As previsões de várias pesquisas e diversos analistas políticos apontavam para uma disputa acirrada entre Kamala Harris e Donald Trump. Não foi isso que aconteceu: a vitória do republicano veio de forma acachapante. Trump ganhou tanto no Colégio Eleitoral, quanto no total de votos, o que não acontecia a um candidato republicano desde a reeleição de George W. Bush, em 2004.
E essa vitória acachapante aconteceu mesmo com Trump tenso sido condenações pela Justiça por assédio sexual, fraudes e envolvimento em diversos escândalos (que eram interpretadas pela campanha de Trump como falsas acusações de fraude eleitoral) e de ter incentivado a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Afinal, por que Trump ganhou?
- Biden foi escolhido como candidato dos democratas à reeleição, mas um desempenho péssimo no primeiro debate, em junho, acendeu alertas sobre a sua idade e as suas condições de cumprir mais um mandato. Após muita pressão de apoiadores, o presidente anunciou em 21 de julho a sua desistência da disputa, e Kamala Harris assumiu a candidatura, mas teve apenas 16 semanas para fazer campanha. Apesar de um início animador da democrata, a campanha de Trump bateu na tecla da troca de oponentes em cima da hora como um sinal de fraqueza dos adversários.
- Trump fez uma campanha centrada em alguns pontos: realizar uma deportação massiva de imigrantes ilegais (mesmo que não tenha conseguido avançar em muitas pautas em função de limitações impostas pela Justiça ou por estados governados por democratas), protecionismo e fortalecimento da economia americana para os americanos (no primeiro mandato ele também não conseguiu trazer tantas industrias quanti ele pretendia), contra agenda liberal nos costumes e contra o aumento do custo de vida. Deportação em massa de imigrantes ilegais, o fim da globalização e um ataque direto a elite liberal americana foi mais forte que quaisquer dúvidas que os eleitores tivessem sobre o caráter de Trump.
- Trump utilizou novamente a retórica populista com viés regressista – a volta a um passado glorioso, de uma América forte, com instituições e empresas funcionando bem, com as pessoas tendo empregos estáveis e longevos. O mote da sua campanha de 2016 “Faça a América Grande Outra Vez” resume bem este sentimento. Trump possui uma forte base de seguidores, conhecidos como MAGA (em referência ao slogan Make America Great Again) que disseminam e defendem ardentemente estes valores. Eles são majoritariamente brancos de regiões empobrecidas que veem Trump, embora um bilionário nascido em Nova York, como uma figura anti-sistema.
Esta passagem do livro a Desagregação: por dentro de uma nova América de George Packer resume bem esse sentimento:“Enquanto encontram seu caminho na desagregação, esses americanos obscuros passam ao lado de novos monumentos onde outrora estavam as velhas instituições – as vidas exageradas de seus compatriotas mais famosos, celebridades que são ainda mais exaltadas quando as outras coisas entram em decadência. Esses ícones ocupam, às vezes, o lugar de deuses do lar, e se oferecem como respostas ao enigma de como levar uma vida melhor.”
- E então chegamos no ponto central – a percepção sobre o desempenho da economia.
“É a economia seu estúpido”
James Carville, consultor de marketing americano
Embora o presidente americano Joe Biden tenha bons números a apresentar nos índices de desemprego, no crescimento do PIB e nos índices da bolsa de valores, muitos americanos não sentiram no próprio bolso a bonança econômica que os democratas imaginaram que o país estava vivendo.
Biden realizou a liberação de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,9 trilhões na conversão atual) como parte de um plano de recuperação da economia pós-pandemia logo após assumir o cargo. Na sequência, a inflação disparou no país, chegando a 9,1% em 12 meses em junho de 2022, maior patamar em quatro décadas. A cifra é exorbitante para os padrões dos EUA. O salto no custo de vida obrigou a alta nos juros, que encareceu o crédito no país. Boa parte das pesquisas eleitorais mostrava os eleitores americanos preocupados com a economia. Durante sua campanha, Trump frequentemente abria seus comícios perguntando ao público: “Vocês acham que sua vida está melhor ou pior do que há quatro anos?”, e passava a comentar a alta dos preços de itens básicos, como comida.
Como eleição é uma disputa de percepções e não sobre realidades, pesou contra a candidata democrata o fato das pesquisas de opinião mostravam que a grande maioria dos americanos não percebia melhoras na sua situação econômica nos últimos quatro anos. Pelo contrário, segundo uma pesquisa do instituto Gallup, a maioria dos americanos, nos últimos quatro anos, têm demonstrado pouca confiança na economia. O estudo foi realizado em outubro de 2024 e revelou que 52% dos americanos acreditam que estão vivendo em situação econômica pior do que quatro anos antes. Este é um dos piores índices para um ano eleitoral, complementado pela taxa de apenas 39% de pessoas que disseram estar financeiramente melhores do que há quatro anos.
Em resumo é o seguinte, quando a percepção da economia é negativa (a pessoa percebe que sua situação financeira piorou) as pessoas tendem a votar no candidato que representa a mudança. E quando a percepção é positiva, votam na situação. É simples assim!
- Entre os diferentes eleitores, Trump teve um desempenho muito melhor entre homens latinos. Em 2024, ele obteve 45% dos votos desses eleitores, contra 32% em 2020 e 28% em 2016, segundo a boca de urna. Além disso, em relação às duas eleições em que ele havia participado anteriormente, Trump avançou no voto entre negros, segundo as primeiras pesquisas após a votação. Apesar das falas abertamente xenofóbicas do republicano, boa parte dos eleitores latinos legalizados concorda com propostas como deportação de ilegais e a construção de um muro na fronteira com o México. Em relação aos homens, há a percepção de que Trump se coloca há anos como uma figura masculina em contraposição a pautas “feministas” que ameaçariam a posição destes na sociedade. Em 2016, Trump apresentou-se como alternativa ao insatisfeito homem branco da classe trabalhadora. Agora ele reforçou ainda mais este discurso e conseguiu ampliar os segmentos sociais alcançados por esta retórica.
Conclusão, Trump fez desta vez uma campanha muito mais profissional e bem estruturada. E já não representa um fenômeno desconhecido e tão imprevisível.
Trump vence porque representa mudança em uma situação em que predomina baixa confiança nos agentes econômicos e as pessoas convivem no seu dia a dia com aumento de preços e perda do seu poder de compra.
Vence porque conseguiu, assim como fez em 2016, a até com mais vigor agora, se posicionar como alguém que é contra o establishment, um outsider, que fala a verdade, mesmo que de forma tosca e dura, a assim consegue dialogar com os excluídos do sistema, com a chamada “América Profunda”, com os marginalizados pela globalização, pelas mudanças profundas das bases da economia, sobretudo aquela produzidas pelas novas tecnologias.
Agora é ver como será seu segundo mandato…