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Da estética ao ritual: O poder do vinil na era do streaming
11/12/2022 / 14:31 / Matheus Melo
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O tipo de música que Óliver escuta é tão diverso quanto os milhares de CDs e LPs presentes na Óliver Discos, a mais antiga loja especializada em discos de vinil, em funcionamento, na Paraíba. Coco de roda, embolada de coco, heavy metal, punk, hardcore, jazz fusion, progressivo, metal, pop, MPB, música de raiz, países, étnicas. Tudo pode ser encontrado na loja e nas vitrolas do agitador cultural e empreendedor paraibano.

A conexão com a música cresceu por volta dos 10 anos, em 1979, quando começou a comprar e trocar discos de vinil, gravar fitas cassetes e acompanhar a revista Som Três, cuja primeira edição havia sido publicada em janeiro daquele ano pela Editora Três. O pai de Óliver, professor, foi um grande influenciador.

“Papai chegou a ter 30 mil LPs, hoje ele tem 30 mil CDs, mas chegou a ter 30 mil LPs. Eu gostava muito, com uns 10 anos comecei a ler muito sobre música, em especial a minha praia que é heavy metal mesmo, aí comecei a ler tal, fui me apaixonando por música e tal. Quando fiz 18 anos eu abri a primeira loja, a Strawberry Records”, relembra o pessoense.

Inaugurada em 1988 a partir do convite e incentivo de um amigo mais velho e viajado que se tornou sócio, a Strawberry Records funcionava inicialmente no Retão de Manaíra, um pouco depois do Shopping. “Só que ninguém dizia eu vou lá na Strawberry Records, todo mundo dizia ‘eu vou lá em Óliver, eu vou lá em Óliver’. Aí quando eu fechei a sociedade com ele um ano depois, que eu passei a vender em casa durante dois anos e, em outubro de 1991, abri efetivamente a Óliver Discos, aí eu transformei em ‘Óliver Discos’, que quando o povo dissesse assim, ‘eu vou lá em Óliver’ aí tava correto né, vou lá na Óliver Discos”, brinca.

Ritual

O trabalho levou Óliver de Lawrence a acompanhar de perto as transformações em formato de música surgidas a cada ano, desde a mídia física consagrada em vinil até a ascensão do streaming na última década, passando pela chegada dos CDs e do MP3 nos anos 1990. Colecionador desde 1979, Óliver já chegou a ter 14 mil LPs. Atualmente, mantém 4 mil vinis e 14 mil CDs.

“Escutar LP é realmente um ritual diferente. Quando eu recebia meus discos importados na época, anos 80, a primeira coisa que eu fazia era cheirar os vinis, que eram cheiros diferentes, feito livros. Há realmente um ritual e uma atmosfera diferente em escutar vinil”, destaca Óliver.

Detalhes como a arte, o tamanho, pôster e informações técnicas – que os CDs trazem de forma diminuta e algumas plataformas de streaming não exibem integralmente – também são apontados como diferenciais do vinil.

Com um acervo composto por novidades e LPs raros, além de CDs, DVDs, Blu-rays e equipamentos de som, a loja atende pedidos do Brasil e de fora. Óliver adquire os vinis importando e também durante viagens.

“A gente importa do mundo inteiro, Japão, Estados Unidos, Europa, de onde for, temos um escritório de importação e do Brasil a gente viaja muito, também viaja pro exterior, pelo Brasil, compramos lotes em João Pessoa, São Paulo, interior de Minas, Rio Grande do Sul, no interior da Paraíba, a clientes de fora, a gente importa todos os dias. No Brasil tem a Polysom, compramos direto, Fatiado Discos, Três Selos”.

Além de ser a loja especializada em vinil mais antiga, em atividade, na Paraíba, a Óliver Discos está entre as dez mais antigas em funcionamento no país, segundo Lawrence. As novas vitrolas, avalia o empreendedor, fizeram com que o aumento da venda de LPs fosse consumado nos últimos anos. O público que Óliver atende hoje é formado principalmente por quem tem mais de 40 anos e pela faixa etária que vai dos 12 aos 25. Entre quem tem de 26 a 40 anos o consumo é menor. Para ele, seria a parcela que mais se acostumou às plataformas de streaming.

Apesar da maior facilidade de acesso encontrada em aplicativos como Deezer, Apple Music, Amazon Music, YouTube Music, Tidal e Spotify – maior do segmento no mundo – a cultura dos LPs segue forte entre colecionadores e DJs, nos clubes e feiras de vinil, e através dos selos musicais, lojas e fábricas que continuam produzindo e comercializando o artefato cultural. Diversos lançamentos musicais atuais também vêm acompanhados de versões especiais em vinil, seja no mainstream, no alternativo e underground, o que evidencia a força e presença da mídia física no mercado atual, ainda que em menor escala.

