Por Christian Jauch
Vivemos um momento ímpar da história. Pela primeira vez, tecnologia, política e sociedade estão entrelaçadas de maneira tão profunda que já não conseguimos separar onde termina a atuação humana e começa a intervenção das máquinas. As eleições de 2026 não serão apenas mais um evento democrático, mas sim um verdadeiro laboratório geopolítico onde inteligência artificial, algoritmos de recomendação, desinformação e criatividade digital disputarão o espaço central da narrativa eleitoral. Não se trata mais de panfletos, palanques ou promessas exageradas. A arena política migrou para o invisível, para o imaterial, para o que não se vê, mas influencia profundamente: os fluxos de informação.
As campanhas não são mais disputadas apenas nos comícios ou nos debates televisionados. Elas acontecem em micro-segmentos de audiência, onde cada eleitor recebe uma realidade cuidadosamente desenhada para reforçar suas crenças, alimentar suas emoções e conduzir sua decisão de voto. O que está em jogo, mais do que cadeiras no parlamento ou o próximo presidente da república, é o controle sobre a própria percepção da realidade. E nesse novo jogo, a inteligência artificial é tanto a ferramenta quanto o campo de batalha.
A disseminação de fake news não é novidade. Já em eleições passadas, vimos como a desinformação pode ser poderosa. Mas em 2026, o jogo será outro. Com o avanço dos modelos generativos de IA, como os deepfakes de voz e vídeo, textos hiper-realistas e bots sofisticados capazes de manter conversas em fóruns e redes sociais, a distinção entre o que é real e o que é fabricado se torna cada vez mais tênue. A guerra informacional se torna assimétrica e, por vezes, silenciosa. Não é necessário um exército de pessoas, apenas alguns cliques e um bom prompt para que uma avalanche de conteúdos enganosos tome as redes.
Por outro lado, essa mesma tecnologia tem servido como ferramenta de resistência. Pequenos grupos, candidatos independentes e movimentos sociais vêm utilizando a IA para criar campanhas criativas com baixo custo. Em vez de depender de grandes agências de marketing político, muitos passaram a utilizar modelos de IA para criar vídeos, jingles, textos persuasivos e até mesmo responder automaticamente às dúvidas de eleitores em tempo real. O que antes era privilégio de quem tinha verba, agora está nas mãos de qualquer um com um notebook e acesso à nuvem.
Essa dualidade — destruição e criação — faz da IA uma espécie de espelho do momento político atual. De um lado, alimenta a polarização e a mentira. Do outro, empodera e permite que novas vozes entrem no jogo. A criatividade torna-se uma arma estratégica. Em tempos de excesso de ruído, quem souber contar boas histórias ganha a atenção e, possivelmente, o voto. A autenticidade simulada pode ser mais poderosa que a verdade mal comunicada.
Historicamente, campanhas eleitorais eram sinônimo de gastos milionários com mídia, produção audiovisual e equipes numerosas. Isso excluía da disputa todos aqueles que não contavam com grandes doadores ou apoio partidário significativo. No entanto, em 2026, essa realidade começou a ruir. Com ferramentas de IA acessíveis e intuitivas, a produção de conteúdo político deixou de ser um privilégio para se tornar uma possibilidade democrática. Um candidato desconhecido pode hoje gerar vídeos com qualidade cinematográfica, desenvolver campanhas multiplataforma e testar centenas de mensagens com públicos diferentes, tudo em questão de horas.
Essa nova equação gera um movimento interessante: enquanto grandes campanhas precisam lidar com estruturas burocráticas e lentas, os pequenos se tornam ágeis, experimentais e hiperconectados com nichos. A IA permitiu que a política se tornasse, novamente, próxima das comunidades. Ela substitui o marqueteiro por inteligência preditiva, troca a equipe de design por modelos de geração de imagem e coloca a empatia programada no lugar do improviso.
