O Cannes Lions é um festival internacional de criatividade que tem uma enorme importância, diria até mesmo estratégica, para a comunicação, publicidade e marketing. O aguardado evento, termômetro das tendências e mudanças dessa indústria, reúne os principais profissionais e empresas para compartilhar ideias e premiar os melhores trabalhos, além de discutir temas relacionados ao futuro do mercado e das profissões. Como não poderia deixar de ser, inteligência artificial e realidade estendida dominaram as sessões, sendo tratados não como uma tendência, mas como uma realidade que está posta, precisa ser desvendada, estudada e entendida profundamente, além de incorporadas no dia a dia de quem, profissionais e empresas, não quiser ficar de fora e até ser descartado desse mercado.
Os pontos centrais das discussões giraram em torno de como as ferramentas de inteligência artificial impulsionarão a criatividade na indústria da comunicação, publicidade e marketing, sendo usadas para melhorar a eficiência, a precisão e a personalização das campanhas, além de oferecer novas possibilidades criativas. Também não faltou a pergunta de um milhão de dólares (sic): O futuro do trabalho nessa indústria, uma das mais ameaçadas por robôs, chatbots, avatares, algoritmos e dados, muitos dados.
Lamento frustrá-los, mas ninguém tem essa resposta, apenas conjecturas um tanto pessimistas. Portanto, o apego ficou mais no potencial das novas tecnologias e a gigantesca transformação que operará nessa indústria, na vida dos profissionais, enfim, na vida de todos, já que somos, todos sem exceção, impactados de alguma forma pela comunicação das marcas.
Talvez, não por acaso, esse ano o festival teve um aumento de quase 20% no número de projetos inscritos em relação ao ano anterior diretamente por marcas de consumo, o que indica uma crescente confiança e investimento em canais não tradicionais.
Acessibilidade também foi um dos temas em destaque na programação. O painel “O futuro da inovação passa pela acessibilidade” destacou a importância de olhar para uma população de um bilhão de pessoas que vivem com algum tipo de deficiência. O tema trouxe uma provocação: como a criatividade e o design acessível podem ser ferramentas inclusivas? Outro tema importante foi a saúde mental. Conectado com criatividade e neurociência, o assunto colocou no centro do debate um aspecto importante: como nutrir e abrir espaços para profissionais TDAH e dislexia? A pauta é relevante especialmente porque muitas das ideias mais inovadoras são assinadas por essas mentes.
Também como não poderia deixar de ser, a sustentabilidade também foi um tema importante. Com a participação da Kantar, empresa líder mundial em dados, insights e consultoria, ativista climático e uma executiva de sustentabilidade, o painel refletiu sobre a responsabilidade dos líderes de marketing para o impulsionamento das ações que geram impacto positivos no meio ambiente.
Na atual cultura dos cancelamentos, a flexibilidade também permeou as discussões e o foco foi como profissionais precisam estar prontos para lidar com eventuais erros, e mesmo assim saber manter o posicionamento e reputação das marcas, em um cenário onde abordar pautas como propósito e inovação, bem como outros temas sociais e existenciais é desafiador.
A internet, permeando tudo, seja como ponte ou fonte de isolamento, ganhou painéis e conversas de corredores e eventos paralelos. Como sabemos, quando surgiu e se popularizou, a internet passou a ser vista como uma ferramenta que proporciona interação e conexão. Porém, o tempo de tela cada vez mais alto indica que a rede tem levado as pessoas ao isolamento. Neste contexto, o papel criativo e educativo das campanhas fica ainda mais evidente e há uma preocupação geral na equação conectar sem isolar.
Por fim, vale dizer que o Brasil teve um bom desempenho esse ano no Cannes Lions 2023, com um aumento na participação em relação ao ano anterior. O país teve 2.037 trabalhos inscritos, ficando atrás apenas dos EUA e do Reino Unido em termos de número de inscrições. Isso representa um aumento em relação ao ano anterior, quando o Brasil teve 1.942 inscrições, indicando um forte envolvimento da comunidade criativa brasileira com o evento. As 30 premiações do Cannes Lions 2023 foram encerradas nesta sexta-feira (23) e o Brasil levou 92 Leões (foram 70 do ano passado), sendo 2 Grand Prix , 1 Titanium Lions, 11 Ouros, 28 Pratas e 50 Bronzes.
Ruy Dantas é jornalista e publicitário, fundador do Ilha Tech, um hub de inovação que abriga três startups. Atualmente, atua como CEO da RD Innovation, uma consultoria especializada em inovação, e como presidente do Sim Group, uma holding de empresas que oferece soluções customizadas de publicidade e comunicação para diversos segmentos. Possui especialização em gestão, negócios e marketing, além de formação em conselhos pela Fundação Dom Cabral. Nos finais de semana, escreve neste espaço sobre comunicação e marketing político.