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O café com as tias, a bolha de filtros e a política
22/11/2023 / 13:59
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Uns dias atrás, em uma típica tarde na capital paulista, estávamos, minha mãe, duas tias e eu, tomando um café após um almoço oferecido por uma delas. Falamos de vários assuntos e minha mãe comentou que estava com um problema. A sua máquina de lavar roupa, que adorava e já durava mais de quarenta anos em função da ótima qualidade, não tinha mais conserto. Segundo o técnico da assistência não havia mais peças de reposição para aquele modelo. Assim, mesmo a contragosto, chegou a hora de trocar de máquina de lavar.

Foi aí que os problemas da minha mãe começaram: ela disse que sua vida “tinha virado um inferno” porque ela fez uma pesquisa no Google no seu celular sobre ofertas de máquina de lavar roupa e, a partir daquele momento, em qualquer lugar que estivesse na internet, seja curtindo postagens no Facebook ou no Instagram das suas amigas do bazar, no Youtube vendo vídeos sobre tipos de pontos de costura, lendo as últimas informações no portal de notícias, invariavelmente, como uma espécie de vírus, sempre estava lá alguém oferecendo ofertas de máquina de lavar roupa. Um inferno! Na mesma hora, as minhas tias concordaram e contaram histórias parecidas.
Disse, então, que havia lido há pouco tempo um livro que se chamava O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você, de Eli Pariser. O autor mostra, no livro, como a evolução dos algoritmos das páginas de busca e das redes sociais nos levaram a “era da personalização”.

Antes de 2009, quando os usuários faziam uma pesquisa no Google com termos semelhantes, os resultados eram sempre iguais para qualquer pessoa.  Contudo, depois desta data, o algoritmo do Google mudou e passou a apresentar o que sugere ser melhor conteúdo para cada usuário específico – as pessoas poderão encontrar resultados completamente diferentes uma da outra. Ou seja, cada vez mais o nosso monitor de computador ou tela de smartphone é uma espécie de espelho que reflete os nossos próprios interesses, baseando-se na análise de nossos cliques. Ironiza Eli Pariser:

“A nova internet não só já sabe que você é um cachorro – ela conhece a sua raça e quer vender um saco de ração premium”.

A nova estratégia de negócios dos gigantes da internet é simples (e sua eficácia foi confirmada por minha mãe e minhas tias): quanto mais personalizadas forem as ofertas de informação, mais anúncios conseguirão converter e vender produtos. Como diz Tapan Bhat, vice-presidente do Yahoo: “O futuro da internet é a personalização – a rede agora gira em torno do “eu”. A ideia é entrelaçar a rede de uma forma inteligente e personalizada para cada usuário”. É um mundo feito sob medida para cada um de nós – os meios de comunicação se tornaram o reflexo dos nossos interesse e desejos. Diz Parizer:

“a nossa identidade molda a nossa mídia, e a nossa mídia molda então aquilo em que acreditamos e o que consideramos importante”.

É um novo mundo, da personalização da publicidade na web, totalmente integrada e crossmídia. Se você pesquisa máquina de lavar roupa no seu smartphone, ao abrir seu desktop, com certeza, já vai ter um anúncio do produto, o mesmo acontece na rede social, independente de qual seja: já vai ter um comercial exclusivo para seu interesse. Este remarketing, ou seja, a publicidade baseada nas suas buscas, preferências e cliques (especialmente quando você visita um site sem terminar sua compra, como minha mãe fez), é a essência do novo marketing na Web.

Quanto mais a pessoa usa a internet, quanto mais compra, pesquisa, busca opções, comenta, curte, compartilha conteúdo na web, mais os algoritmos vão aprendendo sobre aquela pessoa. Isto é a learnign machine, um tipo de inteligência artificial em que a máquina vai aprendendo (e quando maior o volume de dados, mais rápido é o aprendizado). Consequentemente, mais específicas, aprimoradas e personalizadas vão ficando as ofertas de conteúdo e a publicidade para um determinado indivíduo.
Escreve Eli Pariser:

“São mecanismo de previsão que criam e refinam constantemente uma teoria sobre quem somos e sobre o vamos fazer ou desejar seguir. Juntos, esses mecanismos criam um universo de informações exclusivo para cada um de nós – o que passei a chamar de bolha de filtros – que altera fundamentalmente o modo como nos deparamos com ideias e informações”.

Segundo o autor, as bolhas trazem três novas dinâmicas: primeiro, estamos sozinhos na bolha, “a bolha dos filtros é uma força centrípeta que nos afasta dos outros”. Segundo, a bolha dos filtros é invisível, “a pauta do Google não é transparente (…), não sabemos se as suposições que o site faz sobre nós estão certas ou erradas – as pessoas talvez nem imaginem que o site está fazendo suposições sobre elas”. Terceiro, nós não optamos por entrar na bolha, é um processo ativo: nós conseguimos perceber de que modo as inclinações dos editores moldam a nossa percepção, como quando usamos óculos com lentes coloridas. Mas não fazemos esse tipo de escolha quando usamos filtros personalizados. Eles vêm até nós.

