quando o candidato apresenta atributos valorativos e simbólicos desejados; e quando há identificação subjetiva com o comportamento do candidato e seu modo de agir e reagir frente a diversas situações.
Simples assim!
Rodrigo Mendes é estrategista de marketing e comunicação pública com 25 anos de experiência. Publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política, coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições e lideranças.
RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.
Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.