É sempre mais fácil e cômodo culpar a comunicação pelas falhas dos governos. Contudo, invariavelmente, a parte-se de um diagnóstico equivocado. É o caso presente: os problemas principais do governo Lula não são de comunicação. Existem sim falhas na comunicação do governo, mas elas nem de longe explicam a crescente avaliação negativa do terceiro mandato do presidente Lula (PT).
Todas as relações humanas são mediadas pela comunicação. Portanto, comunicar é essencial aos governos, especialmente nas sociedades democráticas. Se governos não “tornar comum” suas ações, (aqui está-se remetendo a origem etimológica da palavra comunicação), é como se nada fizessem e sua avaliação tende a cair.
Para tornar comum uma ação, antes faz-se necessário que sejam desenvolvidas ações efetivamente alinhadas com as demandas e necessidades da população. Ou seja, existe uma ordem nos fatores. A ação precede a comunicação. Ela é consequência da ação, vem na sequência dela; não é um fim em si mesma.
O governo está falhando nas ações essenciais que afetam a qualidade de vida da população, que impactam na sobrevivência das famílias. Os dados falam por si só: segundo a pesquisa Radar Febraban/IPESP de dezembro de 2024 as prioridades dos brasileiros são, nesta ordem: saúde (30%), emprego e renda (18%), educação (12%) e segurança (10%). E a mesma pesquisa mostra que a população percebe uma piora na saúde (18%), na segurança (16%), na inflação e custo de vida (12%) e na geração de emprego (10%). Ou seja, o governo, aos olhos dos brasileiros está falhando em áreas essenciais. Se a comida, o aluguel, o combustível, os serviços, tudo está subindo, a saúde e a segurança está ruim e a vida de um modo geral vai ficando mais difícil, a paciência com o governo vai sendo gradativamente corroída.
Quais são as variáveis principais que explicam a crescente avaliação negativa do governo Lula?
Primeiro, existe uma quebra de expectativa. Quem votou em Lula esperava algo parecido com o seu primeiro mandato. E a realidade atual é muito distante desta expectativa. Em 2003 a situação do Brasil e da conjuntura econômica mundial eram outras e completamente diferentes. Ao mesmo tempo, a força das redes sociais era muito pequena ou inexistente, a mídia tradicional era a fonte de informação mais importante. Este cenário mudou drasticamente a partir das eleições de 2018. Boa parte dos brasileiros de todas as classes passou a se informar através das redes sociais.
A campanha eleitoral de 2022, ainda mais com um nível tão alto de acirramento, fez com que o tom das promessas precisasse subir e, consequentemente, foi gerada uma expetativa grande na população. Talvez a mais emblemática seja a promessa feita por Lula de picanha a preços populares. Na medida que o tempo vai passando estas quebras de expectativas vão cobrando seu preço.
Segundo, a inflação, que fechou acima do teto em 2024, vem se refletindo no preço dos alimentos e afetando sobretudo a base eleitoral principal do governo Lula, os mais pobres. Para usar uma expressão não muito em voga: a carestia está grande. Este é sem dúvida nenhuma o principal fator que explica a crescente avaliação negativa do governo Lula. Comida cara e subindo, corroendo o poder de compra da população contribui para queda da avaliação de qualquer mandatário. Sobretudo nas classes mais baixas, onde a participação da alimentação no orçamento é muito mais significativa, o impacto negativo tende a ser ainda maior.
A pesquisa Febraban/IPESP mostra que 68% acham que a inflação vai aumentar em 2025. Ou seja, há uma percepção negativa da realidade presente e uma visão pessimista em relação ao futuro.
Vale lembrar que na campanha eleitoral de 2022 esta foi uma das principais críticas de Lula à gestão de Jair Bolsonaro (PL). Essa lembrança, que produziu uma expectativa, está agora se voltando contra o presidente Lula.
Terceiro, os juros altos também vêm afetando a população. O nível de endividamento dos mais pobres aumentou, bem como a inadimplência. Uma pesquisa da CNC, a Confederação Nacional do Comércio, aponta que 81% das famílias com renda de até três salários-mínimos estão endividadas. Ou seja, se os juros do crediário, do empréstimo, do cartão estão nas alturas (temos umas das maiores taxas de juros reais do mundo), a rolagem destas dívidas está gerando gravíssimos problemas para as famílias. Consequentemente, a insatisfação com o governo aumenta. A pesquisa Febraban/IPESP mostra que 68% acham que a taxa de juros vai aumentar em 2025 e 65% que o endividamento será ainda maior. Por outro lado, 44% avaliam que o poder de compra vai diminuir.
Quarto, o governo parece que não entendeu que o cenário político é um terreno de disputa, ainda mais e um contexto de polarização e de predomínio das redes sociais como espaço de debates. Qualquer medida com conteúdo mais polêmico ou com potencial para gerar maior impacto na população será objeto de disputa de narrativas. E o novo palco para estas disputas é a rede social, onde a esquerda precisa aprender a jogar de forma mais competente. É ingenuidade do governo achar que a oposição não fará uso de todos os recursos disponíveis para desconstruir as tentativas do governo de impor a sua narrativa.
Também aqui vale lembrar que o PT quando era oposição revelava-se muito competente neste trabalho. Contudo, ocorreu uma mudança profunda no campo de construção de narrativas políticas. E a direita bem se mostrando muito mais competente para atuar neste campo do que a esquerda. A goleada sofrida no episódio do PIX fala por si só.
Conclusão, é louvável o esforço do governo em trocar a equipe de comunicação, fazer treinamento sobres redes sociais com lideranças, o presidente Lula dar broncas em ministros e fazer cobranças de entregas, mas uma coisa é certa: os alimentos não vão baixar no supermercado por obra e graça do Espírito Santo e as coisas não vão parar de subir porque o governo assim deseja. Maquiavel escreveu: a realidade é o que é, não o que gastaríamos que fosse. O governo precisa parar de dizer que o problema é de comunicação e ter um olhar crítico para a sua política econômica para, eventualmente, conseguir controlar a inflação, a escalada dos preços e o aumento dos juros. Ao mesmo tempo precisa construir soluções mais efetivas para os problemas principais que afligem os brasileiros: a saúde e a segurança.
Os problemas do governo Lula no seu terceiro mandato são muito mais agudos do que alguns querem acreditar e não serão resolvidos com a troca do slogan e a veiculação de algumas campanhas publicitárias
RODRIGO MENDES é estrategista de marketing político e comunicação pública e institucional com 25 anos de experiência. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições, lideranças e empresas. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.
Autor de “Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais”; “Marketing Eleitoral – Aprendendo com campanhas municipais vitoriosas” e dos e-books “A falha na distribuição da comunicação”; “O eleitor subconectadoe a realidade do marketing eleitoral no Brasil”; “Marketing Governamental”; “Novas estratégias eleitorais para um novo ambiente político” e “DataMídiaPerformance”.