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Como escrever um diário pode melhorar sua carreira: 6 motivos
11/05/2023 / 09:54
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Eu já tentei convencer muita gente próxima a manter um diário sobre o trabalho. A professora que testemunha cenas engraçadas ou de partir o coração diariamente; o empresário que enfrenta desafios em encontros intermináveis; a anestesista que lida com pessoas retornando do sono dos analgésicos. Sem falar na dentista cuja cadeira vira divã com uma facilidade enorme. Taxistas e motoristas de aplicativo poderiam escrever um livro de crônicas por mês com as histórias que acontecem e são contadas dentro de seus carros.

Não estou sugerindo um rompimento generalizado de preceitos éticos e revelação indiscriminada de segredos de alcova. Registrar passagens da vida enriquece nosso repertório para lidar com os desafios da carreira também. Entre nós e o papel, a rotina maçante ganha novas cores, o colega chato fica um pouco mais humano, ou pior do que já é, dependendo do humor na hora de escrever. Crianças pequenas rendem um diário inteiro de lágrimas e gargalhadas. Mesmo com tantos argumentos, não lembro de ter convencido alguém a começar um diário. Nem eu tenho um.

Em minha defesa, porém, digo que escrevo desde sempre, em folhas soltas, blocos, celular, computador. Tenho uma coleção de cadernos. O caderninho da vez tem capa verde, lugar para caneta, diálogos e ideias que eu ainda vou usar em algum momento – porque foi esse hábito que me ajudou a escrever dois livros de crônicas. Também mantenho um bloco pequeno na bolsa, e áudios, porque nem sempre dá para anotar. Falta-me a disciplina de um diário, mas o bloquinho segue firme.

Apesar de não ter convencido a professora, o empresário, a dentista nem a motorista do Uber, queria convidar você que já escreve sobre questões mundanas, de forma automática, técnica e profissional, a exercitar mais sua criatividade num diário. Eis alguns motivos:

Fortalece sua memória

Fica muito mais fácil lembrar cenas inteiras e episódios que aconteceram em determinada reunião. Às vezes bastam palavras-chave, ou frases impactantes, trechos de livros que você leu. Serão o gatilho para recordar os trejeitos de quem disse, o tom, a piada que corria então, o comentário que te encantou ou ofendeu, enfim, a sua emoção.

Se você já deu palestras, sabe que não é fácil criar um bom começo. Dez em cada dez coaches de palestras recomendam que você comece com uma boa história. E as boas histórias evaporam com uma facilidade imensa, a não ser que você as guarde em algum lugar melhor do que a sua cabeça.

Melhora sua saúde mental

Escrever é uma atividade terapêutica, com benefícios comprovados pela ciência. Há estudos mostrando como o hábito de escrever em diário combate a depressão. Alguns pesquisadores afirmam que escrever um diário é tão eficaz quanto uma terapia comportamental-cognitiva. Enquanto escreve, a pessoa afasta pensamentos depressivos, lida melhor com a ansiedade, fortalece o sistema imunológico, reduz a pressão, melhora o desempenho dos pulmões. É praticamente uma corrida. Eu encontrei tanta pesquisa mostrando efeitos positivos que até me senti mais saudável enquanto escrevia esta coluna.

Organiza suas ideias

Organizar o pensamento não é intuitivo. A gente aprende a fazer isso. Quer dizer, tem aquele pessoal que parece ter vindo com tudo pronto de fábrica, mas eu também desconfio deles. Quando você coloca no papel (ou no computador) suas impressões, aparecem inconsistências, buracos, redundâncias, erros, coisas que o sobrenatural acrescenta ao texto sem sem a gente ver. Mas, ao contar para si mesma uma história, você vai aos poucos melhorando a narrativa, nem que seja para que sua versão no futuro aprecie seu feito.

Ao fazer da escrita um hábito, ao qual você se dedique, ainda que cinco minutos todo dia, você também começará a priorizar mais, e isso é o mesmo que editar, ou cortar as partes chatas. Um bom diário conterá cenas memoráveis e só se ocupará das partes chatas se você tiver um comentário espirituoso sobre a chatice.

Escrever diverte

A Inteligência Artificial pode até montar um texto razoável para você usar no trabalho, no relatório, quem sabe num email, mas não vai aumentar seus níveis de endorfina. A IA rouba de você o prazer e o encanto do processo da escrita. Resumir com perfeição algo que antes parecia tão confuso, resgatar aquela palavra tão bela e sonora, descobrir algo que você só soube depois de começar a escrever, atingir o ápice de uma frase concisa, terminar um trecho evocativo, reconstruir um cenário que você julgava perdido são pequenas vitórias dessa arte. Isso inteligência artificial nenhuma pode fazer no seu lugar.

Revela novas perspectivas

De um tempo para cá, passaram a chamar isso de ressignificar. A palavra ficou um pouco batida mas é isso mesmo. Escrevendo, atribuímos novos significados – ou encontramos propósito – a acontecimentos passados. O distanciamento proporcionado pela escrita de um diário opera milagres, transformando momentos difíceis em histórias risíveis. Uma clássica definição de humor, usada por Ricardo Araújo Pereira, humorista português, em seu livro sobre a escrita humorística, diz o seguinte: humor é tragédia mais tempo. Livre da patrulha, da supervisão e do olhar alheio, você também se soltará mais e a escrita honesta é o que costuma produzir livros marcantes. Fica a dica. Vai que esse diário inspira algo maior depois?

Estimula a criatividade

Ao escrever, você leva seu cérebro para passear, trabalhando aquela seção responsável pelos pensamentos originais. Encare o cérebro como um músculo. Ele tem que se exercitar de forma lúcida. Quando você acrescenta aos seus registros coisas que pensou na hora ou que as outras pessoas poderiam ter dito, mas não confessaram, você desperta seu lado roteirista e acorda um gênio adormecido.

Ao escrever esta coluna para você, procurei destacar aquilo que a escrita faz por mim. Eu me divirto (sofro e procrastino também). Enquanto escrevo, costumo ter ideias para as próximas colunas, projetos em andamento, livros em processo, tudo junto. Ideias adoram a companhia de outras ideias. Nossa mente segue estranhos caminhos.

É uma questão de tempo para você descobrir as vantagens de escrever todo dia, caso ainda não o faça, e ter o diário que não tenho. Escrever vai, por certo, afiar sua habilidade de comunicar. Entre o vasto material disponível na internet sobre as vantagens da escrita, encontrei um vídeo curto de Conor Neill, professor da IESE Business School, de Barcelona, no qual ele conta, em pouco mais de três minutos, como um professor de Biologia fez ele, ainda adolescente, começar um diário. Aliás, uma turma inteira.

Faz pouco tempo encontrei uma folha amarelada pelo tempo, toda dobrada e guardada em caixas esquecidas. Para aquele papel, eu contei, aos dez anos, que um dos meus sonhos era ser jornalista (o outro sonho era falar mais francês do que a minha irmã, mas a competição fraticida não vem ao caso agora). Aquela menina ressurgiu do nada para me lembrar que eu havia escolhido minha profissão muito cedo. Pude ouvir sua voz, reencontrei a caligrafia infantil e o tom inocente de quem confessa algo para si mesma. Senti um amor imenso por aquela criança. Queria dizer para ela que deu certo. Imagina a alegria se ela soubesse o que ainda viria pela frente?

Minha grande motivação para ser jornalista, de acordo comigo aos dez anos, eram o prazer de fazer redações e o entusiasmo de minha mãe, a leitora fiel que lia meus textos “umas 500 vezes”. Telefonei de imediato para dividir com minha mãe tamanha alegria. E eu ainda gosto muito de fazer redação, eu disse. Parece que sim, ela comentou, rindo. Aos 89 anos, mamãe teve certeza sobre o papel dela no meu amor pela escrita.

Cinco dias depois ela levou um tombo.

Entre as coisas boas que me consolam no meu luto está o resgate dessa memória preciosa. Graças ainda aquele arremedo de diário, que o acaso não deixou desaparecer, tive a chance de agradecer à minha mãe a tempo.

Um diário não vai só fortalecer suas habilidades profissionais, ele pode fazer a diferença quando você menos esperar.

Por Isabel Clemente, do Valor Econômico*