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Cultura clubber e dance music: cena eletrônica underground em João Pessoa cresce com protagonismo LGBT
04/11/2023 / 18:57 / Matheus Melo
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DJs produtores renovam circuito e fortalecem a cena cultural eletrônica e alternativa da cidade com lançamento de novos artistas, selos e movimentos – Foto: Bruno Sanches

Há um movimento de cultura clubber e música eletrônica underground sendo resgatado em João Pessoa por jovens que além de estarem impulsionando seus próprios coletivos e selos, fortalecem o progresso de novos artistas na cena musical local e trazem oxigenação para o movimento cultural da cidade através da realização de rolês alternativos, gratuitos ou acessíveis, espaços de experimentação criativa, performance artística e celebração das diversidades presentes na diversidade.

Em tardes e noites de sábado, no after do sabadinho bom, as ruas do centro histórico exalam techno, house e vogue misturado com batidas brasileiras e outras vertentes de eletrônico nos eventos gratuitos promovidos pelo 08CENTRO, coletivo independente e colaborativo que nasceu a partir da vontade de amigos de ocuparem as ruas do CH com expressões musicais e artísticas condizentes com o que o público jovem consome, conta o publicitário e designer Lucas Reginato, um dos organizadores do movimento, encabeçado ainda por Gustavo Nardoni, Jô Oliveira, Yorran Santos e CUZZY.

“A missão do 08Centro acabou virando trazer a sigla LGBTQIAPN+ de volta pro protagonismo da cena do dance music underground de João Pessoa”, diz Lucas, citando como referência movimentos clubber que estão acontecendo pelo Brasil e ganharam destaque nos últimos anos, a exemplo da Mamba Negra, festa criada em 2013 por Carolina Schutzer e Laura Diaz, uma das principais do circuito eletrônico underground de São Paulo e que foi das ruas à fábricas abandonadas e galpões, explorando diferentes locações e formatos.

Em novembro se completa um ano e sete meses da 08Centro, que costuma ocorrer em pontos do centro histórico da capital paraibana. Para Lucas, o diálogo da festa com a cultura de rua está em “trazer entretenimento e cultura gratuita para todos os corpos e fazer com que esses corpos ocupem esse mesmo lugar, de maneira gratuita, e que eles ocupem o centro histórico que é um lugar lindo e muito foda. Pelo movimento de trazer toda a riqueza pra área da praia em João Pessoa, a gente vê como o centro histórico acabou ficando extremamente abandonado”, reflete.

A força do 08CENTRO também está em lançar novos artistas, selos e agitadores culturais no circuito.

“A gente vê o tanto de festa que apareceu e o tanto de DJ que apareceu nesse retorno pós-pandemia, e como o 08Centro, pelo fato de ser um rolê gratuito, pelo fato de acho que oferecer certa exposição, ter sido de boa ajuda pra essa galera tá aí rodando”.

A realização da festa é permitida pelos órgãos estaduais e municipais, mas ela ainda não foi incluída na programação cultural oficial da cidade, apesar de diversas tentativas de diálogo com os órgãos responsáveis, afirma o produtor. “A gente chegou até no absurdo de ter sido classificado de maneira pejorativa por uma das pessoas mais importantes da cultura de João Pessoa como um movimento marginal. Pra mim na verdade isso chega a ser um elogio”.

DJ e produtor Lucas cdjpia – Foto: @cybercuzzy

Lucas e Gustavo, que são casados e também produzem festas voltadas para o house em João Pessoa, criaram há quase três anos o selo Beco Sounds, projeto que une discotecagem e rolês alternativos itinerantes. Yorran Santos e Jô Oliveira, DJs e produtores da festa 08Centro, também são criadores do selo Vida de Clubber, coletivo de artistas, DJs e produtores da Paraíba. O perfil do VDC no Instagram viraliza com memes que brincam com referências das culturas clubber e LGBTQ+.

O movimento clubber surge entre o fim dos anos 1980 e início dos anos 90 em cidades como Berlim e Detroit em meio a ascensão do techno e da cultura rave. Batidas de música são ativação de potencial político contestador ou espace lúdico enquanto, bebendo de uma atitude provocadora, o movimento de experimentação contracultural se formata dissidente e pronto para perturbar um campo certo da beleza, moda e a própria cultura. A noite se torna ponto de encontro e resistência, refúgio para aqueles que de algum modo se sentiam deslocados e experimentavam transcendência entre luzes, música e dança.

“A cultura clubber saiu da cultura LGBT, a cultura clubber nasce a partir do momento em que corpos marginalizados vão para áreas marginalizadas e abandonadas da cidade para se autoexpressarem”, explica Reginato.

