Eleições municipais, via de regra, são marcadas pelo signo do continuísmo. Esta é tendência que vem se verificando ao longo da história. Em vinte anos de vigência da reeleição, a taxa média de recondução dos prefeitos foi de 58%. Em 2020 este número chegou a 63%. Na conclusão do livro Como o eleitor escolhe seu prefeito – campanha e voto nas eleições municipais, Antônio Lavareda e Helcimara Telles falam do “voto retrospectivo” em que o eleitor avalia o desempenho da administração para identificar se ela deveria continuar ou se as falhas são maiores que os acertos e, portanto, precisa ser substituída. Os autores dizem que “as realizações mais efetivas dos prefeitos dominam a agenda. Nesta situação terá valido a pena para o eleitor investir no voto retrospectivo, levando em conta o julgamento que possuía do incumbente e sua administração”.
Contudo, para a tendência histórica se concretizar, e de fato as realizações do governo dominarem a agenda, o cidadão precisa estar informado do que a gestão fez. Mesmo assim, isso não é suficiente. O eleitor deve ser convencido que o prefeito merece continuar.
Para atingir estes dois objetivos, informar e persuadir, a comunicação de prestação de contas do mandato é essencial. Neste artigo mostro como estruturar uma comunicação de forma eficiente para potencializar as chances de reeleição dos prefeitos.
Sempre que posso, faço questão de afirmar que a comunicação de um governo com a sociedade deve ser permanente, estabelecendo um fluxo informativo que fixe os eixos da identidade que se quer criar, as estratégias para se construir um posicionamento e a definição dos programas e ações selecionados que vão dar sustentação ao conceito e a imagem do governo e do mandatário. Na maioria dos casos isto não acontece. Governos não estabelecem comunicação regular e fazem balanço de tempos em tempos (quando fazem), além das campanhas de utilidade pública, via de regra, burocráticas e enfadonhas.
Para Maquiavel a política é “o processo de conquista e manutenção do poder”. Entretanto, no Brasil, os políticos se dedicam enormemente à conquista do poder, e neste momento se aproximam dos eleitores, mas são negligentes com a sua manutenção. A gestão afasta os mandatários dos eleitores. A comunicação é uma das formas de manter o político próximo, vivo na memória dos votantes. Por isso, é tão essencial fazer comunicação permanente – não apenas nos períodos próximos aos processos eleitorais. Para os políticos que pretendem se manter no poder, comunicar deveria ser algo estratégico.
Maquiavel afirmou o realismo político como o método por excelência da ciência política. Sendo assim, voltemos a realidade tal como ela é, não como gostaríamos que fosse…
Estamos chegando agora há menos de um ano da próxima eleição para prefeito e existe um déficit informacional em boa parte dos municípios. A maioria dos cidadãos sabe dizer muito pouco do que os prefeitos fizeram em seus mandatos. É a hora de fazer campanhas para prestar contas das realizações e tentar amenizar este déficit.
Como fazer uma boa campanha?
Em primeiro lugar:
Ela precisa estar baseada em dados e informações confiáveis, extraídas de pesquisas de opinião que revelem o que o cidadão já sabe da administração (recall), como avalia o trabalho da gestão, qual o perfil dos que já aprovam, dos indiferentes e dos que rejeitam, além de identificar quais sãos os principais problemas, necessidades e desejos do eleitor. É preciso, também, conhecer os hábitos de mídia da população para saber como fazer a informação chegar em cada público-alvo.
Uma boa campanha promove um diálogo com as experiências e as percepções preexistentes do público. Já dizia Nietzsche “um homem não tem ouvidos para aquilo a que a experiência não lhe tenha dado acesso”. Para conseguirmos memorizar algo é necessário que a nova informação se relacione com a que já possuímos. A campanha precisa, portanto, estabelecer conexões e fazer sentido com as descobertas e as informações trazidas pelas pesquisas. Este é o conceito de transfusão – dialogar com as percepções existentes. Se a propaganda não trabalha desta forma, a chance de não dar resultado é enorme. E para ser eficiente a campanha precisa ser distribuída de forma correta, realmente ser entregue ao receptor. Para tanto deve ser crossmidia, analógica e digital, adaptada a cada um dos públicos-alvo em termos de canais e linguagem.
Em segundo lugar:
É essencial definir o foco – o emissor (governo) escolher e selecionar o conceito a ser enfocado. Esta escolha precisa estar baseada nas percepções dominantes do público-alvo (colhidas nas pesquisas). Ela recai necessariamente sobre o atributo que mais acarreta avaliação positiva para o governo e tem maior potencial de conversão em votos futuros. O conceito é o resumo de um pequeno número de ideias e informações escolhidas para serem repetidas na campanha.
Um dos graves erros cometidos na comunicação é o de não ter foco. Não escolher uma linha de atuação, um programa, uma ação, um conceito que vai ser afirmado como marca. E quem tenta destacar vários atributos não consegue fixar nenhum. Agindo assim, a comunicação não posiciona o governo. Pesquisas de recall confirmam este fato e dão sempre o mesmo resultado: lembranças eventuais e dispersas sobre vários itens e uma grande maioria que não sabe dizer nada que o governo fez.
Qual deve ser o foco?
O foco deve ser uma ideia simples e de fácil compreensão. Para isso a campanha de prestação de contas deve promover a orquestração – ou seja, a repetição do tema principal, conservando-se o conteúdo e alterando-se a forma. E deve haver uma padronização da mensagem central, com unidade de cores, marcas, layouts, sons e imagens. É isto que vai ajudar na fixação da mensagem e na memorização do conceito.
