
A morte da atriz Diane Keaton, no último dia 11 de outubro, vítima de pneumonia, surpreendeu os fãs não apenas pela perda, mas também por um detalhe curioso do testamento. Parte de seu patrimônio, estimado em US$ 100 milhões, será destinado ao seu cachorro Reggie, um golden retriever adotado em 2020. Segundo a imprensa americana, o animal receberá US$ 5 milhões de herança, valor destinado a garantir seu cuidado por toda a vida. Apaixonada por animais, Diane também deixou doações para instituições de proteção animal.
O gesto reforça uma tendência mundial de “famílias multiespécie”, nas quais os pets passam a ocupar o mesmo espaço afetivo de filhos e companheiros. Por isso, casos semelhantes ao de Keaton vêm se multiplicando.
O bilionário indiano Ratan Tata, dono da Jaguar Land Rover e da Tata Steel, destinou R$ 600 milhões de sua herança a seus cães, Tito e Goa, além de beneficiar funcionários próximos. No Brasil, a escritora Nélida Piñon deixou quatro apartamentos no Rio de Janeiro para suas cachorrinhas, Suzy e Pilara, mas sob a administração de sua assistente, Karla Vasconcelos.
Segundo advogados ouvidos pelo InfoMoney, a resposta no Brasil é: não. Isso porque a legislação nacional não reconhece os animais como sujeitos de direito com personalidade jurídica, condição necessária para serem herdeiros legais.
“Pela lei, o animal não pode ser destinatário do patrimônio, mas pode sim ser objeto de tratativas legais, como ocorre nos casos de guarda compartilhada de pets após separações”, explica Luiz Kignel, especialista em Direito de Família e Sucessões do escritório PLKC Advogados.
De acordo com o Código Civil (artigos 1.798 e 1.799), apenas pessoas físicas ou jurídicas podem receber herança. Além disso, a lei reserva 50% do patrimônio aos chamados herdeiros necessários, que são filhos, cônjuges e pais. A outra metade pode ser livremente disposta pelo testador, mas não a animais.
Há, contudo, alternativas legais para quem deseja garantir o bem-estar do pet.
Segundo Jorge Augusto Nascimento, sócio do Domingues Sociedade de Advogados (DMGSA), é possível criar uma fundação com o objetivo específico de cuidar de animais. “O testador pode vincular bens à criação de uma instituição cuja finalidade seja proteger e sustentar seu próprio animal após sua morte”, explica.
Outra solução é designar um tutor humano, com encargo legal de cuidar do pet utilizando recursos deixados em testamento, como foi feito no caso da escritora Nélida Piñon. “Se a pessoa insistir em deixar herança diretamente a um animal, o testamento será nulo. Na falta de herdeiros, os bens podem até se tornar herança vacante, revertendo ao Município ou ao Distrito Federal após cinco anos”, completa a advogada Marina Dinamarco, do escritório Marina Dinamarco Advogados.
Para o advogado Fábio Botelho Egas, sócio do Botelho Galvão Advogados, o ideal é combinar planejamento sucessório e afeto. “Quem não tem herdeiros pode dispor livremente dos bens, incluindo empregados ou instituições. Criar uma estrutura jurídica, como uma fundação de proteção animal, é o caminho mais seguro para garantir que o pet continue bem cuidado”, afirma.
O fato é que casos como o de Diane Keaton, Ratan Tata e Nélida Piñon refletem um fenômeno crescente: o vínculo emocional entre humanos e animais, que está cada vez mais forte e já começa a desafiar as fronteiras do direito tradicional.
Com informações do InfoMoney