Em João Pessoa, coletivos como Capim Fashion, na década de 1990, e o Pragatecno, movimentaram e influenciaram a cena eletrônica.

cdjpia, Clementaum, Marcelo Vieira e David Lopes – Foto: Bruno Sanches

‘O rolê eletrônico em João Pessoa tem crescido com protagonismo LGBT’

“O movimento eletrônico em João Pessoa tem crescido, na minha opinião, tem ascendido bastante. Eu acho que não só a Munturo cresceu, mas todos os outros coletivos que estavam ali juntos, o 08Centro, por exemplo, que é um rolê de rua, de música eletrônica, eu acho que todos os coletivos que estavam ali em volta cresceram também. A gente conseguiu trazer atrações de outros estados. A gente conseguiu trazer atrações de outros eixos, de outras culturas, eu acho que isso é bastante importante, porque gera intercâmbio, movimenta a cena. Uma pessoa de São Paulo compartilha um flyer que tem DJs de João Pessoa, eu acho que isso é muito importante”, comenta o DJ e produtor cultural Marcelo Vieira.

A Munturo nasce em 2022 como uma proposta de movimento entre amigos no bairro do Castelo Branco em João Pessoa, “muito despretensiosamente, a partir muito de David, e aí eu embarquei junto nessa com ele”.

“Porque a gente não queria tipo, comprar entrada de festa, ou então pra pagar algo, a gente queria algo pra se divertir mesmo, e que fosse uma coisa que tocasse tudo, que não ficasse limitado apenas a um ritmo, a um estilo musical, queria algo diverso e que tocasse as músicas que a gente gostava, porque a gente ia pros locais, ou então ia pros rolês e não se identificava muito com o som. E aí a gente pensou que queria um movimento diverso mesmo, tanto de musicalidade quanto de público”, lembra Marcelo.

‘A gente tem trazido pessoas da cultura paraibana pra dentro desse rolê’, celebra produtor Marcelo Vieira – Foto: Bruno Sanches

“Eu sempre tiver um olhar muito atento pra música pop, pra música eletrônica, sempre fui público desse tipo de evento, mas eu ficava sempre do outro lado e aí David me convidou pra soltar um som lá, eu gostei bastante, a gente se empolgou e a gente continuou fazendo e tentando alinhar as nossas pesquisas, o que a gente gostava de ouvir, transformando isso num tipo de apresentação. E a gente vai aprendendo com o tempo, ouvindo mais, se preparando oficialmente pra aquilo, você se torna seu desejo”.

Construída inicialmente como festa, cuja primeira edição aconteceu em novembro, há um ano, a Munturo é hoje uma produtora com ambição de tornar o lazer e a cultura acessíveis e que vem fortalecendo o circuito cultural com a realização de rolês de rua, festas de entrada gratuita ou a preços mais acessíveis.

“A diversão ela é um pouco cara e então, eu acho que é até uma vibe assim que a gente tem meio de contracultura que é de oferecer um rolê mais acessível sabe”, pensa Marcelo, que trabalha junto com o DJ e produtor David Lopes. “A Munturo tenta ser uma contracultura, a gente tenta trabalhar algo que não é comercial”.

Ala ursa, ícone do folclore carnavalesco nordestino, atração em uma das edições Munturo – Foto: Bruno Sanches

Além da festa Munturo, fechada em música eletrônica, os meninos organizam eventos como a Disconaite, projeto da Munturo em parceria com o 220W (Castelo Branco), noites pop temáticas e a Banduleira, que está surgindo com uma proposta de festa pop.

Cada Munturo tem sua era, com visuais e estética pensadas, e todas as edições criam lista de entrada gratuita para pessoas trans e não-binárias. “A gente se posiciona enquanto rolê LGBT, eu acho que a nossa essência é isso”, destaca o agitador cultural.

“O rolê eletrônico em João Pessoa tem crescido com protagonismo LGBT, isso é muito importante”

Nomes em ascensão do circuito eletrônico nacional e do Nordeste, como Clementaum, Gabriel Diniz (Cyberkills), IDLIBRA e DJ Isaac, residente da cena ballroom paraibana, já se apresentaram em eventos produzidos pela Munturo ou em parceria com outros selos, coletivos de produção da Paraíba.

“A gente levou uma ala ursa uma vez”, lembra Marcelo, que planeja novas apresentações drag nos shows. Diversidade é algo inerente aos movimentos.

O produtor celebra os artistas DJs que debutaram na Munturo e passaram a tocar solo, criando seus próprios bailes ou recebendo convites para discotecar em outros locais. “São várias pessoas que estão envolvidas nesse processo. A gente quando pensa isso também é sobre oportunizar e dar oportunidade. Então a gente tá criando os nossos espaços, mas a gente tá levando uma galera junto, uma galera que é da periferia, que é uma galera preta, LGBT”, pontua Vieira.

“É trazer essas pessoas que não têm tanta visibilidade no circuito comercial e tentar construir um movimento que seja coletivo e abranja todos esses segmentos”, diz, citando como referência principal da Munturo a festa Buero, de São Paulo, organizada pelo DJ Spencer, movimento alternativo que tem trazido novos sons e experimentações para a cena eletrônica brasileira.

A expressão Munturo, explica o jornalista e produtor cultural, vem do dialeto nordestino e remete a lixão, terreno baldio onde as pessoas depositam lixo. “E a gente pensou esse nome justamente por ser uma proposta de alteridade, porque a gente sabe que ainda hoje há essa inferiorização da cultura LGBT e do lazer LGBT”, lembra. “E também de criar esse ambiente insalubre, muito baseado na perturbação sonora, nessa construção do caos, muito influenciado por essa coisa insalubre”.