Mas há um alerta. A facilidade de produção também implica em uma hiperinflação de conteúdo. Com tanto material sendo gerado, o eleitor pode se perder em um mar de mensagens contraditórias. A batalha deixa de ser apenas por visibilidade e passa a ser por relevância. Nesse cenário, a autenticidade, mesmo que produzida artificialmente, torna-se o fator decisivo.
Enquanto os candidatos batalham pela atenção do público, existe uma camada subterrânea ainda mais poderosa: os algoritmos. São eles que definem o que vemos, o que lemos e até o que sentimos em relação a determinado tema. Com base em nossos cliques, curtidas e tempo de visualização, essas inteligências invisíveis moldam nossas bolhas de informação. O perigo é que, em vez de nos informar, muitas vezes elas nos confirmam. E isso cria uma democracia de espelhos, onde cada eleitor vê apenas o reflexo do que já acredita.
As plataformas digitais, por sua vez, continuam agindo com ambiguidade. Se por um lado prometem combater a desinformação, por outro mantêm seus algoritmos proprietários em segredo, dificultando o controle público e a regulação efetiva. A manipulação algorítmica é mais sutil do que a censura explícita. Ela não impede que uma mensagem seja dita, apenas impede que ela seja ouvida.
É aqui que a discussão se torna profunda. Se os algoritmos definem o que chega até nós, será que ainda escolhemos livremente? Ou estamos apenas reproduzindo decisões que já foram tomadas por máquinas que conhecem nossos medos, desejos e tendências melhor do que nós mesmos? A liberdade de escolha, fundamento da democracia, pode estar sendo silenciosamente corroída por linhas de código.
A discussão sobre a regulação da inteligência artificial na política é urgente — e profundamente delicada. Regular demais pode sufocar a inovação e consolidar ainda mais o poder dos grandes. Regular de menos pode abrir as portas para uma distopia de manipulação em massa. Não existe resposta fácil. O que existe é uma necessidade brutal de debate público, transparência nos algoritmos e construção de um novo pacto social onde tecnologia e ética caminhem juntas.
O grande desafio das eleições de 2026 será, talvez, esse: encontrar equilíbrio. Estamos diante de uma tecnologia que muda mais rápido do que os governos conseguem responder. As leis são lentas. A cultura política, conservadora. E a IA, exponencial. Como conciliar essas velocidades distintas?
Além disso, existe o medo. Um medo legítimo de que a automação da política leve à desumanização das decisões. Que sejamos reduzidos a dados, a padrões de comportamento, a métricas de engajamento. Que o discurso político seja moldado não pela empatia, mas pelo que “performou melhor”. Em vez de debater ideias, debatemos métricas. Em vez de humanidade, entregamos eficiência.
É por isso que a ética precisa deixar de ser um apêndice e passar a ser o centro da conversa. Precisamos decidir, coletivamente, quais são os limites aceitáveis para o uso de IA nas campanhas. E mais do que isso: precisamos de mecanismos reais de fiscalização, participação cidadã e responsabilização.
Chegamos, enfim, ao ponto crucial da discussão. A inteligência artificial está moldando as eleições — mas quem está moldando a inteligência artificial? Estamos de fato no controle desse processo ou apenas acompanhando uma onda que, em algum momento, tornará irreversível a lógica automatizada da política?
O paradoxo é cruel: nunca tivemos tanto acesso à informação e, ao mesmo tempo, tanta dificuldade de discerni-la. Nunca fomos tão monitorados — e, paradoxalmente, tão invisíveis dentro de sistemas que nos categorizam, mas não nos compreendem como indivíduos. A IA na política pode ser a salvação da democracia, ao torná-la mais participativa e acessível. Mas também pode ser sua ruína, ao transformar o processo eleitoral em uma competição de quem manipula melhor.
No fim das contas, o futuro ainda não está escrito — mas está sendo treinado, ajustado e otimizado em servidores ao redor do mundo. A pergunta que fica é profunda, incômoda e necessária: