Mais de 80% dos atuais prefeitos se reelegeram. É a maior taxa de reeleição no Brasil nos últimos 20 anos. Antes de 2024, o último recorde havia sido em 2008, quando 65% dos candidatos se reelegeram.
A eleição municipal deste ano foi a primeira que sofreu um grande impacto da mudança iniciada no governo de Jair Bolsonaro (PL) que deu aos congressistas papel inédito na destinação de verbas através das emendas parlamentares.
A taxa de reeleição nas cidades mais contempladas pelas hoje chamadas “emendas PIX” chegaram a 93,7%. Sendo assim, não há como negar a forte correlação entre o recebimento de emenda PIX ao longo dos anos 2021, 22, 23 e 24 e a performance eleitoral dos mandatários municipais reeleitos.
Desde o início das gestões dos atuais prefeitos foram distribuídos para os municípios, através de emendas parlamentares, mais de R$ 80 bilhões.
As “emendas PIX”, chamadas formalmente de “transferências especiais”, são repasses feitos do orçamento da União por indicação de parlamentares e que caem diretamente na conta de estados e municípios. Não há necessidade de celebração de convênio ou qualquer instrumento deste tipo para que os repasses ocorram. Fazem parte das emendas parlamentares individuais, que são indicadas livremente por cada deputado ou senador. Essas emendas são de pagamento impositivo, ou seja, obrigatório. A rapidez do pagamento rendeu o apelido de “emenda Pix”. Como não há convênio, o Congresso entende que o recurso é uma espécie de “doação” e passa a pertencer a estados e municípios no momento do pagamento. Assim, na maioria das vezes as emendas são apresentadas sem indicar o que será feito com o recurso.
Essas “verbas livres”, sem destinação obrigatória ou carimbada, repassadas pelos deputados e senadores, que podem ser empregadas a critério dos prefeitos ou governadores da forma que melhor lhes convier, serviram de combustível para as gestões municipais, turbinando as chances eleitorais dos prefeitos que buscaram a reeleição. O efeito foi evidente e avassalador: quase a totalidade dos 116 prefeitos mais beneficiados com emendas em seus quatro anos de mandato foi reeleita.
Considerando os maiores partidos políticos, o Republicanos registrou a maior taxa de conversão, com 86% de prefeitos reeleitos (203 de 235 prefeituras disputadas). Os estados com maior reeleição são Amapá e Roraima, que reelegeram 100% dos prefeitos que tentaram um novo mandato. Dr. Furlan (MDB), prefeito da capital Macapá, foi reeleito com a maior vitória dentre as capitais, chegando a 85% dos votos válidos, é um dos prefeitos que mais receberam emendas parlamentares. Como os orçamentos próprios destes estados do Norte são pequenos, o peso das emendas parlamentares é muito significativo.
A avaliação positiva dos prefeitos foi a variável determinante e que, portanto, mais diretamente explica a vitória nas urnas. É obvio que, com mais recursos recebidos através das emendas parlamentares, mais condições estes mandatários tiveram para desenvolver um bom trabalho em seus municípios, satisfazendo as suas bases eleitorais e, por consequência, serem bem avaliados pela população. E quanto melhor a avaliação, maior a probabilidade de reeleição. A lógica é linear.
Claro está que, em 2026, na reeleição dos parlamentares que contemplaram os municípios, a conta vai chegar e eles exigirão a contrapartida.
O fato é: prefeitos bem avaliados, em sua maioria filiados aos maiores partidos com mais recursos dos fundos partidário e eleitoral e com mais tempo de propaganda na TV e no rádio, conseguiram se reeleger. Não resta dúvidas que o chamado “voto retrospectivo”, que considera o desempenho administrativo passado do candidato, foi o fator preponderante a explicar a vitória dos prefeitos que buscaram a reeleição.
Por fim, reforçando uma tendência já historicamente constada, a reeleição e o uso da máquina pública, mesmo dentro do que a legislação permite, gera uma assimetria entre os candidatos. Nesta eleição, especificamente, este fenômeno foi fortemente identificado em todo Brasil. Os prefeitos no mandato conseguiram mobilizar forças, que só eles têm na mão, e essas forças, sobretudo quando bem conjugadas com o marketing eleitoral, turbinaram as reeleições. A máquina pública pesou e muito em 2024.
Resumindo e consolidando a análise: as emendas PIX turbinaram os atuais prefeitos e favoreceram a construção de uma boa avaliação; esta boa avaliação induziu ao comportamento eleitoral baseado no voto retrospectivo; predominou o comportamento socialmente conservador e o medo da mudança; não aconteceu uma nacionalização do pleito e sim uma municipalização da disputa e o predomínio de temas locais; aconteceu uma menor polarização ideológica e os maiores líderes nacionais, Lula (esquerda) e Bolsonaro (direita), tiveram pouco peso e saíram enfraquecidos da disputa; a máquina pública foi fortemente empregada e teve grande influência e, por fim, tempo de TV e rádio e mais acesso a recursos financeiros para fazer campanha tiveram uma grande importância neste pleito.
Para terminar, uma breve citação de Thomas Hobbes:
“O interesse e o medo são o princípio da sociedade.”
Fica como reflexão…
RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.
Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.