Em um dos últimos artigos apresentei alguns erros que os governos cometem e que atrapalham o seu processo comunicativo. Abordei cinco tópicos: não ter dados organizados das políticas públicas; não ter foco; não repetir com frequência a mensagem-chave; agenda burocrática e desconectada com as percepções populares e, por fim, descuido com a distribuição da comunicação.
No artigo de hoje comentarei outro tema, que muitos gestores de comunicação não percebem ou podem até considerar uma virtude, mas que, com certeza, atrapalha a performance do marketing governamental: o excesso de produção de conteúdo.
Escrevo tendo como base minha vivência no marketing governamental e no que vejo hoje em dia da rotina das estruturas de comunicação dos governos.
Vamos trabalhar, a título de exemplo, com uma Prefeitura, mas o raciocínio vale para governos estaduais e para a Presidência da República, e se aplica, também, a diversas organizações.
Tudo começa na demanda que chega na comunicação. Todas as secretarias e órgãos querem comunicar o que fazem, o(a) prefeita(a) também. Normalmente, a Comunicação recebe o conjunto de demandas sem nenhum filtro ou critério de seleção. Muitas vezes há uma informalidade muito grande na recepção da demanda; um secretário que se encontra com um assessor no corredor e pede para comunicar o que ele fez, um programa, um lançamento. Quase sempre o pedido nem registrado é e já entra diretamente em produção.
Aqui já vale um comentário. A Comunicação precisa estruturar o canal de entrada de demanda. Primeiro, para se saber a quantidade de demanda que está entrando, de onde vem, quem está demandando demais ou de menos. Segundo, para poder estabelecer uma ordem de produção, o que chegou antes e depois, para organizar minimamente a ¨linha de montagem¨. Terceiro, para se definir critérios e hierarquias baseadas na política de comunicação do governo (quando existe). Por fim, para se selecionar o que será ou não comunicado.
E uma vez selecionado o que será comunicado, ter tempo para produzir, fazer bem-feito: analisar os dados e produzir informação, checar, avaliar sob a perspectiva dos beneficiados, buscar testemunhos das ações desenvolvidas, consolidar estatísticas comparativas e evolutivas, etc.
O que acontece hoje: praticamente tudo o que é demandado da comunicação é produzido e vira conteúdo. Tudo que chega, saí. É como se fosse uma padaria que tem que fazer uma fornada de pão a cada meia hora. Uma secretaria pede para reportar tal iniciativa, alguém vai cobrir e faz um release que é distribuído para a imprensa, geralmente um jornal, uma rádio, um site ou blog local. Um órgão demanda uma matéria sobre um resultado alcançado e alguém produz um conteúdo para as redes sociais, faz um card, um vídeo, etc. O(A) prefeito(a) participa de uma agenda e um conteúdo é gerado e distribuído.
Qual a consequência deste excesso de produção de conteúdo? Uma poluição, o overposting. São produzidos 20 releases por dia, não sei quantos vídeos, publicados 10 a 15 conteúdos por dia na rede social, sem nenhuma consideração sobre a especificidade de casa rede, um conteúdo canibalizando o outro.
É conteúdo demais, o que faz com que o cidadão fique perdido no meio de tanto dado, tanto barulho. O resultado é um grande ruído. Não se comunica quase nada, só espanta o cidadão que, para se proteger da barulhada, fecha os olhos e tampa os ouvidos.
Comunicação demais gera apatia e dificulta o processo cognitivo de atenção, seleção, retenção e memorização da mensagem. Infelizmente é isso que a grande maioria dos governos está fazendo.
Este conteúdo em demasia, mau produzido, é também mau distribuído. Ou seja, é disponibilizado em mídias em que poucas pessoas acessam, não são disponibilizados, por exemplo, em canais onde a população esteja, como o WhatsApp ou a TV, os planos de mídias são em geral muito fracos e não há verbas de distribuição web, como o impulsionamento ou a mídia programática. No fim das contas, tem-se um grande esforço de produção, overposting, má distribuição e com pouco alcance.
Diferentemente do mercado privado onde os gestores de comunicação precisam prestar contas dos resultados. E estes resultados precisamos ser quantitativos e financeiros. Exige-se performance. A comunicação dos governos precisa incorporar esta dinâmica e se profissionalizar.
Qual o grande problema que este sistema gerador de conteúdo demais e que não chega na população produz? Com a falta de uma estratégia de marketing que se desdobre na comunicação não há prioridade, não há uma hierarquia de conteúdos e produtos a serem distribuídos em função das demandas, das necessidades e das percepções do público. Não há foco, não há gestão da comunicação.
Um exemplo para tudo ficar bem claro. Acontece um evento muito importante na Prefeitura, que está diretamente relacionado a uma grande demanda popular. Um esforço de comunicação é desprendido para repercutir o evento. Tem publicação nas redes sociais, releases são distribuídos, vídeos feitos, imprensa acionada, etc. Mas, logo em seguida, surge uma nova pauta, e mais uma vez, o sistema produz um card, novo release, mais vídeo etc. que vai se sobrepor ao conteúdo do evento importante. Quem trabalha em governo sabe muito bem como este tipo de situação é comum.
Contudo, muitos secretários e assessores de comunicação acham que estão fazendo tudo certo, gerando esta enormidade de conteúdo; os demandantes – prefeitos(as), secretários, diretores de órgãos-, que não tem nenhuma obrigação de entender de comunicação, ficam felizes pois seus conteúdos estão sendo produzidos. E o cidadão, público-alvo por excelência do governo? Este fica esquecido e não retem quase nada.
Cria-se um circuito fechado de comunicação interna, onde os egos todos ficam satisfeitos, mas a ação de comunicação realmente não acontece como precisa. Como a efetividade não é medida, fica tudo bem.
Como se resolve este problema? Em primeiro lugar é preciso dizer que se trata de uma questão política. Faz-se necessário o estabelecimento de uma estratégia de governo, que defina o que é prioridade, qual o foco. Uma consultoria externa de marketing pode ajudar bastante nesta missão. Na sequência, o líder, no caso do nosso exemplo o prefeito, precisa empoderar o secretário ou assessor de comunicação para que ele possa exercer o poder de filtro. Ou seja, dizer o que é relevante ou não em função da estratégia, das pesquisas de opinião e monitoramento e para a mídia. Essa filtragem precisa refletir-se em uma diminuição drástica da quantidade de conteúdo a ser produzido, veiculado e distribuído. Somente assim é possível se ter uma gestão na comunicação, construir-se métricas baseadas em performance focadas nas percepções do público externo.
Conclusão. Muitas vezes o que é considerado certo pode estar atrapalhando a consecução dos objetivos maiores, fica-se preso nos processos e nas tarefas e perde-se a visão finalística. Muitas vezes é preciso ter um ¨olhar estrangeiro¨ para ver aquilo que, quem está imerso no dia a dia, não percebe ou para ter uma visão contraintuitiva com foco na estratégia. Não é fácil, mas é perfeitamente possível.
RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.
Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.