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O Eleitor Subconectado e a realidade do marketing eleitoral no Brasil
13/11/2023 / 11:20
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Faz parte do senso comum dizer que quase todo o Brasil está conectado. Segundo os últimos dados divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística), em 2021, mais de 90% dos domicílios brasileiros já tinham acesso à internet. Contudo, falhas são comuns quando existe a necessidade de se utilizar a internet como meio de comunicação com a população.  Nas campanhas eleitorais, a internet não é um meio 100% confiável para se distribuir propaganda. Se a abrangência da internet é tão alta, por que isso acontece?

Uma pesquisa realizada pela PwC/Locomotiva, divulgada em 2022 vem esclarecer este fenômeno. Segundo o instituto, 76% dos brasileiros com mais de 16 anos (ou seja, aqueles que podem votar) não conseguem usar a internet todos os dias. Esta dificuldade é mais frequente entre as pessoas das classes C, D e E, negros, moradores de periferias e entre os que têm menor escolaridade. As classes C, D e E representam 70,4% da população segundo a ABEP – Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa. Em média, o pacote de internet do celular esteve disponível para usuários das classes C, D e E somente por 23 dias no último mês. No segmento específico de usuários de pré-pago, a internet só esteve disponível 21 dias e, na classe DE, por 19 dias. Nos demais dias, o acesso à internet pelo 3G/4G esteve bloqueado.

Ou seja, a pesquisa mostra uma realidade bastante diferente daquela que concebe um Brasil conectado. 34 milhões de pessoas estão desconectados e 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias. Ou seja, no Brasil, predominam os desconectados, os parcialmente conectados (44.8 mi) e os sub conectados (41.8 mi). Menos de 30% da população é plenamente conectada, especialmente nas classes A e B, com maior escolaridade.

Existe um abismo digital a separar ricos e pobres. Este é o país real.

Entre as pessoas que têm dificuldade de ter acesso ou de se conectar à internet as razões principais são – 68% o alto preço dos planos e aparelhos, 48% instabilidade no sinal, 44% velocidade baixa, 44% qualidade do sinal.

Existem ainda duas variáveis que se somam às precariedades já apontadas que dificultam  mais a comunicação através da internet no Brasil. Primeiro, em função do tipo de serviço que se adquire, o acesso à internet e a determinadas redes socais é limitado. Segundo, e mais importante, a limitação do tamanho do pacote de dados.

Uma outra pesquisa realizada pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, com o instituto Locomotiva, de 2021, esclarece como se comportam as classes mais baixas em relação à internet. Segundo a pesquisa, os planos pré-pagos predominam entre este perfil de internautas, seguido de planos controle (29%) e, por último, pós-pago. Em relação ao pré-pago, 58% dos internautas dessas classes afirmam possuir este tipo de plano, índice que cresce entre os mais jovens (71%) e entre os usuários das classes DE (71%). As Regiões Norte (66%) e Nordeste (69%), também, apresentam média superior de pré-pagos se comparados às demais regiões (51%).

A pesquisa aponta ainda que entre os usuários para os quais o pacote de dados contratado não foi suficiente para no último mês, 74% afirmaram que acessaram a internet somente em locais onde puderam acessar a rede por meio de Wi-Fi.  Assim, estes consumidores acabam por adotar práticas de “autoprivação” para evitar o consumo do pacote de dados. Aproximadamente 80% deixam de acessar ou adiam o acesso a conteúdos ou desligam os dados móveis para economizar dados quando fora do Wi-Fi.

Uma característica que, também, marca a experiência do acesso à internet móvel dos consumidores mais pobres é o fato de que essa é a parcela de usuários que mais fica restrita aos conteúdos e aplicativos patrocinados após o término da franquia, podendo utilizar somente o WhatsApp e o Facebook, por exemplo.

Várias implicações decorrem desta realidade no comportamento dos eleitores e, consequentemente, nas táticas a serem empregadas nas campanhas eleitorais.

  1. Não se pode fazer campanha apenas no digital. É ainda imprescindível a utilização da TV, do rádio, dos jornais, dos impressos (santinhos, panfletos, folders), do carro de som e também das pessoas (militância, redes de amigos e profissionais contratados) como canais de distribuição das informações em uma campanha. Pesquisas de mídia, como uma das últimas publicadas pela Quaest, em agosto de 2023, mostram que a TV continua a ser a forma através da qual a maior parte da população ainda se informa sobre política (40%), mesmo que já existam mudanças significativas nos hábitos de mídia quando se varia a idade. A pesquisa revela ainda que outros veículos como rádio, jornais, etc. conservam alguma importância (13%) e que 8% não se informam sobre política. Em suma, a maioria da população (53%) ainda se informa sobre política predominantemente através de uma mídia off line. A comunicação integrada, que faz crossmidia entre todos os veículos disponíveis, um completando e reforçando o outro, permanece como a forma mais eficiente de se fazer campanha eleitoral.
  2. Não se pode fazer uso de peças de propaganda grandes e pesadas. Como as pessoas têm limitações nos seus pacotes de dados e utilizam a prática da “autoprivação”, as peças a serem distribuídas precisam ser leves para que a pessoa possa abrir no seu celular e consumir o mínimo possível do restrito pacote de dados.
  3. A limitação de acesso a determinadas redes sociais e no pacote de dados reforça a tendência de polarização eleitoral. Como a pessoa precisa ser mais seletiva no que vai acessar na internet, ela acaba pesquisando poucos temas que vão conformando um padrão de gostos e interesses. Estas pesquisas vão indicando aos algoritmos das plataformas de busca qual é o perfil daquela pessoa. Consequentemente, aquele usuário vai ficando cada vez mais limitado ao que Eli Pariser chamou de “Bolhas de Filtro” – um universo exclusivo para cada um de nós, baseado no que gostamos e nos interessamos. Com isso, a pessoa fica limitada a um pequeno círculo fechado de informações que tendem a reforçar aquilo que ela já pensa. O internauta vai interagindo cada vez mais com aqueles que pensam igual a ele e vai tendo acesso a informações que sejam coerentes com a sua visão de mundo. Este fenômeno é chamado pela psicologia de “viés de confirmação”. As campanhas eleitorais precisam entender este fenômeno das “bolhas de filtro”, saber como lidar com ele e usar a segmentação como uma tática absolutamente necessária neste contexto.
  4. A precariedade de uso da internet no Brasil favorece a proliferação de Fake News. A limitação de acesso a determinadas redes sociais e as restrições ao uso de dados fazem com que as pessoas tenham mais dificuldade de checar se uma informação que recebem, sobretudo através de aplicativos de mensagens como WhatsApp, é verdadeira ou falsa. Segundo a pesquisa do IDEC/Locomotiva, 49% dos brasileiros das classes C,D e E deixaram de buscar notícias por falta de acesso à internet e 40% deixaram de pesquisar se uma informação era Fake News. A pesquisa revela ainda que existe uma espécie de aprisionamento de internautas das classes C, D e E ao WhatsApp, exacerbada pelo modelo de “zero rating” (acesso patrocinado) de internet móvel, o que acaba contribuindo para disseminação de desinformação. Ou seja, o eleitor tende a acabar por “comprar” a versão que é submetido através de uma Fake News pelo simples fato de não ter condições de se expor a uma informação divergente. A “bolha de filtro”, que só mostra aquilo que é coerente com o indivíduo, reforça ainda mais esta tendência. As campanhas precisam dominar as consequências das precariedades e da lógica do funcionamento dos algoritmos para poderem se contrapor à disseminação das Fake News.         

Conclusão. O Brasil conectado é um mito. Predominam os subconectados, com limitações de acessos a redes sociais e aos dados e existem severas dificuldades de se distribuir comunicação para quase 90% da população brasileira através da internet.

A prática do marketing eleitoral brasileiro exige que se conheça a fundo o perfil do nosso eleitor, especialmente das classes mais baixas. A realidade do Brasil profundo é um alerta aos marqueteiros que acham que o mundo se reduz ao digital. O Brasil é mais complexo e contraditório e fazer campanha eficiente é muito mais difícil do que se imagina.

Rodrigo Mendes é estrategista de marketing e comunicação pública com 25 anos de experiência. Publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política, coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições e lideranças.

Imagem: Freepik

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Rodrigo Mendes
Rodrigo Mendes

RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.

Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.