Como de papel dominador, o Congresso virou dominado pela pauta do Governo, fruto darenovação das manifestações de rua e críticas pesadas da imprensa
Por João Henrique Faria
Como virou praxe nos últimos meses, tá valendo cada vez mais o dito “o mundo não gira, capota”. Na política brasileira, então, a coisa vai numa escalada sem fim. Ao tentar impor uma pauta imprópria – e aqui já vai meu primeiro juízo de valor –, a Câmara dos Deputados, entenda-se oposição, Centrão e Hugo Motta, trocou os pés pelas mãos. O Senado foi mais cauteloso.
De uma “tomada da cena” protagonizada pela oposição mais radical de extrema direita – que demonstrou à opinião pública uma fraqueza do presidente da Casa –, à votação unânime do projeto do Governo Lula que isenta de Imposto de Renda (IR) aqueles que ganham até R$ 5 mil e taxa os mais ricos, o que se viu foi uma reviravolta histórica, com forte peso da opinião pública e um papel essencial, mas que até bem pouco tempo era pífio, da mídia brasileira, que acompanhou o coro da sociedade, postando-se de forma contrária à “PEC da Blindagem”, apelidada de “PEC da Bandidagem” e favorável ao projeto do IR.
Quando analisamos os primeiros meses de 2025, o quadro que se observava era de um derretimento forte do Governo Lula, com críticas que iam da comunicação à falta de domínio da pauta. Já naquela época, em grupos de WhatsApp, em minhas observações eu apontava que nada era definitivo e que fatos relevantes mudam o cenário e de uma forma muito ligeira.
Relembrando uma velha raposa de Minas, Magalhães Pinto: “Política é como nuvem. Você olha ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. E assim foi e está sendo. É definitivo? Claro que não, mas como meus colegas consultores políticos gostam de dizer, são tendências. De forma especial, o início do julgamento, agora já encerrado, do grupo que estava na linha de frente da tentativa de golpe de Estado pós-eleição de 2022, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – fato de relevância inicialmente interna –, bem como a movimentação de Eduardo Bolsonaro – não consigo nominá-lo como deputado, desculpem –, nos estados Unidos, agindo contra o país e provocando uma sobretaxa a produtos brasileiros, serviram de alavanca e de narrativa positiva para o Governo Lula, que passou a conquistar pontos importantes nas pesquisas de opinião, tanto na avaliação do governo, quanto nas pesquisas eleitorais para a Presidência da República.
Neste jogo dos Poderes, o Senado teve papel fundamental. Aprovada na Câmara dos Deputados e reprovada pela opinião pública, a matéria é enviada ao Senado e o presidente Davi Alcolumbre encaminha para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que, por unanimidade, derruba a proposta, que é enterrada. Como tentativa final da oposição, o deputado Paulinho da Força é alçado a “negociador da pacificação”. Primeiro passo errado: reunião com o ex-presidente da República Michel Temer e com o deputado federal Aécio Neves, ambos personagens de momentos nada republicanos de nossa história recente.
Some-se a isso a busca de criar um tom mais leve para a questão e a “anistia” vira “dosimetria”. E aí a coisa volta a envolver uma nova fonte de conflito com o STF. Quem estabelece a dosimetria das penas é o Judiciário. Mas a genialidade sempre supera o bom senso. O que Paulinho da Força e deputados de oposição – exceção ao PL, que segue exigindo “anistia geral” – buscam é modificar as leis penais, reduzindo as penas de alguns dispositivos para beneficiar os condenados pelo STF, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ao que parece, também esta tentativa está virando água.Em especial porque, caso a Câmara dos Deputadosresolvesse bancar a matéria, as chances de novamente haver uma reviravolta no Senado é muito grande. Assim, surge um “novo” Hugo Motta, e anuncia que o momento é de votar pautas positivas para o país. O desgaste foi grande demais. As críticas ao presidente da Câmara dos Deputados foram fontes de adjetivações que eu me recurso também a repetir aqui, por vergonha alheia.
Apesar de números sempre contraditórios em relação à presença de público nas manifestações de rua no Brasil, o que se viu no mês de setembro foi uma multidão tomando conta das ruas das principais cidades do país, num grito uníssono contra a blindagem e também contra a anistia. O reflexo imediato tem nome: eleições 2026. Com a opinião pública se mostrando, inclusive em pesquisas de opinião, contrária às teses buscadas na Câmara dos Deputados, o que se viu foi um enorme desgaste, aí invadindo os espaços nos estados brasileiros e respingando em seus políticos.
O saldo de todo esse processo, até aqui, é a valorização do STF e do Senado. E o grande vitorioso o Governo do presidente Lula, que, após jornada inglória nos primeiros meses de 2025, hoje surfa em uma onda de aprovações de projetos de interesse do povo brasileiro, e que tem pai.
Líder inconteste, na perspectiva das relações internas de poder, o deputado federal Arthur Lira, de Alagoas, esteve presente em todos estes movimentos, sempre sendo ouvido e sendo dado a ele os louros desta ou daquela ação, a começar pela retomada da Mesa Diretora da Câmara pelo presidente Hugo Motta. Essencial, também, o papel na retomada da pauta positiva, uma vez relator do projeto de Isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e nas negociações com os mais variados setores sobre as taxações aos mais ricos.
Lira consegue votação unânime ao projeto no plenário da Câmara, elina uma série de proposições que visavam lançar armadilhas ao governo Lula, na perspectiva de não conseguir as compensações necessárias à perda de arrecadação com a isenção e, de quebra, vence uma queda de braços com seu adversário Renan Calheiros, senador também pelo estado de Alagoas, com quem vai disputar vaga ao Senado em 2026.
Mas o que está em jogo não é apenas a mera disputa eleitoral, mas sim o apoio do presidente Lula no pleito. Tendo em vista que Renan já é da base de Lula, Lira também precisa buscar este apoio, essencial para suas pretensões eleitorais.
Tem mais pautas vindo aí. Fiquemos de olho nas nuvens.