Com cerca de 85% do território paraibano inserido no bioma Caatinga, um ecossistema exclusivamente brasileiro, a Paraíba abriga uma rica biodiversidade adaptada ao semiárido. No entanto, esse patrimônio natural enfrenta uma nova ameaça: o circovírus, agente causador da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos, que pode afetar diversas espécies de aves nativas, especialmente os psitacídeos – grupo que inclui papagaios, araras, periquitos e maracanãs.
Diante desse cenário preocupante, o Conselho Regional de Medicina Veterinária da Paraíba (CRMV-PB) faz um alerta sobre os riscos da disseminação do circovírus entre as aves silvestres da Caatinga, especialmente considerando a proximidade com áreas de ocorrência da doença. A entidade reforça a necessidade de medidas sanitárias eficazes para prevenir a entrada e propagação do vírus no território paraibano.
A médica-veterinária Lilian Eloy, especializada em animais silvestres, faz um alerta sobre a gravidade da situação. “O circovírus é um dos maiores problemas para os nossos papagaios, araras e periquitos da Caatinga. Em criadouros de psitacídeos exóticos, a doença já está estabelecida. O problema é esse vírus escapar para a natureza e afetar os indivíduos selvagens da nossa fauna silvestre, que não têm resistência”, disse.
A doença não tem tratamento conhecido, é altamente contagiosa e, em muitos casos, letal. Ela causa perda progressiva e permanente das penas, deformações no bico e imunossupressão severa, tornando as aves mais suscetíveis a outras infecções. A transmissão ocorre pelo contato direto com penas infectadas ou superfícies contaminadas, como poleiros, comedouros e ninhos. Em ambientes de manejo coletivo, a recomendação é o isolamento ou até eutanásia dos animais infectados, para evitar a disseminação.
O cenário se torna ainda mais preocupante diante da detecção recente de um surto de circovírus em ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) reintroduzidas na natureza, no município de Curaçá, na Bahia. A espécie, endêmica do Brasil e considerada extinta na natureza desde os anos 2000, foi alvo de um programa internacional de reintrodução. O projeto, conduzido pela Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), envolveu a soltura de 11 aves no Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul.
No entanto, em julho de 2025, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) confirmou um surto de circovírus entre essas aves. A resposta emergencial incluiu triagem e isolamento das aves doentes, descontaminação de recintos e reforço das medidas de biossegurança, em conjunto com o Ibama e o Inema.
Antes disso, em abril, um filhote nascido em vida livre em Curaçá já havia testado positivo para a doença e foi isolado. Em junho, outras 13 ararinhas-azuis que vivem no centro de reprodução também foram diagnosticadas com o mesmo tipo de circovírus, indicando que o vírus estava presente tanto entre os animais soltos quanto em cativeiro.
Segundo especialistas, é possível que o vírus tenha sido trazido da Alemanha, de onde vieram as ararinhas reintroduzidas. O circovírus pode permanecer incubado por meses sem sintomas aparentes, mas ainda assim ser detectado por exames laboratoriais.
Como resposta à crise sanitária, a soltura de novos grupos de ararinhas-azuis foi temporariamente suspensa. O ICMBio também determinou o recolhimento das ararinhas já soltas na natureza, para que passem por uma bateria de testes, enquanto se implementa um plano emergencial de contenção.
As medidas incluem reforço nas ações de biossegurança, descontaminação de recintos e objetos utilizados pelas aves, além do isolamento completo dos animais com resultado positivo.
Apesar de não ter ararinha-azul na Paraíba, o risco de disseminação do vírus para outras aves da Caatinga local é real. Para evitar que esse cenário se agrave, Lilian Eloy destaca a importância de ações preventivas e maior rigor no controle sanitário. “Precisamos de medidas mais rígidas de biossegurança, testagem periódica de animais em Centros de Triagem de Animais Silvestres, zoológicos e criadouros. Como o circovírus não é originário do Brasil, nossas aves nativas sofrem muito mais quando expostas a ele”, afirmou.
Importante destacar que, apesar da gravidade da doença para as aves, o circovírus não oferece risco à saúde humana. Trata-se de um vírus específico dos psitacídeos, sem evidências de transmissão para pessoas ou outros grupos de animais domésticos. No entanto, o manuseio de aves infectadas ou suspeitas deve ser feito com o uso de equipamentos de proteção e seguindo protocolos sanitários adequados, para evitar a propagação entre animais.
O que fazer?
A prevenção é a principal aliada no combate ao circovírus. Algumas medidas recomendadas incluem: