Todas as plataformas querem atenção, mas cada plataforma quer atenção à sua maneira. O TikTok, rede social associada a dancinhas e tendências questionáveis, está sendo usado como alternativa ao Google para buscar informações na internet.
Pode parecer estranho, mas é reflexo de como os aplicativos têm lutado pela atenção dos usuários. Segundo estudo do Pew Research Center publicado em outubro, a proporção de americanos entre 18 e 29 anos que se informam regularmente pelo TikTok saltou de 9% em 2020 para 26% em 2022.
A pesquisa também mostra que hoje 33% dos usuários da rede social chinesa a usam como fonte de informação. Isso significa que jovens não só usam o aplicativo para participar de trends como também para pesquisar sobre qualquer tipo de assunto.
“Esse fenômeno faz parte de uma transformação ampla sobre o futuro do comportamento digital. As pessoas estão cada vez mais buscando por informações autênticas, por pessoas reais, por experiências reais”, disse Karina Santos, coordenadora de Mídias e Democracia do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
Segundo Santos, hoje há um cansaço, principalmente na geração Z, de anúncios e do tipo de texto encontrado em sites superotimizados, que aparecem no topo das pesquisas do Google.
Esse crescimento do TikTok vai na contramão das redes sociais americanas, nas quais o consumo de notícias diminuiu ou estagnou nos últimos anos. Estão em queda Twitter, Facebook e Reddit, segundo o estudo. YouTube e Instagram estão estagnados.
Outra pesquisa, publicada em julho deste ano pelo Ofcom, regulador de mídia britânico, aponta que o TikTok está entre as três principais fontes de busca para jovens de até 24 anos, ao lado do Instagram e do YouTube.
O segredo está na capacidade do algoritmo do app em oferecer o que usuário quer ver e na eficiência com que entrega resultados para certos tipos de pesquisa.
“A geração Z quer ver uma representação visual de algo em vez de ler sobre isso em um site frio e sem rosto. E esse tipo de experiência é mais facilmente transmitida em vídeo, principalmente em uma plataforma que incentiva o compartilhamento autêntico de experiências, como o TikTok”, explica a pesquisadora.
No TikTok, quando o usuário seleciona o ícone de busca no canto superior direito da tela, o aplicativo exibe sugestões de conteúdo. Entre eles, assuntos populares do momento. No dia 6 de dezembro, por exemplo, apareceram opções como “Copa do Mundo”, “Farofa da Gkay” e “Receitas de Natal”.
Selecionando “Copa do Mundo”, o TikTok exibia vídeos mais populares sobre o assunto na parte de cima e a tabela da competição embaixo. Abaixo dela, dezenas de vídeos sobre tudo que envolve o evento.
Escolher um deles faz o usuário entrar no que especialistas chamam de buraco do coelho (rabbit hole, em inglês), referência a “Alice no País das Maravilhas”. Como os vídeos são curtos, assistir a um é a mesma coisa que assistir a dois, a três e, quando se dá conta, já passou horas no celular e percorreu diversos temas.
O algoritmo do app ainda é treinado com base no comportamento do usuário para sugerir vídeos e termos de pesquisa relacionados aos seus interesses.
Por exemplo, depois de clicar em “Copa do Mundo”, cenas da partida da Seleção brasileira contra a Coreia do Sul, TikToks dos jogadores e momentos marcantes de outras Copas começaram a aparecer com mais frequência. E isso funciona para qualquer outro tema pesquisado.
“O TikTok não foi feito originalmente para isso, mas a quantidade de conteúdo produzida na plataforma faz com que se transforme numa ferramenta de busca”, explica Vince Vader, professor de Plataformas Digitais e Game Essentials da ESPM.
Segundo Vader, as plataformas disputam a atenção dos usuários segmentando seus conteúdos. Pesquisas visuais, como uma receita de macarrão ou cenas de um videogame, podem ter melhores resultados no TikTok. Vídeos explicativos, no YouTube. Amigos e familiares, é claro, no Facebook e no Instagram. Memes, no Twitter. Informações específicas, no Google. Compras, na Amazon.
Além disso, os resultados no TikTok não aparecem entre anúncios (e quando aparecem, podem ser pulados), que poluem o topo dos resultados de uma pesquisa trivial no Google. Enquanto pesquisar o nome de um celular de última geração leva a vídeos mostrando como é o produto na primeira plataforma, na segunda aparecem ofertas e canais de venda.
Isso faz a rede social ser ideal para assistir a receitas, análises de produtos e lugares, sugestões de filmes e games e guias turísticos, por exemplo. Mas está longe de substituir o Google por completo.
Pesquisas mais específicas dificilmente terão resultados satisfatórios na plataforma chinesa. É mais eficiente pesquisar pelo calendário de pagamento do Auxílio Brasil no Google do que no TikTok, por exemplo. Frases com “quando”, “onde”, “qual” e “por que” se saem melhor na plataforma americana porque são resolvidas com texto.
Uma consequência que Karina Santos atribui a esse fenômeno do TikTok é a ascensão dos superapps. Hoje, as empresas de tecnologia criam funcionalidades e incentivam um amplo universo temático de conteúdo para atender a novos hábitos digitais. Assim, elas passam a disputar cada segundo de atenção do usuário, retendo-os em seus ecossistemas.
É um exemplo disso o investimento do Google no YouTube Shorts e da Meta no Reels, do Instagram, que são mecanicamente idênticos ao TikTok e se acomodam em meio às outras várias funcionalidades desses aplicativos.
“É menos trabalhoso continuar no TikTok e pesquisar algo ali mesmo do que sair do aplicativo e ir para uma outra interface, com uma outra lógica de pesquisa, de formato e de experiência como um todo”, disse.
O Google Search ainda tem a vantagem de estar integrado ao ecossistema da marca, e entrega resultados com base na localização do usuário, por exemplo. Nele, basta buscar por “tempo” para saber se vai ser necessário sair de casa com um guarda-chuva.
“Usar o TikTok dessa forma não quer dizer que a hegemonia do Google enquanto ferramenta de busca será ser contestada, mas é uma tendência que fala sobre o futuro do comportamento digital. Isso porque, à medida que nosso mundo digital vai crescendo e ampliando as formas de encontrar informação, ela também vai se modificando”, disse a pesquisadora.
Por Gustavo Soares, da Folha de S. Paulo