Na última semana li o livro de Mario Rosa intitulado Entre a Glória e a Vergonha: memórias de um consultor de crises (Geração Editorial/2017). É um livro autobiográfico e, portanto, pessoalíssimo. Sendo assim, também me permito escrever um artigo totalmente pessoal a respeito da obra.
Conheci Mario Rosa não faz muito tempo, somos colegas do CAMP – Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político. Começamos a conversar e o convidei – o para dar aulas em um curso sobre reputação, em Angola, e para falar em um evento sobre marketing político que promovi em São Paulo. A partir daí engatamos um bom papo. Da minha parte, tenho uma suspeita, já citando o livro de Mario Rosa: “mentores passam por nós e não se apresentam. Nós é que temos de identificá-los.”
Poderia escrever aqui como a obra é rica em ensinamentos sobre gestão de crises de reputação. Na verdade, é riquíssima, sobretudo para quem já tem algum conhecimento e não necessita de uma abordagem tão estruturada e didática para absorver ensinamentos. Cito algumas pérolas: “campanha política é uma crise de comunicação, com dia e hora para acabar, que é o dia da eleição.” … “crises são uma epidemia de boatos.” … “falar sempre atrai para você uma atenção desproporcional, que não convém. Ficar quietinho tem suas vantagens.” Seria fácil seguir com uma lista de citações.
Eventualmente, também, poderia falar como Mario usa seu livro, aí sim de modo bastante didático, para explicar para o público (e também para o Ministério Público e a Polícia Federal em função da investigação que sofria à época) o que faz um “consultor de crise”, profissão que Mario Rosa meio que “inventa” em terras tupiniquins. Ele escreve que decidiu “atuar como uma espécie muito especializada de assessor de imprensa: só iria atuar nos momentos dramáticos de meus clientes.” … “uma espécie de motorista do Samu da reputação dos outros, aquela ambulância para casos de emergência.”, sendo “um sujeito que conseguia viver única e exclusivamente de oferecer aconselhamento para pessoas cuja reputação estava sendo incinerada publicamente.”
Mas a essência do livro não é esta. É sobre gestão de crise sim – a crise que Mario Rosa viveu durante a operação Acrônico. O que faz a obra ser especial é a narrativa do autor sobre o momento em que sua própria reputação como consultor estava correndo o grande risco de ser incinerada. Ou seja, quando ele mesmo passa a ser o investigado em uma operação da Polícia Federal.
O ponto alto é a reflexão que Mario Rosa faz sobre o fato dele mesmo ter sofrido na própria pele o que seus clientes de gestão de crise também sofriam. É esta experiência, que transforma o autor, tanto do ponto de vista pessoal como profissional, o núcleo da trama de Entre a Glória e a Vergonha.
Muito interessante a análise que Mario Rosa empreende sobre a relação entre o consultor e seu cliente. Serve para qualquer um que exerça esta atividade, como é o meu caso. O autor diz que, em tese, devemos manter uma postura distante e racional, que esta seria a conduta mais adequada ao consultor profissional. De quem enxerga a cena de fora, e por conta disto, tem uma visão desapaixonada, portanto, mais neutra, isenta, ponderada, fria e efetiva, nas horas em que tudo está desmoronado e o caos estabelecido. É isto que aprendemos nos livros e manuais. E, confesso, muitas vezes sustentei fortemente esta tese, quase como um dogma.
Era esta a postura do consultor de crises Mario Rosa antes da Operação Acrônico. Mas, quando ele mesmo vivencia as agruras de ter sua vida invadida e devassada, de sentir medo, angústia e vergonha (semelhante ao que seus clientes vivem), ele se transforma. Humaniza-se. Passa a ver não apenas o “cliente”, quase uma encarnação abstrata de uma empresa ou organização, e consegue enxergar a pessoa que esta ali, fragilizada, insegura e sofrendo profundamente. Confirmando a máxima que os americanos tanto utilizam: “no pain, no game” – (sem dor, sem jogo), ou seja, não há aprendizado/superação, sem dor. Cada um precisa carregar a sua cruz para entender que sempre haverá um renascer, novo ciclo.
Neste momento a ficha cai e Mario adquire uma nova e poderosa característica: empatia. A capacidade de se colocar no lugar do outro. Entender realmente o que o seu cliente SENTE na hora do desespero, em que sua reputação é ameaçada de morte. Experenciar ele mesmo e identificar-se com a dor alheia. É como se a partir daí Mario pudesse dizer para a pessoa que ele está prestando consultoria, mas não da boca para fora, verdadeiramente – “eu sei o que você está passando neste momento.” A conexão consultor-cliente deixa de ser distante, fria e racional e passa a ser humana, emocional, quase que, vital. E isso muda o jogo, isso muda tudo.
No entanto, Mario Rosa não para por ai. Desnuda-se por completo. Revela para o leitor suas entranhas mais profundas. Desde a relação bastante complexa com a mãe que sofria de transtorno bipolar à ausência completa do pai, o suicídio de um dos seus irmãos e, empreendendo um balanço de tudo isso, faz uma reflexão de como estas agruras da infância/juventude, eventualmente, podem ter influenciado na sua forma de atuação profissional.
Nesta hora ele faz um mea culpa, reconhecendo que, muitas vezes, foi arrogante, e passou do ponto com seus clientes, sendo mais duro e agressivo que o necessário. Mas, cá entre nós, quantas vezes, no exercício das nossas consultorias, já não cometemos os mesmos excessos e fomos prepotentes?
Mario narra ainda que, no dia do seu depoimento na Polícia Federal, recebe uma ligação de sua sogra dizendo que a sua esposa estava colocando fim no seu casamento. Confesso que, neste momento, emocionei-me, com tamanha concentração de drama sofrido pelo autor em uma única tarde, que ele ironicamente chama de “o mais belo dia.”
Não tenho dúvida que para ele, escrever este livro, foi um exercício de catarse, de auto expurgação de vários fantasmas. Mas cá entre nós, para tal empreitada, com tamanha profundidade, é preciso ter coragem.
E depois de mais de cinco anos permanecendo na condição de investigado, Mario Rosa é totalmente inocentado e o Ministério Público pede o encerramento e o arquivamento do inquérito por falta de provas. Mario Rosa faz a seguinte declaração: “Foram 5 anos e 1 mês de muito sofrimento e muitas transformações em minha vida: meu casamento de 18 anos acabou, minha filha entrou em depressão, eu tive de enfrentar inúmeras perdas, de clientes, de paz, de todos os tipos. Mas fico feliz que ao final de tudo as instituições tenham funcionado e minha inocência tenha sido reestabelecida.”
É isso. Acredito que muitas resenhas devem ter sido escritas sobre Entre a Glória e a Vergonha: memórias de um consultor de crises, afinal a obra foi um grande sucesso e já foi publicada há mais de sete anos. Confesso que não li nenhuma. Contudo, não poderia deixar de registrar as minhas impressões, já que foi um livro que tive muito prazer de ler e foi muito útil nas minhas reflexões como consultor profissional. Me fez refletir e rever conceitos e dogmas.
Só posso agradecer a Mario Rosa (que hoje considero um amigo) por oferecer aos leitores, a partir da narrativa da sua própria crise e de seu completo desnudamento, uma oportunidade para que possamos entender, por dentro e no íntimo, como se conduz uma boa gestão de crise e como podemos ser profissionais muito melhores, por sermos mais sensíveis, humanos e empáticos.
RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.
Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.