João Pessoa 23.13ºC
Campina Grande 20.9ºC
Patos 24.5ºC
IBOVESPA 132129.26
Euro 6,53
Dólar 5,56
Yuan 0,78
Desconectar para dançar: o São João como reencontro com a presença
28/07/2025 / 09:11 / Matheus Melo
Compartilhe:
Mais fogueira, menos notificação: o São João e o renascimento do encontro
A maior festa popular do Nordeste revela que, mais do que entretenimento, eventos presenciais são ferramentas de saúde mental e social – Foto: Natasha Leoni e Thallys Andrade / Arte Produções

Em meio a luzes de LED, filtros de Instagram e alertas de notificação incessantes, um outro tipo de brilho se destaca: o das fogueiras juninas acesas em rodas de conversa, forró e encontros ao vivo. O Maior São João do Mundo, em Campina Grande, que em 2025 atraiu mais de 3,2 milhões de pessoas em 38 dias de festa, é não apenas um fenômeno cultural, mas também um respiro coletivo, um manifesto por mais experiências reais em um tempo saturado por interações digitais.

A volta à tradição, curiosamente, revela um movimento contemporâneo. Cada vez mais, a busca por encontros presenciais, como os que lotaram o Parque do Povo, é um antídoto à chamada “fadiga digital”, termo cunhado para descrever o cansaço mental e emocional causado pelo excesso de tempo online. O brasileiro, segundo o Relatório Digital 2024, passa em média 9h13 por dia conectado à internet, mais do que dorme. Mas será que, ao estarmos o tempo todo online, não estamos cada vez mais desconectados de nós mesmos?

A dança como cura: São João e o retorno ao humano

A atmosfera de uma noite de São João é inconfundível. A sanfona ecoando ao longe, os trios se formando espontaneamente, os corpos dançando juntos em sincronia quase ritualística. Para o psicólogo Eudes Nascimento, mestre em Psicologia e especialista em saúde mental, há uma explicação clara para esse fascínio coletivo por momentos como esse:

Mesmo com a facilidade de encontrar outras pessoas pelas redes sociais, percebemos que muitos estão buscando encontros presenciais. Isso se dá pela necessidade de relações mais profundas, de um diálogo mais real. O uso excessivo e indiscriminado da tecnologia pode levar ao adoecimento mental, como ansiedade, depressão, sentimento de não pertencimento e isolamento”, explica ao F5 Online

Segundo ele, o corpo fala, e precisamos ouvi-lo fora das telas. “Nossa comunicação não se dá apenas por palavras, mas por expressões, gestos e até pela temperatura corporal. Isso é perdido no contato virtual. Por isso, cresce a procura por experiências onde essas trocas possam ocorrer de forma mais plena.”

Mais que festa: encontros como bem-estar coletivo

A grandiosidade do São João de Campina Grande em 2025 vai além do número de atrações –  foram mais de 500 apresentações distribuídas entre os palcos Principal, Cultural, Pirâmide e as tradicionais ilhas de forró. 

A festa também ocupou toda a estrutura do Parque Evaldo Cruz (Açude Novo), unida ao Parque do Povo, somando uma área de cerca de 80 mil m² dedicada ao convívio real.

E os números divulgados pela prefeitura ainda apontam um crescimento de mais de 10% no público em relação ao ano anterior.

+ Receba as notícias do F5 Online no WhatsApp

Offline como escolha de bem-estar

O fenômeno não é isolado. A superlotação em eventos presenciais como shows, festivais de música, cinemas e festas regionais pelo país evidencia um desejo coletivo de reconexão. Assim como aponta o psicólogo Eudes Nascimento, “embora as pessoas estejam cada vez mais conectadas virtualmente, o contato humano cara a cara sempre se fará necessário para o bem-estar psíquico, físico e social.”

É uma espécie de retorno à fogueira ancestral, símbolo que, no São João, aquece corpos e corações. A cada passo de forró, a cada abraço trocado, a cada música cantada em coro, há uma recusa silenciosa à superficialidade digital. E talvez seja esse o verdadeiro milagre da festa: nos lembrar de que o que nos torna humanos não é o wi-fi, mas o calor do outro.