E gera algumas consequências sociais. Quando a tecnologia passa a nos mostrar o mundo, acaba por se colocar entre nós e a realidade. Como uma lente de uma câmara que faz o trabalho de seleção ao que devemos ou não sermos expostos. Segundo Parizer, é exatamente isso que faz a bolha de filtros. Nossa existência passa a ser filtrada e restrita à nossa própria bolha. 

Parizer diz ainda que a personalização cria uma espécie de “autopropaganda invisível”, amplificando nosso desejo por coisas conhecidas e relevantes para nós (a ideia é dar sempre às pessoas o que elas querem) e nos deixar alheias aos “perigos ocultos no obscuro território desconhecido”. Em outras palavras, a bolha vira uma espécie de circuito fechado de informação no qual aquilo que clicamos no passado vai determinar ao que vamos ser expostos. Seria “uma repetição infindável de nós mesmos”, uma versão estreita de quem somos.

Uma roda viva estruturada no viés de confirmação, onde nossos próprios esquemas mentais, valores e ideologias pré-existentes são a todo momento confirmados por conteúdos que ampliam e reforçam o que já pensamos.
Politicamente, ainda segundo o autor, a bolha de filtros gera um efeito de não expor o cidadão àquilo que não é coerente com seus interesses e preferências. A bolha nos fecha para o que é diferente, discordante e diverso do nosso próprio universo.  Escreve Parizer:

“As bolhas de filtros tendem a ampliar drasticamente o viés de confirmação – de certa forma, é para isso que ela serve. O consumo de informação que se ajusta às nossas ideias sobre o mundo é fácil e prazeroso; o consumo de informações que nos desafiam a pensar de novas maneiras ou a questionar nossos conceitos é frustrante e difícil. É por isso que os defensores de uma determinada linha política tendem a não consumir a mídia produzida por outra linha”.

Esta afirmação é bastante alinhada e consistente com a teoria da psicologia social de Sears e Freedman da exposição seletiva segundo a qual o fato de termos uma tendência de consumir conteúdo de reforço e suporte aos quadros de referência pessoal provoca, por consequência, a redução de contato com perspectivas discordantes ou desafiantes.

Finalmente, a bolha de filtros, por limitar o acesso das pessoas às opiniões divergentes, tende a reforça a polarização eleitoral. Ocorre que no Brasil há um agravante. Boa parte dos usuários de internet tem um pacote de dados insuficiente para todo o mês. Quando o pacote termina, quase 80% dos internautas passam a acessar a internet somente em locais onde podem contar com uma rede por meio de Wi-Fi. Assim, estes consumidores acabam por adotar práticas de “autoprivação” para evitar o consumo do pacote de dados. Eles deixam de acessar ou adiam o acesso a conteúdos ou desligam os dados móveis para economizar.

Uma característica que, também, marca a experiência do acesso à internet móvel da maioria dos consumidores brasileiros é o fato de ficarem com restrições de acesso a conteúdos e aplicativos patrocinados após o término da franquia, podendo utilizar somente o WhatsApp e o Facebook (dependendo do tipo de plano contratado).

Como as pessoas precisam ser mais seletivas no que vão acessar na internet, acabam pesquisando poucos temas que conformam um padrão de gostos e interesses bastante estreito. Consequentemente, aquele usuário vai ficando ainda mais circunscrito a sua bolha de filtros, um universo politicamente limitado, baseado na “ideologia” construída com base em preferências e hábitos de navegação web e cliques. O internauta vai interagindo cada vez mais com aqueles que pensam igual a ele e vai tendo acesso apenas a informações que sejam coerentes com a sua visão de mundo. Para além das estratégias políticas de partidos e lideranças, o universo dominado pelos algoritmos ajuda a criar e reforçar o círculo vicioso da polarização.
Este novo mundo, que há um bom tempo vem se consolidando, da inteligência artificial, das sociedades conectadas em redes, dos algoritmos, vem mudando drasticamente a forma como fazemos campanha eleitoral e conduzimos as estratégias de marketing político. Os desafios são enormes. É um verdadeiro inferno, como diz minha mãe. Mas é nele que o estrategista precisa saber manobrar para alcançar a vitória nas batalhas eleitorais.

*Rodrigo Mendes é publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política. Prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e coordenou 60 campanhas eleitorais e. Autor dos e-books A falha na distribuição da comunicação; O eleitor subconectado e a realidade do marketing eleitoral no Brasil e Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político. 
       

sobre
Rodrigo Mendes
Rodrigo Mendes

RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.

Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.