Como o objetivo é reeleger o prefeito, o conceito proposto deve apontar para o futuro. A campanha deve mostrar onde se pretende chegar e quais são as medidas que estão sendo tomadas no presente para que isso ocorra. Desta forma, está-se, implicitamente, sugerindo a necessidade de se dar continuidade ao atual mandato.
O gestor precisará encontrar o futuro nas atividades do presente. Que programa, ação ou política é sua melhor esperança para o futuro? Ela está alinhada com as expectativas e anseios do público? Este passará a ser seu foco.
A boa campanha de prestação de contas, portanto, induz a um raciocínio, implícito ou explicito, de que: o que é bom precisa continuar e o futuro depende desta continuidade. Transfere-se para o cidadão a decisão de escolher entre avançar e seguir em frente ou correr o risco de retroceder(apostando em uma mudança incerta e arriscada).
É exatamente este movimento estratégico – que afirma a segurança do conhecido e testado e estimula o sentimento de medo da mudança – que vai provocar o empuxo necessário para transformar as avaliações regulares (neutras/indiferentes) em avaliação positiva. À campanha eleitoral restará a tarefa de terminar de converter boa avaliação em votos.
Um alerta importante:
Em vários governos, para quem já prestei serviço, é muito comum acontecer um problema que considero grave. Como os governos ficam muito tempo sem se comunicar, quando chega no momento de fazer a campanha de balanço, existe uma vontade de se falar tudo o que foi feito nos últimos três anos. Isto é um grande erro!
Como não há clareza do que se quer fixar, tentam colocar tudo em uma única campanha. O resultado é que os filmes e os spots contêm dados demais, com um amontoado de números e, a campanha acaba por ter pouco recall e gerar baixíssima retenção de conteúdo, produzindo apenas mais dispersão.
É preciso que a informação seja usada em dosesdigeríveis.
Para resolver este problema é necessário separar os dados das informações. Informação é aquilo que reduz a incerteza – se não faz sentido para o público não é informação. É preciso selecionar as informações essenciais, sobretudo aquelas que reforçam o conceito central.
Afinal, fazer as pessoas prestarem atenção e memorizarem algo não é tarefa fácil. Ainda mais em se tratando de propaganda de governo, que não costuma gerar grande interesse. Além do que, vivemos em um mundo abarrotado de informação (sobretudo com a carga do digital), onde, como mecanismo de autodefesa, as pessoas boqueiam, cada vez mais, informação.
A percepção das pessoas é seletiva e a memória é ainda mais. O cidadão, para se proteger do excesso de informação, faz uso de alguns mecanismos de defesa: a exposição seletiva as mensagens, a atenção seletiva e, por fim, a retenção seletiva – só nos lembramos daquilo em que estamos interessados. Para funcionar e ser memorizada, a campanha vai precisar romper estas barreiras cognitivas. Em definitivo, este não é um desafio trivial.
Em terceiro lugar:
As emoções são um grande aliado neste processo, pois representam um papel fundamental na construção da memória. A memória está intimamente ligada ao sistema límbico, o lugar das emoções no cérebro. O sistema límbico age como chave seletora para decidir se a informação deve ou não ser guardada.
Emoções podem ativar comportamentos, reforçar percepções e direcionar escolhas. Se desejamos que elas sejam memoráveis, as campanhas de prestação de contas precisam tocar na emoção do público. Este é, também, um grande desafio.
Em quarto lugar:
Fazer uso do “contraste perceptivo” e da “prova social”. Aqui faço uso de dois conceitos de Robert Cialdini extraídos do livro As armas da persuasão – como influenciar e não se deixar influenciar. Para Cialdini, “existe um princípio na percepção humana, o princípio do contraste, que afeta a forma como vemos a diferença entre coisas quando são apresentadas uma após a outra”. Na campanha de prestação de contas é muito interessante mostrar o antes e o depois, o que não tinha e agora tem e como o trabalho da gestão mudou para melhor a vida das pessoas. Utilizar esta sequência ajuda a fortalecer a ideia de que ocorreu uma evolução, um avanço. Este movimento favorece a análise retrospectiva e, posteriormente, o voto no atual gestor que produziu esta melhora.
Para confirmar estar percepções, baseadas no contraste perceptivo, nada melhor do que o uso da “prova social”. Cialdini fala o seguinte: “este princípio diz que determinamos o que é correto verificando o que as outras pessoas acham correto. O princípio se aplica especialmente ao modo como decidimos o que constitui um comportamento correto. Consideramos um comportamento como correto, numa determinada situação, à medida que vemos outras pessoas se comportando dessa maneira.”
Na campanha é essencial fazer uso do testemunho de pessoas que foram beneficiadas pelas ações do governo. O testemunhal vai confirmar, através da vivência concreta dos moradores, como a realidade foi transformada e a vida mudou e melhorou. Este movimento é essencial por favorecer a prova social e trazer verdade e credibilidade àpropaganda.
Para reforçar o princípio persuasivo da prova social é muito interessante trazer “especialistas” para validar o acerto das iniciativas do governo e que elas são essenciaispara garantir um futuro melhor para todos.
Conclusão:
Quanto antes o governo der início à campanha de prestação de contas, mais descontaminada do processo eleitoral ela estará. Em outros termos, quando vai se aproximando a eleição, o cidadão passa a olhar as campanhas do governo como interesseiras – “só está mostrando isso agora por que as eleições estão chegando” – o que gera desconfiança e tira credibilidade da comunicação governamental.
A mensagem é simples e direta: prefeito, se você está fazendo um bom governo, comunique-se com o cidadão e ajude a probabilidade histórica lhe favorecer. Ou prefere se arriscar em um jogo de incertezas em uma campanha eleitoral acirrada?