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E quando as coisas começam a esquentar?
08/06/2023 / 10:30
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Transformações no horizonte, com cassações e novas perspectivas
de disputa do poder político, fazem de 2023 um ano histórico:
tragédia para uns, redenção para outros.

João Henrique Faria*

 

A política brasileira está passando por mais um daqueles momentos “quentes”, recheados de possibilidades e já com algumas ações consolidadas, que trazem mudanças significativas no cenário nacional. A cassação do deputado federal Deltan Dallagnol, agora confirmada por unanimidade pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados – a segunda unanimidade, porque assim também ocorreu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) -; o imbróglio envolvendo o ex-juiz, ex-ministro da Justiça e atual senador Sérgio Moro; e o Supremo Tribunal Federal (STF) marcando julgamento de Bolsonaro para 22 de junho, dão o tom da política no momento.

Somem-se a isso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos “Atos antidemocráticos de 8 de janeiro” e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do “MST”, cuja clima bélico entre governo e oposição chega à temperatura máxima, com o governo – por incrível que pareça – até aqui vencendo as narrativas, a ponto da CPMI e da CPI serem consideradas “tiros no pé” da oposição, e temos um cenário que aponta para transformações, mais do que mudanças, no quadro político nacional.

 

A voz do cacique que enxerga o jogo

A declaração de Valdemar Costa Neto, cacique do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, de que a situação de Dallagnol e Moro eram irreversíveis, uma vez eles “ultrapassaram limites e vão pagar caro” – o primeiro já pagou ou, na visão de muitos, começou a pagar, com a perda do mandato -, já demonstra o quadro desta transformação que se configura no cenário político, em futuro bem próximo. Caso Jair Bolsonaro torne-se inelegível por 8 anos, tal transformação será consolidada, com um corre-corre de estrategistas para avaliar ações futuras dos partidos e personagens principais, em especial pelo cenário aberto que passa a ter o ano de 2026, quando novamente teremos eleições presidenciais.

 

As transformações afetam até o governo

Impossível pensar que, retirando-se Dallagnol, Moro e Bolsonaro do jogo eleitoral – possibilidades muito concretas e que já começam a ocorrer -, a transformação no quadro político se dará apenas no cenário das oposições. Certamente, no prazo certo, muito provavelmente já dentro das eleições nas capitais e cidades com segundo turno das eleições de 2024, as defecções da base do governo virão – base ainda tímida, mas hoje garantidoras de algumas vitórias, mesmo com os possíveis problemas de articulação política do Planalto.

Será a antecipação da disputa pelo poder em 2026. O enfraquecimento da extrema-direita e seus personagens principais, pode fazer com que haja um movimento de grupos hoje ali situados para o campo da direita democrática e mesmo para o centro. Independente das disputas internas no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, com as constantes quebras-de-braço entre o presidente da Casa, Artur Lira, e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o que levará a uma nova disputa pelo poder é o derretimento do bolsonarismo, em se concretizando a inelegibilidade de Bolsonaro.

 

Sinal verde para crescer

Em um exercício de futurismo, em nada impossível, a perda de protagonismo de Deltan Dallagnol e seu extremismo religioso, em especial com o avanço das críticas e surgimento de fatos novos sobre os procedimentos nada republicanos adotados dentro da Operação Lava Jato; os depoimentos, agora autorizados pelo STF via habeas corpus, de Tacla Duran junto ao Congresso Nacional, e a entrevista bombástica do empresário Tony Garcia ao Brasil 247, sobre condutas ilegais do então juiz e hoje senador Sérgio Moro, que em breve, após comprovações mais evidentes, também chegarão às mídias tradicionais, por certo minando o terreno e conduzindo Moro também a uma cassação, em muito vão contribuir para uma reviravolta nas pretensões políticas de partidos e de políticos tradicionais.

O julgamento de Jair Bolsonaro pelo STF, marcado para iniciar dia 22 de junho próximo – além da ausência quase certa destes importantes atores políticos, anteriormente citados, nas eleições de 2026 como protagonistas -, fará com que outros atores que poderiam ser por eles alçados, em especial por Bolsonaro, caso do governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo, percam espaço ou busquem se alojar em espaços menos radicais, visando sobrevivência política.

 

PSD, comendo pelas beiradas

Neste sentido, um olhar especial já vem sendo lançado sobre o PSD, partido ao centro, sob a liderança inteligente de Gilberto Kassab. Só no estado de São Paulo, o partido já conta com 150 prefeitos – nada menos que 23,2% dos 645 municípios -, assumindo a herança deixada pelo desmantelamento do PSDB no estado e em boa parte do país, algo que parece irreversível. O fato se repete em outras unidades da Federação, com o partido de Cassab conquistando muitas lideranças, incluindo um bom número de deputados e senadores.

O Republicanos, à direita, é outro partido que vem conquistando adeptos pelo país – vide caso da ministra do Turismo, Daniela do Vaguinho, e de seu grupo político no estado do Rio de Janeiro, que estão em processo de abandono do União Brasil, outro partido que, após uma apoteose, tende a reduzir seu espaço aos poucos.

Pesa sobre o Republicanos o fato de ser dominado, em boa parte, pela Igreja Universal do Reino de Deus e pela Assembleia de Deus, duas concepções conservadoras à direita do espectro religioso e político, que contribuem, de alguma forma, como freio para um crescimento mais acelerado, coisa que não ocorre com o PSD de Cassab, mais palatável.

 

As esquerdas se movimentam

No campo da esquerda, o crescimento do PT, por ter reassumido o protagonismo no cenário nacional, é natural. Um crescimento, do ponto de vista de filiados, que nunca parou, mesmo nos períodos mais críticos para a legenda – “Mensalão” e cassação da presidenta Dilma Rousseff. O desafio agora é reconquistar, em 2024, os espaços de poder nas Câmaras Municipais e Prefeituras. Para isso, certamente precisará de muito mais que simplesmente formação política, fórmula tradicional do partido. Caberá aqui entender que o desafio passa por oferecer estruturas consolidadas de Comunicação e Marketing para suas lideranças e possíveis candidatos em 2024. Este, sim, seria um grande diferencial, fugindo da tradição dos caciques.

O PSOL vem conquistando protagonismo, em especial por sua atuação institucional em Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara Federal. As redes sociais contribuem muito, com suas lideranças sabendo fazer o uso deste espaço nobre e contemporâneo das mídias. E isso não se dá pela “lacração”, a exemplo da extrema direita, mas por discussões e conteúdos que se traduzem em embates sobre temas de relevância nos cenários locais, regionais e nacional.

Já o PSB, que teve como grande ganho a chegada do hoje vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, prepara-se, ao que tudo indica, para fazer uma investida, em alguns estados, sobre o que restou do PSDB, ninho que abrigou Alckmin durante quase toda a sua vida política. O fortalecimento do PSB resultaria em um fortalecimento do próprio Alckmin, em nível nacional, para poder pensar, em um futuro próximo, na retomada do projeto da Presidência da República.

Impossível? Palavra difícil de ser assumida nestes nossos tempos de transformação.
No mais, o futuro, que tá logo ali, dirá.

 

João Henrique Faria é jornalista, estrategista político, professor da pós-graduação em Comunicação Pública e Governamental da PUC-MG, proprietário da Fator Consultoria e membro fundador do Coletivo Alcateia Política