“Pegamos o auge, era uma coisa bem diferente de hoje, com o streaming. 92, 93, 94 começaram a chegar os CDs, houve essa transição bem abrupta, muita gente se desfez dos LPs de vez, sem ter comprado os respectivos LPs em CDs e se arrependeu depois. Essa passagem pro streaming eu acho uma coisa meio fria. Você não tem como saber o nome dos artistas na ficha técnica, de quem é o primeiro solo da música, de quem é o segundo, de onde a banda é. Às vezes um álbum conceitual tem lado A e lado B como era no vinil e no streaming não existe isso. Eu acho muito bom o streaming, não sou contra. Mas pra uma forma de você conhecer as bandas e os artistas e comprar as mídias físicas”, diz Óliver.

A loja, situada na Avenida Senador Ruy Carneiro, em João Pessoa, vende discos que podem variar entre R$ 10 e R$ 4 mil ou mais.

“Quem não conhece várias capas que poderiam estar em molduras na parede?”

Se há poucas décadas o vinil era o formato dominante na indústria da música, hoje ele é mantido e reconfigurado dentro de um mercado de nicho, pontua a mestre em Comunicação e Cultura, Sarah Oliveira Quines.

Apesar da ideia de retorno do LP concebida nos últimos anos, para DJs e colecionadores o vinil nunca partiu, mas seguiu existindo, mesmo em menor oferta. “Para aqueles mais interessados, que buscam em sites pela internet ou fazem trocas com conhecidos que se desfazem de coleções ou garimpam pelos sebos e feiras, a morte do vinil sempre foi uma grande falácia”, disserta Sarah.

“Para as novas gerações, a ‘volta’ (ele a rigor nunca se foi, apenas saiu das linhas de produção da indústria nacional…) do vinil significa recuperar uma experiência sensorial mais completa do ato de ouvir música. O disco físico tem visual gráfico, letras, cheiro, o toque do manuseio, o gesto mecânico de colocar a faixa que vai ouvir”, afirma o publicitário Láuriston Pinheiro, que desde criança gostava de ouvir tudo o que tocava no rádio e cantar suas canções preferidas.

Os discos surgiram quando o pai comprou uma vitrola portátil no início dos anos 1970. “Minhas primeiras audições em vinil foram em compactos (discos pequenos com 2 ou 4 faixas) e LPs de rock e música pop: Alice Cooper, Black Sabbath, Elton John, Paul McCartney, Deep Purple…”, conta.

Para Láuriston, é questionável, diante dos avanços da indústria fonográfica e da tecnologia digital, afirmar que o vinil tem qualidade sonora superior: “Hoje já temos streaming de alta resolução de áudio e SACD (super áudio CD), que garantem uma audição de Alta Fidelidade, só para usar um termo antigo que garantia a excelência da qualidade de áudio de um disco. Se seu equipamento tiver Dolby Atmos, pode até ouvir uma simulação digital da distribuição espacial da banda tocando em sua sala”, explica.

Segundo Óliver, dependendo do equipamento de som, a reprodução do LP pode ultrapassar o CD e o MP3 em qualidade sonora, “mas isso se você tiver um equipamento muito bom”.

Na última estimativa que fez durante a pandemia, Láuriston contou aproximadamente 2.800 discos. Cerca de 600 são vinis e o restante são CDs. Ele afirma não se intitular um colecionador. “Tenho vários amigos com quantidade acima de 20.000 itens”.

A materialidade presente no ato de parar pra escutar um disco é outro aspecto cativante. “O vinil é um objeto. Não é algo baixado, acessado em um clique. Por sua natureza tangível e dimensão física, pode trazer fotos, textos e ilustrações de caráter artístico que ampliam ou completam as canções que ele contém. Acaba ‘expandindo’ a recepção estética da audição em si. Quem não conhece várias capas que poderiam estar em molduras na parede? Isso é parte essencial de seu encanto”, reflete Láuriston Pinheiro.

Ciclos

Perguntei a Láuriston e Óliver se acreditam que algum outro formato será recuperado com a mesma força que o LP, e sobre o fenômeno das mídias “antigas” que são mantidas ou retornam ao cenário de consumo em determinados momentos.

“Para meu espanto, estamos assistindo a volta gradativa de gravações em fita cassete. Lá fora já é algo em pleno crescimento”, comenta o publicitário, avaliando que a volta dessas nostalgias sempre fica restrita a certos públicos e nichos de mercado.

Óliver acredita em uma guinada e calcula 5 anos, no mais tardar, para um reaquecimento sobre a mídia do CD. “Talvez não tão quanto o vinil, mas vai recuperar alguma força porque acho que isso é um ciclo mesmo que existe, na minha concepção”.

“Não acho que o futuro será nostálgico, mas sempre haverá espaço para essas vivências que recuperam coisas afetivas do passado”, prevê Láuriston. “No caso do vinil, as novas tecnologias entregam uma qualidade sonora capaz de impressionar qualquer ouvido apurado do presente. Mas ainda é um lazer que custa caro”.