Em meio a luzes de LED, filtros de Instagram e alertas de notificação incessantes, um outro tipo de brilho se destaca: o das fogueiras juninas acesas em rodas de conversa, forró e encontros ao vivo. O Maior São João do Mundo, em Campina Grande, que em 2025 atraiu mais de 3,2 milhões de pessoas em 38 dias de festa, é não apenas um fenômeno cultural, mas também um respiro coletivo, um manifesto por mais experiências reais em um tempo saturado por interações digitais.
A volta à tradição, curiosamente, revela um movimento contemporâneo. Cada vez mais, a busca por encontros presenciais, como os que lotaram o Parque do Povo, é um antídoto à chamada “fadiga digital”, termo cunhado para descrever o cansaço mental e emocional causado pelo excesso de tempo online. O brasileiro, segundo o Relatório Digital 2024, passa em média 9h13 por dia conectado à internet, mais do que dorme. Mas será que, ao estarmos o tempo todo online, não estamos cada vez mais desconectados de nós mesmos?
A atmosfera de uma noite de São João é inconfundível. A sanfona ecoando ao longe, os trios se formando espontaneamente, os corpos dançando juntos em sincronia quase ritualística. Para o psicólogo Eudes Nascimento, mestre em Psicologia e especialista em saúde mental, há uma explicação clara para esse fascínio coletivo por momentos como esse:
“Mesmo com a facilidade de encontrar outras pessoas pelas redes sociais, percebemos que muitos estão buscando encontros presenciais. Isso se dá pela necessidade de relações mais profundas, de um diálogo mais real. O uso excessivo e indiscriminado da tecnologia pode levar ao adoecimento mental, como ansiedade, depressão, sentimento de não pertencimento e isolamento”, explica ao F5 Online.
Segundo ele, o corpo fala, e precisamos ouvi-lo fora das telas. “Nossa comunicação não se dá apenas por palavras, mas por expressões, gestos e até pela temperatura corporal. Isso é perdido no contato virtual. Por isso, cresce a procura por experiências onde essas trocas possam ocorrer de forma mais plena.”
A grandiosidade do São João de Campina Grande em 2025 vai além do número de atrações – foram mais de 500 apresentações distribuídas entre os palcos Principal, Cultural, Pirâmide e as tradicionais ilhas de forró.
A festa também ocupou toda a estrutura do Parque Evaldo Cruz (Açude Novo), unida ao Parque do Povo, somando uma área de cerca de 80 mil m² dedicada ao convívio real.
E os números divulgados pela prefeitura ainda apontam um crescimento de mais de 10% no público em relação ao ano anterior.
+ Receba as notícias do F5 Online no WhatsApp
O fenômeno não é isolado. A superlotação em eventos presenciais como shows, festivais de música, cinemas e festas regionais pelo país evidencia um desejo coletivo de reconexão. Assim como aponta o psicólogo Eudes Nascimento, “embora as pessoas estejam cada vez mais conectadas virtualmente, o contato humano cara a cara sempre se fará necessário para o bem-estar psíquico, físico e social.”
É uma espécie de retorno à fogueira ancestral, símbolo que, no São João, aquece corpos e corações. A cada passo de forró, a cada abraço trocado, a cada música cantada em coro, há uma recusa silenciosa à superficialidade digital. E talvez seja esse o verdadeiro milagre da festa: nos lembrar de que o que nos torna humanos não é o wi-fi, mas o calor do outro.